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Na busca por obras raras, não existem fronteiras
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O que é livro raro?
Márcia Carvalho Rodrigues
A Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda: uma coleção muito especial
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Artigo
A Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda: uma coleção muito especial
Por Tereza Cristina de Carvalho e Marta Regina do Val
10/04/2011

Mais do que acumular livros, as bibliotecas revelam formas de saber, criticar, pensar e imaginar. Foi pensando assim que a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprou em 1983, logo após a sua morte, a biblioteca de Sérgio Buarque de Holanda um dos principais acervos históricos e culturais do país, formado por 8.513 livros, 227 títulos de periódicos, 600 obras raras dos séculos XVI ao XX, e 74 rolos de microfilmes, que tratam das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos.

Sérgio Buarque de Holanda, historiador, crítico literário e professor de história da civilização brasileira na USP, foi idealizador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) e participou, em 1980, da cerimônia de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Naquele mesmo ano, recebeu tanto o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, como o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. Foi correspondente de O Jornal na Polônia e na Alemanha (1929-1930); professor em universidades europeias e americanas (décadas de 1950 e 1960); e autor de vários livros: Monções (1945); Caminhos e fronteiras (1957); Visão do paraíso (1958), entre outros, além do clássico, Raízes do Brasil (1936).

A Coleção Sérgio Buarque de Holanda ocupa uma sala especial no 3º piso da Biblioteca Central Cesar Lattes, da Unicamp, onde está o mobiliário preservado que pertenceu ao historiador. Composto de estantes, escrivaninha, escada, cadeira de repouso, máquina de escrever, uma leitora de microfilmes, além de medalhas, troféus e prêmios, numa reconstituição do seu gabinete pessoal de trabalho onde passou boa parte de sua vida.

O acervo abrange a área de ciências humanas, com destaque para os livros que tratam da história do Brasil – mais especificamente, da história de São Paulo – e para aqueles em língua alemã, que representam cerca de 20% do acervo. Por ter participado de inúmeras missões culturais do Brasil em vários países, Sérgio Buarque foi adquirindo, ao longo do tempo, livros raros e documentos preciosos para a historiografia brasileira.

Autêntico tesouro literário, nesse acervo é possível conferir obras com dedicatórias, algumas bastante interessantes, como Os parceiros do rio Bonito, de Antonio Cândido, de 1971; A beata Maria do Egito, de Rachel de Queiroz, de 1958, e as obras anotadas pelo historiador, o que as tornam únicas. Sérgio Buarque de Holanda, cuidadosamente, fazia anotações a lápis nas páginas dessas publicações, o que demonstrava profunda capacidade de trabalho e o seu valor como historiador.

Nesse acervo, além de todas as obras publicadas por ele, com suas várias edições traduzidas para dezenas de idiomas, estão arquivadas teses e artigos publicados em jornais e revistas. Encontram-se, ainda, as obras traduzidas e prefaciadas pelo historiador, como a tradução feita para a editora Martins da obra de Thomas Davatz, Memórias de um colono no Brasil, que a tornou conhecida como fonte importante para a historiografia paulista, e a introdução às Obras econômicas de Azeredo Coutinho, publicadas no século XVIII. Todo o acervo documental com fotos, correspondências, blocos de anotações e cadernos de pesquisa estão sob a guarda do Sistema de Arquivos (Siarq) da Unicamp.

Apesar de ostentar algumas centenas de livros raros do século XVI ao século XX, não se trata de uma biblioteca de colecionador e tampouco de uma brasiliana, pois ao lado de livros sobre temas brasileiros encontram-se coleções de literatura italiana, francesa, russa, além de variados tratados de filosofia alemã e de teoria da história.

Dentre as obras raras pertencentes ao acervo de Sérgio Buarque, podemos citar uma considerada a mais valiosa. Trata-se de uma coleção de narrativas de viagens do século XVI, compilada por Giovanni Battista Ramusio, formada por três volumes, Navigationi et Viaggi, publicada em Veneza entre 1554 e 1559. Ramusio preparou um quarto volume, mas o manuscrito foi perdido no incêndio da Imprensa Giunta, em Veneza. Essa obra abre uma era de história literária de viagens e navegações. O autor acrescenta narrativas originais, denuncia anacronismos e erros históricos com sagacidade crítica. Devemos a Ramusio a preservação de relatos de viagens da maior importância para a história da América; cada volume de sua obra aparece em várias edições, algumas contendo mais narrativas e com pequenas diferenças nos mapas. O primeiro volume contém o relato de viagem feito por Cabral em 1500, conhecida pelos historiadores brasileiros como a relação do piloto anônimo; e o terceiro volume, inteiramente dedicado à América, contém o mapa do Brasil. A Coleção Sérgio Buarque de Holanda possui os tomos 1 e 3 da 2ª ed. (1554 e 1565) e o tomo 2 da 1ª. ed. (1559).

