10/04/2012
O mundo se restringe à Europa e aos países por ela colonizados? Para o antropólogo britânico Jack Goody, apesar de concretamente sabermos que não é bem assim (o mundo é muito mais do que o continente europeu), no imaginário da maioria dos ocidentais a resposta para essa questão seria, no máximo, um “talvez”. Assim, se tivéssemos considerado os fatospara os quais o autor chama atenção em O roubo da história, não nos espantaria o desenvolvimento aparentemente inexplicável da China nos anos recentes.
Para Goody, a Europa teria não apenas negligenciado ou representado mal a história das demais partes do mundo e, em consequência, interpretado equivocadamente sua própria história, mas também teria imposto seus conceitos e períodos históricos, comprometendo nossa compreensão da Ásia de uma forma significativa, tanto para o futuro quanto para o passado.
Pesquisador erudito, Jack Goody é professor emérito na Universidade de Cambridge e sua obra é bastante reconhecida academicamente. Ao longo dos últimos cinquenta anos seus escritos são marcados por intersecções entre a antropologia, a história e os estudos sociais e culturais, perpassando por temas tão variados como a religião, a família, o feminismo, a cultura das flores, a culinária, a alfabetização e escrita em diferentes sociedades, além do contraste entre a cultura ocidental e oriental. Lançado na Inglaterra em 2006 e no Brasil em 2008, seu livro O roubo da história (Contexto, 2008) pode ser apontado como uma síntese e revisão de suas pesquisas e pensamento.
Em sua argumentação Goody não trata apenas de invenções como os clássicos pólvora, bússola, papel ou macarrão, mas também de sistemas, como democracia e capitalismo, e de valores como individualismo, liberdade, racionalidade e amor. Fazendo o que chama de uma abordagem antropológica da história moderna, ele aponta que os ocidentais, ao se apropriarem de tudo, não dão o devido crédito aos criadores – o que chama de “roubo” da narrativa da história mundial. Não desconsiderando que houve muitas conquistas europeias recentemente, ele enfatiza que boa parte delas foi copiada de outras culturas urbanas como a chinesa.
Ao criticar o olhar centrado no Ocidente, reconhece que a história da Europa pode ser única, mas alerta que é preciso questionar em que sentido e em relação a quê ela é única. Apenas a célebre afirmação “somos diferentes” torna-se, assim, pouco explicativa.
Para sustentar sua argumentação, o autor recorre a pesquisas feitas na Ásia e na África. Pensadores clássicos como Karl Marx, os sociólogos Max Weber e Nobert Elias e os historiadores Fernand Braudel, Moses Finley e Perry Anderson, são criticados por ele, que os acusa de omitirem as conquistas do Oriente em seus escritos. Segundo o professor da Universidade de Cambridge, esses intelectuais tropeçariam sempre em seu conhecimento limitado de outros povos e de nossas origens.
A sociologia e a história do Oriente e do Ocidente, defende o antropólogo britânico, necessitam ser entendidas como variações uma da outra. Entretanto, enquanto o Ocidente tem sido apresentado como dinâmico, caracterizado pelo crescimento do capitalismo, o Oriente aparece marcado pelo imobilismo, pelo despotismo e pelo excepcionalismo. “Diferenças certamente existem. Mas o que se requer é uma comparação mais cuidadosa, não um contraste grosseiro entre Ocidente e Oriente, que acaba sempre favorecendo o primeiro”, argumenta o autor.
Seria necessário, de acordo com a obra, compreendermos o desenvolvimento da humanidade em um quadro mais amplo, como algo que ocorreu com interações entre Ocidente e Oriente e não em termos de uma sequência de eventos apenas europeus.
A noção de divergência radical entre Europa e Ásia teria origem no final do século XVIII, com a Revolução Industrial, quando a Europa passou a dominar o quadro econômico mundial. Nesse contexto, o etnocentrismo assumiria um aspecto mais agressivo: “outra raça” passa a ser automaticamente “raça inferior”, criando-se pseudo-justificativas para explicar por que as coisas deviam ser vistas assim.
O mais grave disso tudo, segundo o autor do livro, é que tais crenças seriam usadas para justificar o modo como os “outros” são tratados – sempre vistos como carentes de alguma característica, estáticos, incapazes de mudança sem ajuda de fora.
“A China parece estar tomando a liderança na economia, que pode ser a base do poder educacional, militar e cultural, como aconteceu antes na Europa, e depois nos EUA e mesmo na própria China ainda mais cedo. Essa mudança recente foi liderada por um governo comunista, sem muita ajuda deliberada do Ocidente”, exemplifica o estudioso que também acredita que qualquer superioridade é um fator temporário.
Com conclusões polêmicas, mesmo que se venha a discordar de alguns de seus pontos de vista ou opiniões, não se pode negar as contribuições da obra de Goody, principalmente no que diz respeito a entender o globalizado mundo de hoje de um ângulo que não seja o do meramente econômico.
O roubo da história mostra-se como uma rica leitura não apenas para historiadores, antropólogos, sociólogos e jornalistas, mas para todos que queiram pensar o desenvolvimento da humanidade de uma maneira menos linear e mais dinâmica.
Serviço: GOODY, Jack. O roubo da história. 1º ed. São Paulo: Contexto, 346p. 2008.
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