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Artigo
O profissional que atua na conservação-restauração de livros raros
Por Edmar Moraes Gonçalves
10/04/2011

Durante muitos anos, a formação do conservador/restaurador brasileiro somente foi possível através de cursos e especialização feitos na Europa e nos Estados Unidos. Após a década de 1970, começam a surgir as primeiras iniciativas de cursos oferecidos pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelo Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, e, posteriormente, foram sendo criados outros cursos técnicos como o da Fundação de Arte de Ouro Preto, da Associação Brasileira de Encadernação e Restauro, em São Paulo etc. Atualmente, contamos com cursos de graduação em conservação-restauração de bens culturais na UFRJ, na UFMG, na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, além de outros em nível tecnólogo.

Apesar dos cursos de biblioteconomia, de arquivologia e de museologia serem ligados à documentação e acervos, eles oferecem, em geral, disciplinas eletivas não obrigatórias da área. No entanto, os bibliotecários, arquivistas e museólogos necessitaram buscar cursos de especialização para atuarem como conservadores-restauradores.

O conservador-restaurador, além dos conhecimentos específicos em sua formação, recebe conhecimentos básicos de áreas afins, tais como: história da arte, biologia, química e física. Ele deve trabalhar de forma interdisciplinar com outros profissionais, como o cientista da conservação, que darão suporte para análises e testes dos materiais envolvidos.

Conservação-restauração de livros raros

Todo tratamento de conservação-restauração em livros raros somente deve ser desenvolvido por um conservador-restaurador especializado, que tenha conhecimento técnico-científico sobre a obra, seus materiais constitutivos e suas técnicas de construção. Deve também ser capaz de avaliar seu estado de conservação, as causas de deterioração e ter capacidade de intervir na obra, para solucionar o problema, utilizando critérios e técnicas adequadas para sua preservação. Essas intervenções devem ser as mínimas possíveis, sempre em busca da permanência e da manutenção das características originais da obra. Todos os processos devem ser executados utilizando materiais de qualidade de conservação e que possam ser reversíveis.

Todo processo deve buscar a recuperação da estrutura física do objeto restaurado, permitindo, assim, que os valores presentes na obra original possam ser observados integralmente. Isso representa a conjugação de conhecimentos científicos, estéticos e socio-históricos que fixarão os limites da intervenção daquele que pode ser o restabelecimento da unidade potencial da obra, sempre que isso seja possível, sem cometer uma falsificação artística ou histórica e sem apagar nenhum vestígio do tempo.

O tratamento de livros raros, muitas vezes, pode representar uma intervenção em obra única existente e, portanto, o conservador-restaurador necessita dispor de conhecimento profundo sobre ela e sobre seus elementos constitutivos. Para isso, ele necessita também possuir um grande conhecimento dos diferentes estilos de encadernações. Desde o início da história do livro, a encadernação tem como objetivo a proteção do livro e, em se tratando de livros raros, temos que dar o mesmo tratamento a ambos, tanto ao conteúdo (texto) quanto à sua encadernação, devolvendo à obra suas características originais.

O Brasil tem uma carência muito grande na área de informação e conhecimento especializado em tecnologia de construção de estruturas de livros e de encadernações antigas e raras (como a da imagem abaixo). Diante dessa carência, as instituições públicas, privadas e os colecionadores de livros raros, quando necessitam executar intervenções nessas obras, se deparam com um problema nem sempre bem resolvido. Por conta disso, muitas obras acabam passando por tratamentos de intervenções feitos por pessoas não capacitadas, comprometendo sua originalidade e, com isso, perdem vestígios e testemunhos históricos relacionados à tecnologia de construção e à própria história do objeto. Carimbos, dedicatórias e selos são testemunhos de histórias individuais e institucionais que eventualmente são apagados, destruídos, perdidos, bem como os próprios processos e identidade material da manufatura. A memória do objeto perde-se, então, para sempre. Devemos evitar a descaracterização de livros raros e de suas encadernações originais. Se não se tem capacidade técnica e materiais adequados para os tratamentos necessários, é preferível as obras como estão e bem acondicionadas – pelo menos elas se manterão originais.


