Controlar o maior volume de vôos da América Latina, cerca de 70 mil por
mês, numa área de 22 milhões de quilômetros quadrados: essa é a
dimensão do problema que deve ser solucionado pelo sistema de controle
do espaço aéreo brasileiro. Nos últimos meses, que mostraram que a
solução não é nada trivial, instalou-se no país uma crise
sem precedentes nesse setor. Vôos cancelados, passageiros aglomerados
em saguões de aeroportos, denúncias, declarações polêmicas e propostas
de possíveis soluções rechearam as páginas de jornais nesse período.
Independentemente das causas dessa crise, que continua sendo discutida
na mídia, vale perguntar: Como é feito o controle do tráfego aéreo no
Brasil?
Em
um aeroporto, o controle de tráfego aéreo é realizado pela torre de
controle. A partir dela são controlados desde pousos e decolagens até a
circulação no solo de veículos e pessoas nas áreas de manobras e
circulação, num raio de alcance de 10 km. Os controladores de tráfego
aéreo são os profissionais que fornecem indicações e autorizações de
vôo, a partir de dados obtidos por radares e dos equipamentos de
auxílio à navegação, dos dados meteorológicos e do tratamento dessas
informações. As indicações podem estar relacionadas à rota, altitude ou
velocidade propostas pelo operador da aeronave, dentre outros itens. A
torre de controle reúne os profissionais e equipamentos responsáveis
pela zona de tráfego do aeródromo, que é o espaço que inclui e circunda
um aeroporto. Nesse órgão, o trabalho está dividido em posições
operacionais, tais como controle de solo, autorização de plano de vôo e
torre.
Para o controle das aeronaves que estão decolando ou pousando em uma
área de raio equivalente a 100 Km, incluindo várias torres, o
monitoramento é feito pelos Centros de Controle de Aproximação. Já os
Centros de Controle de Área são responsáveis por regiões maiores, que
formam poligonais, dividindo o país em cinco grandes áreas. Essas
regiões de controle têm tamanhos e características diversas, e a troca
de informações entre os órgãos de controle para transferir as aeronaves
entre cada uma dessas regiões é fundamental para o funcionamento do
sistema.
Centrais de controle
Existem
no Brasil quatro grandes centros de controle ou Centros Integrados de
Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo (Cindacta), que interagem para
vigiar e controlar a circulação aérea geral. Em 1973, foi criado em
Brasília o Cindacta I para gerenciar os vôos na capital federal, Belo
Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Com o crescimento do tráfego
aéreo, foram implantados posteriormente o Cindacta 2 (Curitiba),
Cindacta 3 (Recife) e Cindacta 4 (Manaus). Toda essa divisão do espaço
aéreo e as respectivas atribuições de responsabilidade são feitas e
divulgadas pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), órgão
da Força Aérea Brasileira (FAB). A legislação brasileira, bem como os
procedimentos adotados, usam como referência as normas e recomendações
da Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci). "O Brasil faz
parte do grupo 01 da Oaci desde a sua fundação, em 1944, o que
significa que o país participa ativamente da proposição de novas regras
para a aviação mundial", explica o major-brigadeiro-do-ar Ramon Borges
Cardoso, vice-diretor do Decea.
De
forma geral, o controle do tráfego aéreo depende de um conjunto de
sistemas interligados. O sistema de auxílios à navegação aérea e pouso
é constituído de vários equipamentos instalados ao longo das rotas e
nos aeroportos. Já o sistema de meteorologia é constituído por
receptores de imagem de satélite, sensores receptores de temperatura,
pressão e umidade do ar atmosférico superior e de superfície. O sistema
de processamento de dados, por sua vez, é uma operação estendida dos
radares e gera informações que são processadas e transformadas da forma
digital para a forma alfanumérica, a fim de que possam ser apresentadas
ao Centro de Controle de Tráfego Aéreo e de Defesa Aérea. Os
computadores realizam, entre outras tarefas, o processamento dos planos
de vôo; tratamento de radar; tratamento de defesa aérea e visualização
de radar. O sistema de telecomunicações do controle de espaço aéreo é
composto por equipamentos de comunicação via rádio, satélite, fibras
ópticas, equipamentos de telefonia, roteadores e redes de computadores
e canais de comunicação alugados de concessionárias de
telecomunicações. Segundo a FAB, essa rede está estruturada para ser
"redundante" e diminuir a possibilidade de problemas ou falhas. "A
comunicação é o elemento fundamental para um controle aéreo eficiente",
diz o major brigadeiro Ramon, "seja ela por dados ou por voz, como no
VHF".
A
rede de comunicação divide-se em comunicações móveis para interligar
controladores e pilotos, e fixas, entre controladores, mas abrangendo
também órgãos de outros países, para troca de informações operacionais.
