10/02/2016
Cada vez mais a tecnologia deixa de estar restrita a laboratórios e indústrias e passa a fazer parte do cotidiano. Neste contexto, emergem questionamentos sobre a forma como temos interagido com elas. Até que ponto sua onipresença tem moldado o comportamento humano? Ou como ela tem nos condicionado a uma vida sem sentido, animada unicamente pelo entretenimento (ou alienamento) contínuo de suas telas ubíquas? Quais são os efeitos colaterais dessa intrínseca ligação da tecnologia à vida das pessoas?
É nesse cenário que a série Black Mirror se insere, abordando a sociedade em rede e os obscuros efeitos colaterais das relações cada vez mais imbricadas entre o homem e as tecnologias. Criada por Charlie Brooker, a série, que estreou na Inglaterra em 2012, conta com apenas sete episódios, divididos em duas temporadas e um especial de Natal exibido em 2014. Contudo, tamanha foi a repercussão dessa inquietante saga, que a NetFlix já anunciou que estará por trás da produção da terceira temporada, que contará com 12 episódios, com estreia prevista para esse ano.
Com um tom perturbador e ambientada em realidades paralelas ou futuros alternativos, a série apresenta episódios independentes entre si, isso é, histórias distintas, com elenco e sets diferentes. O que se mantém constante é a reflexão sobre o papel da ubiquidade das tecnologias midiáticas, a problematização da forma como vivemos agora e como estaremos num futuro distópico se esse vínculo com a tecnologia permanecer.
O espelho negro que dá nome à série faz alusão aos obscuros reflexos da onipresença das telas, sejam móveis (tablets, smartphones, iPods etc.) ou “fixas” (monitores, vídeos de câmeras de segurança, televisores etc.), no cotidiano. Assim, tendo como fio condutor essa temática, Black Mirror mostra, de um modo um tanto quanto impactante e com metáforas geniais, as imperfeições mais tétricas das pessoas imersas no contexto da manipulação midiática, do vício em dispositivos eletrônicos e da “tecno-paranoia”, expondo uma humanidade psicologicamente fragilizada devido à submissa ligação com essas tecnologias.
Problemáticas como a superexposição descontrolada da vida pessoal, a manipulação da mídia, hyperização e viralização de assuntos diversos, pessoas conectadas o tempo todo, relações restritas à internet, telas onipresentes, sexo e poder na internet, moral e inversão de valores, obsessão digital, estupidez coletiva e espetacularização da crueldade, entre outras, são metaforizadas e maximizadas nas narrativas. Cenários distópicos onde ocorre a perda da humanidade são elucidados, com contos que amplificam essa era em que vivemos, em que até a noção de valor parece se perder em um oceano de informações que nos afoga cotidianamente.
Apesar de se tratar de histórias embaladas em realidades alternativas ou futuros distópicos, Black Mirror, na verdade, conta com narrativas que tocam em problemas bem atuais, caracterizando-se mais como uma incontestável crítica do cotidiano do que simplesmente como um conjunto de crônicas sobre futuros hipotéticos. Assim, confrontando-nos com as vertentes mais obscuras da ubiquidade tecnológica em nossas vidas, e colocando os problemas da era digital como protagonistas, a série se materializa em uma verdadeira obra de reflexão crítica sobre o comportamento humano contemporâneo, nos fazendo pensar sobre o rumo das relações interpessoais diante da atual dependência e mau uso da tecnologia.
Um aviso às pessoas sensíveis que buscam finais felizes: aqui cada episódio é um perturbador soco no estômago, e em nenhum deles a felicidade reina – sempre a mosquinha da reflexão está presente, inquietando-nos sobre nossa fragilidade diante da ubiquidade tecnológica.
Black Mirror
Criador: Charlie Brooker
Ano: 2011
Netflix
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