Códice egípcio (Bíblia) sem data, com estrutura 
rompida. Foto do autor.

Isso representa um desafio para os conservadores-restauradores, já que é necessário um conhecimento detalhado sobre as técnicas de encadernações referentes à execução de procedimentos de intervenção, de conservação e de restauração que dependam de uma intervenção estrutural para que depois a obra possa ser remontada seguindo suas características históricas e originais. A base conceitual definidora nesse processo requer que não apenas se recupere a aparência externa do livro, mas se preserve os indícios, as características e o próprio formato da tecnologia de construção da obra.

Apesar da existência de cursos técnicos e de graduação em conservação-restauração de bens culturais no Brasil, há uma lacuna na especialização de conservadores-restauradores de livros raros – falta investimento nessa área. O profissional que tem interesse precisa buscar a especialização fora do Brasil.

Aqui, as principais coleções de livros raros são dos séculos XVI a XIX. Podemos destacar como referência as coleções de livros trazidas pela família real que se encontram na Biblioteca Nacional, no Gabinete Português de Leitura, no Museu Nacional, no Museu Histórico Nacional e no Museu Imperial. Outras instituições de igual importância são: Biblioteca Mário de Andrade; Biblioteca de José Mindlin (doada para a USP); e bibliotecas católicas, como a do Mosteiro de São Bento; além de coleções universitárias, coleções privadas, bibliotecas municipais e distintos órgãos estaduais.

Atuação do conservador-restaurador de livros raros

No Brasil, ainda são poucos os centros especializados criados para manter a demanda existente e cada vez mais crescente na execução de tratamento de livros raros. Os poucos especialistas estão concentrados nas instituições públicas que contam com laboratórios e alguns deles em atelier particular.

No Rio de Janeiro, a Fundação Casa de Rui Barbosa, através de seu Setor de Preservação, é uma referência no tratamento de livros raros (ver abaixo exemplos de obras restauradas em seu laboratório), atendendo às necessidades do acervo e oferecendo também cursos, seminários e estágios orientados na área.


À esquerda, restauração de um códice medieval do século XIV. À direita, folha em 
pergaminho de um códice medieval com danos causados por pragas. Fotos do autor.

A profissão de conservador-restaurador

A profissão de conservador-restaurador de bens culturais móveis e integrados, bem como a função de técnico nessa área são de natureza cultural, técnica, científica, e exercidas por profissionais de nível superior, bacharéis, tecnólogos e técnicos. São assim considerados profissionais: o cientista da conservação; o administrador da preservação; o técnico em conservação; e o restaurador de bens culturais.

 

O projeto para regulamentação do exercício dessa profissão está sendo aprovado pelo Congresso Nacional e dispõe sobre os requisitos para o seu exercício. Ressalta-se no projeto a obrigatoriedade de graduação em curso de nível superior ou técnico com área de concentração em conservação-restauração de bens móveis e integrados ou pós-graduação na mesma área de concentração, com monografia, dissertação ou tese sobre conservação e restauração de bens móveis e integrados. O exercício da profissão é também permitido para aqueles que já estão em atividades de conservação e restauração, que comprovem o tempo de experiência e tenham concluído um curso superior. Os diplomados em curso técnico de conservação-restauração de bens móveis e integrados podem exercer a atividade, desde que sob a supervisão de um conservador-restaurador.


Após a regulamentação da profissão, todo patrimônio histórico e cultural, tombado ou não, estará mais protegido e deve ser preservado. Qualquer ação de intervenção nesse patrimônio terá fiscalização e só poderá ser executada por profissionais capacitados.

Edmar Moraes Gonçalves é bibliotecário, especialista em conservação-restauração de livros e encadernações raras e chefe do Setor de Preservação da Fundação Casa de Rui Barbosa.