O Serviço Móvel Aeronáutico (SMA) possui aproximadamente 4.400 estações
de comunicação-rádio distribuídas pelo território nacional, que operam
em diferentes faixas de freqüência. Já o Serviço Fixo Aeronáutico (SFA)
é realizado por meio de redes de comunicação por telefonia e possui
ramais telefônicos que permitem comunicações operacionais imediatas, em
alguns casos. As redes internacionais que integram o sistema fazem
parte da Rede de Telecomunicações Fixas Aeronáuticas (AFTN) e é
fundamental para a troca de mensagens operacionais sobre condições
meteorológicas, condições de operação de aeródromos, ou coordenação de
tráfego entre centros de controle.
Gestão do espaço aéreo O
controle do espaço aéreo do país é um sistema integrado gerido pela
aeronáutica. Segundo informações da FAB, na década de 70, quando foram
implantados os primeiros radares, o país não dispunha de recursos para
montar dois sistemas de aviação, um civil e outro militar. Optou-se na
ocasião por um sistema integrado de informações e diferenciado de
funções, ou seja, apesar de haver uma parte civil, a estrutura é toda
militar e os controladores civis devem respeitar as normas
estabelecidas pelo comando da aeronáutica, sem direito a greves, por
exemplo. No entanto, em virtude da crise aérea brasileira discute-se a
possibilidade de essa função ser dividida entre o comando da
aeronáutica e um órgão civil.
Para
o major brigadeiro Ramon, dividir o controle aéreo entre órgãos
militares e civis é mais dispendioso e opõe-se a um movimento
internacional de tornar todo o controle militar. Apesar deste ponto de
vista, a questão divide opiniões na medida em que, no final de 2006, em
virtude da crise aérea brasileira, foi entregue ao presidente Lula uma
proposta de desmilitarização
do controle aéreo. A proposta de mudança desse setor no país ainda
inclui a reformulação das carreiras e remunerações relacionadas ao
controle do espaço aéreo, além da revisão das normas que tratam das
destinações das tarifas aeronáuticas e aeroportuárias pagas pelas
empresas e passageiros.
Tecnologia e segurança seguem padrões internacionais
Atualmente,
todo o espaço aéreo sob responsabilidade do Brasil tem cobertura por
radar e, segundo a FAB, o país poderia ter seu tráfego aéreo controlado
por meio apenas de comunicações via rádio, sem prejuízo à segurança de
vôo. Os radares são utilizados (além da vigilância do espaço realizada
pela defesa aérea) para permitir que o sistema possa diminuir o
espaçamento entre as aeronaves e controlar mais vôos no mesmo espaço
aéreo. A distância que as aeronaves devem manter entre si depende não
apenas de suas características, mas das regiões nas quais circulam. No
entanto, a partir de 2005, quando se iniciaram mudanças no sistema de
aviação, essa distância foi reduzida de 600 metros para 300 metros, o
que permitiu, por exemplo, a circulação de quatro aeronaves no corredor
Brasil-Europa onde antes viajava apenas uma.
Segundo
o Major Brigadeiro Ramon, abaixo de 3 mil metros, em determinadas áreas
do interior do país, a detecção de radar é limitada ou nula, por isso o
controle aéreo é realizado por cobertura via rádio VHF, UHF e HF (para
longas distâncias e áreas oceânicas). A FAB julga a comunicação por
rádio entre controladores e pilotos suficiente para segurança do
tráfego aéreo dessas aéreas, e o acompanhamento das aeronaves por meio
de fichas de progressão de vôo (strips), pois o fluxo desse tráfego é
menos significativo. O major brigadeiro Ramon afirma ainda que para
cobrir altitudes de 3 mil metros seriam necessários 680 radares em
lugar dos 70 existentes no país. "Isso seria muito oneroso porque cada
radar representa um gasto de US$ 20 milhões com infra-estrutura,
equipamentos e manutenção, sem contar as despesas de pessoal. Deveria
haver aproximadamente 30 pessoas em cada local", diz ele.
O Decea, no seu planejamento a longo prazo, busca estabelecer uma
cobertura de radares que tenha esse alcance, em todas as aerovias
brasileiras. Por enquanto, a estratégia utilizada é implantar radares
fixos nas principais cidades brasileiras e utilizar radares
transportáveis para cobrir as áreas de interesse operacional. Além
disso, são utilizadas aeronaves de controle e alarme aéreo (R-99) para
a detecção e vigilância de vôos a baixa altitude, como elemento
surpresa da vigilância do espaço aéreo. "Essa estratégia é a adotada
por todos os países devido ao elevado custo para recobrir todo o
território com radares de detecção de aeronaves a baixa altitude"
explica o Brigadeiro.
