Apesar dos anúncios de melhorias na maioria dos indicadores
sociais brasileiros nessa primeira década do século XXI, o déficit habitacional
ainda persiste como um problema de grandes proporções no país. Segundo dados
divulgados este ano pelo Ministério das Cidades, para superar esse déficit, é
necessário construir ou reformar substancialmente cerca de 5,8 milhões de
domicílios no Brasil. As universidades têm dado sua parcela de contribuição criando
soluções voltadas para o desenvolvimento de novas tecnologias e técnicas de
construção e para a avaliação da qualidade das moradias.
A metodologia para calcular o déficit habitacional no país
foi criada pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o Ministério das
Cidades, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio do Programa
Habitar/Brasil/BID. Os dados utilizados no levantamento são fornecidos pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE).
Segundo o método, é considerado déficit habitacional
moradias que devem ser construídas para repor os domicílios existentes que não
apresentam as condições de segurança indispensáveis a seus moradores, como
barracos de favelas vulneráveis a incêndios que podem se alastrar rapidamente.
Também entram no cálculo habitações voltadas para famílias que não têm um
domicílio para uso privado, além de componentes como a coabitação e os
domicílios rústicos ou improvisados.
A construção de novas unidades, através de programas sociais
como o “Minha casa, minha vida”, do governo federal, ou “A casa é sua”, do
governo paulista, contribui para a diminuição do problema, mas dificilmente irá
solucioná-lo. “Eu entendo que as estratégias para diminuir o déficit
habitacional devem estar atreladas a outras medidas que procurem
simultaneamente gerar empregos e renda às famílias carentes”, afirma Silvana
Aparecida Alves, professora do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e
Paisagem da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Segunda a especialista,
mesmo programas como o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), também do governo
federal, que compreende todos os programas de habitação da esfera federal, têm
que estar vinculados a políticas públicas que visam a criação de novos
empregos.
Os programas habitacionais são dirigidos, principalmente, à
população de baixa renda. Sem acesso aos empregos, os beneficiados deixam de pagar
as prestações das moradias. “Esse é um dos principais problemas das famílias
com renda abaixo de três salários mínimos. O problema é histórico, vem desde o
período do BNH (Banco Nacional da Habitação, extinto em 1986) e se perpetua até
os dias de hoje”, analisa a pesquisadora.
As universidades do país têm contribuído com estudos
voltados para minimizar esse problema. As duas principais linhas de pesquisas
na área são as destinadas para o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias
para a construção e as direcionadas para questões de avaliação pós-ocupação,
conforto ambiental e percepção ambiental dos moradores.
A primeira linha pesquisa novos materiais e sistemas
construtivos para uso na construção civil, visando utilizar materiais que
reduzam custos e desperdícios no canteiro de obras, racionalizando a construção
das moradias. A segunda linha analisa as necessidades e expectativas dos
moradores. Com os dados, os pesquisadores podem propor novas estratégias de
intervenção ou projetos novos. As duas linhas de pesquisa se complementam,
procurando melhorar a qualidade espacial, técnico-funcional e construtiva das
moradias.
Um exemplo da linha que analisa as necessidades dos
moradores é uma pesquisa realizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS),
pela Fundação de Economia e Estatística, que avaliou o impacto das políticas
públicas voltadas para questões habitacionais. Segundo as conclusões do estudo,
uma política habitacional eficiente precisa focar na regularização fundiária – retirar
a área em questão da clandestinidade, promovendo a inclusão legal do território
– e envolver a participação comunitária nas decisões e definições dos programas
que serão desenvolvidos. Outro dado interessante apontado na pesquisa é a
preocupação com o empoderamento da mulher. Segundo o estudo, a inclusão das
mulheres nos processos de regularização fundiária pode levar a resultados mais
satisfatórios, inclusive posteriormente, em relação ao uso dos espaços
coletivos, segurança e convívio social.
As universidades também desenvolvem inúmeros estudos
voltados para novas tecnologias. Materiais que reduzem o custo das construções
e ainda colaboram com a questão ambiental já foram tema de matérias publicadas
na revista ComCiência, como a que trata de pesquisa realizada na Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), a qual desenvolveu painéis de concreto e
garrafas PET para serem utilizadas em casas pré-fabricadas. Outra experiência
dessa mesma universidade, também relatada pela ComCiência, procurou
industrializar a construção de casas de madeiras barateando os custos de
produção, com a utilização de madeira de reflorestamento. A universalização das técnicas desenvolvidas, porém, não é
imediata ou direta. Segundo a professora da Unesp, nem todos os estudos realizados
nas universidades brasileiras podem ser aplicados em larga escala, pois é
necessário avaliar as condições ambientais e a disponibilidade dos materiais em
cada localidade. “Além disso, devem-se considerar as diferenças climáticas de
cada região do país e, mais especificamente, de cada local para empregar
materiais adaptáveis às variáveis climáticas. Por isso, as pesquisas sobre conforto
ambiental, sobretudo o conforto térmico, são importantes para indicar os
materiais mais apropriados para cada lugar”, explica a pesquisadora.
A construção de moradias sociais, por menor que seja seu
custo, não precisa ser sinônimo de casas desconfortáveis. O estudo das
propriedades térmicas dos materiais que são utilizados nas casas, sua inércia
térmica (taxa de transferências de calor entre os materiais) e o desempenho que
a edificação poderá oferecer podem contribuir para a melhora do conforto térmico,
por exemplo. Silvana Alves relata que algumas pesquisas apontam que a adoção de
determinados critérios no projeto, visando otimizar o conforto térmico, não só
podem como devem ser empregados. Essas medidas, segundo ela, não implicam em
aumento de custos durante a obra e resultam em conforto para os moradores. “A
investigação para reduzir custos durante a construção da edificação deve
preocupar-se também com a adaptação climática, como forma de reduzir o consumo
de energia em fase pós-ocupação.”, ressalta Alves.
A construção de moradias de interesse social com custo
reduzido e maior conforto traz benefícios não apenas à população que necessita
dos imóveis, mas também à iniciativa privada, mais especificamente à cadeia
produtiva da construção civil, que se beneficia da expansão do crédito
imobiliário e dos programas de incentivo à construção de moradias populares,
como o do governo federal e o da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano (CDHU), do governo paulista. Mas como reconhece o próprio poder público,
ainda há um longo caminho a percorrer na redução do déficit habitacional. E a
contribuição acadêmica para isso continuará a ser bem vinda.
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