Celebração pode ser definida como a parte
cultural que identifica a forma ou método de elaboração de determinada cerimônia, sendo de fundo religioso, político,
educacional, militar, familiar ou científico. Pode-se afirmar que as celebrações fazem
parte do cotidiano, uma vez que são comuns para celebrar aniversários,
vitórias, formaturas, batizados, casamentos e até mesmo funerais. Do
ponto de vista social e antropológico, celebrar contribui para reforçar laços.
Maria
Margarida Moura, doutora em ciências humanas pela USP, em seu livro Festas, ritos e celebrações aborda o
papel e a importância desse tipo de encontro social. A autora começa a obra
falando das características das celebrações, e destaca como a “inversão” é a
característica mais marcante. “Troca-se a comida do dia a dia por uma comida
especial; comida especial é aquela que é preparada para ser compartilhada
coletivamente, não é simplesmente comida cotidiana ou comida familiar. (...) A
gestualidade torna-se diferenciada, é mais expansiva, não é mais a mesma do dia
a dia, o discurso muda, evoca fórmulas de alegria, de tristeza, de saudade, que
são super enfatizadas nessas ocasiões”.
Vale
lembrar que as celebrações são significadas,
entendidas e vividas por conta dos espaços temporais, uma vez que a contagem do
tempo é essencial para a produção de significações. Segundo Fernando
Nascimento, professor de filosofia da PUC-Campinas, celebrações como a de aniversário
não existem, o que existe é um tempo simbólico. Quando uma pessoa diz “meu
aniversário passou em branco”, ela quer dizer que ninguém a cumprimentou pela
data, logo, é como se a mesma não existisse.
“Criamos um tempo “simbólico” para expressar a importância que
atribuímos a determinada pessoa com a qual nos relacionamos e, como somos seres
de sentido, o reconhecimento desse sentido é fundamental para que a pessoa
conduza sua existência”, afirma Nascimento.
Outro
elemento presente na construção dos simbolismos das celebrações é a religião;
em O sagrado e o profano, Mircea
Eliade afirma que o homem arcaico vivia no sagrado ou em estreita proximidade
com ele – e, nesse caso, o sagrado está intimamente ligado com o mito e com o
rito. Com isso, Nascimento estabelece uma relação: “é possível afirmar que rito
e celebração se aproximam, logo, podemos considerar algumas formas de rito como
formas de celebração. Sendo assim, se assumirmos essa aproximação entre o rito
e celebração, a relação entre o mito e o sagrado e a sugestão cronológica de
que a experiência do sagrado é frequente no homem arcaico, parece possível
enxergarmos que a expressão simbólica da celebração já estava presente na
experiência humana desde os primórdios da nossa vida cultural”, conclui.
A obra
fala ainda de outra celebração, mais precisamente da relação do homem moderno
com a morte. Como este vive no profano, ou seja, busca sentido para sua
existência na racionalidade empírica e cientificista, a morte lhe causa
estranhamento; por conta disso é possível afirmar que, enquanto as celebrações
de aniversário são encaradas como momentos de renovação, a morte gera angústia.
Na
tentativa de entender um pouco esse papel do peso da religião nas determinações
culturais de celebração, a revista médica inglesa The Lancet publicou em 2005 um dossiê sobre o fim da vida em
diversas religiões.
Mas
afinal, por que celebrações que comemoram a vida são mais bem vistas na maioria
das culturas e religiões, do que as celebrações de morte? Em outras palavras,
mesmo uma gravidez inesperada é comemorada, mas nunca estamos preparados os
suficientes para lidar com a morte, seja em situações inesperadas como a de
acidentes, seja em mortes previstas, como em caso de doenças.
Nessa
tentativa de entender o peso que a morte tem em cada uma das religiões ao redor
do mundo, a The Lancet reuniu
diversos artigos de especialistas abordando a questão. End of life aborda como as religiões católica, budista,
hindu, islâmica, espírita e judaísta encaram a mais complicada das celebrações
da vida: a morte. Porém, independente da religião, muitos especialistas
defendem que é necessário passar pelo processo de luto, porque somente dessa
forma é que acontece o processo de assimilação, conforme explica Flávio de Sá,
médico e professor de bioética da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da
Unicamp. Morte é um tabu para muitas culturas.
Sá explica
que antigamente ocorriam os rituais de morte, os corpos eram velados em casa,
na presença de toda a família (inclusive das crianças) e dos amigos, as
mulheres permaneciam durante boa parte do velório cozinhando, como uma forma de
encarar a situação como “um desfecho provável”. Outra figura importante no
processo da morte sempre foi o médico, mas esse exercia funções diferentes
antigamente se comparado a hoje. Segundo o professor de bioética, antes este
era chamado para proporcionar ao paciente alívio nos momentos finais de vida;
hoje, é chamado para prolongar ainda mais a vida, mesmo que por alguns dias.
A origem da celebração de aniversário
As comemorações de aniversário (em especial as de
nascimento) têm origem na superstição, nos costumes de dar parabéns, presentes
e acender velas nos tempos antigos, para proteger o aniversariante de demônios e garantir segurança no ano vindouro. De acordo com a crença judaica, o momento de comemoração do
aniversário é a ocasião de se receber presentes, de festejar, agradecer e
refletir sobre o que se está realizando atualmente. É o dia em que a pessoa
nasceu, em que a vida dela começou e é também o dia em essa vida pode mudar.
Já os gregos acreditavam
que cada um tinha um espírito protetor, ou gênio inspirador, que assistia seu
nascimento e o vigiava em vida. Esse espírito tinha uma relação mística com o deus da
data que o indivíduo nascia. Os romanos também endossavam essa ideia. O
costume de acender velas nos bolos começou com os gregos. Bolos de mel redondos como a
lua e iluminados com velas eram colocados nos altares do templo de Ártemis.
As velas de aniversário, na crença popular, são dotadas de magia especial para
atender pedidos.
Mas, afinal, para que servem as
celebrações?
Para o
professor de filosofia, Fernando Nascimento, “a nossa maneira de estar no mundo
é simbólica, ou seja, nós não nos contentamos – se é que poderíamos escolher
por isso – em viver no mundo meramente natural. Nossa vida é sempre mediada
pelos sentidos que nós mesmos criamos”. Ele enfatiza ainda que a existência é
puramente linear, trata-se de um momento após o outro, até que não haja mais
vida.
Em
outras palavras, é possível afirmar que temos nas celebrações uma forma de
comemoração que nos permite entrar nesse mundo simbólico – natural do ser
humano – bem como de fortalecer as relações interpessoais. Essas datas
especiais permitem que atribuamos um sentido tanto para o tempo quanto para a
relação, mas é preciso cuidado para que as tradições modernas não transformem o
simbolismo e os rituais em formas de negócio sofisticadas e “enfeitem” o
simbólico com toques mercantilistas que funcionem apenas para seus interesses
comerciais, como aponta Nascimento.
Se
estabelecermos essa relação, de que a celebração é que uma manifestação
simbólica da vida, fica clara sua importância. A própria natureza convencional
simbólica aponta para as diversas formas com as quais as comunidades celebram determinadas
experiências humanas comuns como o nascimento, a reprodução e a morte.
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