Entre os diversos títulos que podem ser encontrados no acervo, podemos citar a edição pirata de 1730, Memoires de M. du Guay-Trouin. Corsário francês e tenente coronel general das Forças Navais, ele descreve, através dessa obra, suas campanhas. Essa edição é considerada “pirata”, pois só a que foi publicada após 1740 teve sua autoria reconhecida. O Brasil, por duas vezes, sofreu ataques das esquadras inimigas francesas ao Rio de Janeiro (Duclerc, em 1710, e du Guay-Trouin, em 1711). Na segunda vez, conquistaram e saquearam a cidade e, para abandoná-la, o corsário francês exigiu uma boa soma em dinheiro, 100 caixas de açúcar e 200 bois.

Além das obras citadas acima, destacamos ainda: a edição das Ordenações do reyno de Portugal, de 1649, conhecida como Vicentina, por ter sido impressa no mosteiro de São Vicente de Fora, obra valorizada pela sua exatidão e beleza de impressão; a nova edição da importante obra de Andrea Alciati para o conhecimento da história da arte, Emblemata cum commentariis, impressa em Patavii (Itália) e publicada em 1661, com mais de mil páginas de texto; e a coleção de livros inéditos de história portuguesa organizada por Jose Francisco Correa da Serra e publicada pela Academia Real das Sciencias de Lisboa.

Destaque também para a obra de Emanuele Tesauro, Il cannocchiale aristotelico, que interpretou a poética de Aristóteles nesse livro publicado em 1675 com vinheta na página de rosto, capitais ornamentadas e encadernação em velino; e para o exemplar da Opere di Niccolò Machiavelli cittadino e segretario fiorentin, impressa em Genova, publicada em 1798 em cinco volumes e ilustrado com um retrato do autor.

Vale a pena citar ainda a crônica escrita pelo historiador italiano Giovanni Villani, La prima seconda parte delle historie vniversali de svoi tempi di Giouan Villani cittadino fiorentino, impressa em Veneza, publicada em 1559 em dois volumes; trata-se de uma história universal da Florença dos tempos antigos. A obra é uma fonte importante para a história da Itália medieval.

Para concluir, relacionamos alguns periódicos raros como o jornal literário O Patriota, primeira revista do Rio de Janeiro (1813-1814) e segunda do Brasil, composta na primeira tipografia oficial brasileira, a Impressão Régia, e cujo redator principal foi Manuel Ferreira de Araújo Guimarães; e almanaques e revistas, contendo trabalhos inéditos relativos à história e à geografia, como os que foram publicados, por exemplo, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

A á rea de Coleções Especiais da Biblioteca Central da Unicamp tem a preocupação de preservar e de não descaracterizar a Coleção Sérgio Buarque de Holanda; portanto, as únicas incorporações de obras ao acervo são reedições, traduções, livros e recortes de jornais de ou sobre o historiador.

Todo o acervo bibliográfico foi higienizado e processado tecnicamente conforme padrões biblioteconômicos adotados pelo Sistema de Bibliotecas da Unicamp e está disponível para consulta local a toda a comunidade e acessível para pesquisa on-line na base de dados bibliográfica Acervus, da Unicamp.

O desenvolvimento da área de Coleções Especiais da Biblioteca Central Cesar Lattes tem sido feito através da aquisição de bibliotecas particulares de personalidades como Sérgio Buarque de Holanda, que se dedicaram a estudar a história e a cultura brasileira e contribuíram para o desenvolvimento e mudanças do panorama cultural de nosso país. O conjunto desses acervos torna a universidade um centro de referência para a pesquisa em diversas áreas do conhecimento.

Tereza Cristina de Carvalho e Marta Regina do Val são bibliotecárias da Diretoria de Coleções Especiais e Obras Raras da Biblioteca Central Cesar Lattes da Unicamp.