De acordo com a FAB, os índices de segurança observados no Brasil estão
próximos dos padrões de primeiro mundo. Para Marcos José Mahler de
Araújo, líder de projetos da empresa brasileira produtora de softwares
para aviação Atech, "esse é o indicativo mais contundente de que nossos
serviços e sistemas têm uma qualidade próxima daquela existente nesses
países". Na área de pesquisa acadêmica, existe hoje um grande número de
pesquisadores e docentes em universidades como a Universidade de São
Paulo (USP) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) que têm se
dedicado a desenvolver conhecimento nessa área. Os resultados dessas
buscas estão começando a aparecer e a ganhar projeção internacional.
Normalmente
os equipamentos têm redundâncias e raramente uma falha chega a causar
dano à operacionalidade do sistema. Existem procedimentos de
contingência prevendo as mais variadas situações e que são adotados
sempre que uma situação comprometa ou possa vir a comprometer o nível
de segurança do serviço prestado. Caso isso aconteça, reduz-se a
capacidade do sistema, pois a tendência é que se trabalhe cada vez mais
com uma separação maior entre as aeronaves. No limite, pode-se chegar a
uma parada total do serviço, com interrupção do tráfego, mas esse tipo
de ocorrência é extremamente raro, segundo os especialistas.
Para identificar problemas e propor soluções em casos de incidentes
aéreos, realiza-se uma investigação e produz-se um Relatório de
Incidente de Tráfego Aéreo (Ricea). Quando há um reporte são iniciados
procedimentos de análise, utilizando relatos dos envolvidos e a
gravação de todas as comunicações e visualização de dados tramitados na
prestação do serviço de tráfego aéreo. O principal produto do Ricea são
as recomendações de segurança extraídas. Além disso, a análise de
diferentes relatórios serve para que a administração identifique pontos
que deverão ser priorizados em seu planejamento.
Controle aéreo em evolução
No começo dos anos 80, a Organização de Aviação Civil Internacional
(Oaci) reconheceu que as limitações dos sistemas atuais de navegação
aérea estavam crescendo de maneira significativa e que seria necessário
introduzir melhorias para sustentar a aviação civil do século 21. Em
1983, foi instituído o comitê especial, denominado Sistemas Futuros de
Navegação Aérea (Fans), ao qual foi confiada a tarefa de estudar,
identificar, analisar e avaliar novos conceitos e novas técnicas sobre
o assunto e apresentar recomendações para o desenvolvimento progressivo
e coordenado da navegação aérea.
O
Comitê Fans executou sua primeira tarefa em 1988, elaborando a
concepção de sistemas de comunicações, navegação e vigilância (CNS),
baseada, principalmente, em satélites, destinados a suportar e a
propiciar a implementação de novos conceitos, abrangendo a gerência do
tráfego aéreo (ATM). O sistema CNS/ATM, quando for totalmente
implantado, deverá oferecer uma precisão maior com relação à previsão
do ponto onde uma aeronave se localiza no espaço aéreo. "O sistema
vigente já está em obsolência", afirma o major brigadeiro Ramon. "Com o
CNS/ATM, uma aeronave estará efetivamente a até 0,3 milhas de distância
do ponto previsto pelos equipamentos durante 95% do tempo de vôo,
número bastante inferior às atuais 4 milhas de raio de
previsibilidade", diz.
Ciente
do fato de que um alto grau de cooperação internacional seria
necessário, envolvendo os administradores da aviação civil, as
organizações internacionais, os prestadores de serviços e os usuários,
a Oaci estabeleceu um novo comitê especial, encarregado de desenvolver
um plano mundial coordenado que disciplinasse a sua implementação. O
plano foi concluído e produziu diretrizes de transição, incluindo as
recomendações necessárias para garantir que os sistemas CNS/ATM
concebidos pela Oaci fossem implementados de uma maneira progressiva. A
concepção preconizada pela Oaci inclui tecnologia de satélites e
elementos dos sistemas de alcance óticos, instalados em terra. Para
Araújo, "o problema básico do controle de tráfego aéreo é a limitação
de espaço e a necessidade de um nível satisfatório de segurança". Com
as tecnologias disponíveis hoje, consegue-se prestar esse serviço para
um certo nível de demanda. O aumento dessa capacidade depende de uma
evolução correspondente da tecnologia que permita garantir os mesmos
níveis de segurança com a demanda maior. "O CNS/ATM tem permitido
grandes avanços nesse sentido", diz o líder de projetos da Atech.
Os elementos essenciais dos novos sistemas CNS/ATM estão detalhados no site da FAB. A implementação do novo sistema foi dividida em três fases, sendo que a primeira já foi realizada e vigora desde 2005.
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