Divulgação científica. Em torno desta expressão movimentam-se coisas muito distintas. Associada durante muito tempo à ignorância da população sobre as questões relacionadas às ciências, a divulgação científica ganhou conotação de alfabetização e popularização e conferiu poder a um modelo de produção e circulação do conhecimento conhecido como déficit model, amplamente criticado por sociólogos e filósofos da ciência como inglês Bryan Wynne, o norte-americano Stephen Turner e o francês Jacques Testart, que identificam, nesse modelo, problemas para a democratização das decisões ligadas às ciências e tecnologias.
Entretanto, como mostra o professor Carlos Vogt, coordenador do Labjor e editor-chefe da ComCiência, na entrevista que abre esta edição comemorativa, o conceito de divulgação científica foi se transformando: de uma noção centrada apenas no acesso à informação, para uma divulgação que privilegia a formação do cidadão: “no sentido que ele possa ter opiniões e uma crítica de todo processo envolvido na produção do conhecimento científico com sua circulação e assim por diante. Esse é um conceito relacionado à cultura científica que modifica os modos de fazer e pensar a própria divulgação”, analisa Vogt.
A busca por uma transformação dos sentidos da expressão divulgação científica, pelos estudiosos da área, faz lembrar da idéia de “infância da língua” de Manoel de Barros. Um poeta que brinca com as possibilidades das palavras, expressões e conceitos, ficarem livres de gramáticas, livres das raízes que fixam significações, atingindo o momento em que a água ainda não era a palavra água, e a pedra não era a palavra pedra. Diz o poeta: “Podia dar às pedras costumes de flor. Podia dar ao canto formato de sol. E se quisesse caber em uma abelha, era só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela. Como se fosse infância da língua”, em “Canção do ver”.
Dar às pedras costumes de flor, dar à divulgação científica costumes de formação. Ao lançar a divulgação científica numa espiral em que cultura, educação, conhecimento e arte estão envolvidos, Vogt faz com que o ato de divulgar constitua-se como laboratório de formação. Um espaço-tempo de experimentação infinita com as ciências (e não sobre as ciências ou para as ciências), como sugere o próprio nome escolhido para a revista ComCiência. Essa aposta atravessa as atividades de pesquisa, ensino e extensão que o Labjor desenvolve desde seu surgimento. Uma formação que não se reduz aos cursos oferecidos de especialização e mestrado (leia mais ao final sobre os cursos), mas que envolve um complexo de produção e a circulação do conhecimento, num laboratório em que uma pluralidade de aspectos das relações entre ciência, tecnologia e sociedade são experimentados por equipes multidisciplinares, de diversas instituições, aglutinadas em projetos que permitem repensar e recriar a própria formação.
Divulgar: além da informação, além da ciência
O filósofo argentino Eduardo Pellejero, que atualmente é pesquisador na Universidade de Lisboa, Portugal, em palestra proferida em junho de 2008 na disciplina Seminários de Ciência e Cultura, ministrada pelo professor Carlos Vogt para a turma de especialização em jornalismo científico do Labjor, falou das possibilidades da divulgação científica ir “além da ciência, além da informação”. O “além” nietzschiano, que o filósofo clama, envolveria um levar “a ciência além da determinação política do saber e da comunicação”: complicar a realidade; desmantelar a idéia de funcionamento universal; aliar ciência, erudição, arte com aquilo que não tem voz; ir ao encontro dos lugares de atrito, não para confrontar, mas para colocar novas questões, criar algo que vai além do conhecimento já estabelecido.
O ato de divulgar, pensado como um levar a ciência e a informação além dos limites, envolveria uma criação, na qual não está em jogo uma mera tradução do conhecimento científico, ou das técnicas jornalísticas em textos, mas um pensar sobre a prática da escrita, um criar na escrita e com a escrita. “Onde o próprio escritor se pergunta sobre: O que escrever? Como escrever? Por que escrever? Quando escrever? A escrita consegue jogar nos limites e colocar os conceitos em crise. Como o conceito de vida, que joga com todas as disciplinas, e a vida foge, escoa e nasce a potência da criação, do pensamento”, conclui o filósofo.
Universidades ampliam espaços de formação
Nos últimos dez anos, cursos foram criados no Brasil com o intuito de contribuir com a formação dos profissionais que atuam na divulgação de ciência. Hoje, boa parte dessa formação é realizada na pós-graduação, seja lato sensu (especialização) ou stricto sensu (mestrado e doutorado), e já conta com a participação de importantes universidades públicas brasileiras.
Osmir Nunes, coordenador do Núcleo José Reis de Jornalismo Científico (NJR) da Universidade de São Paulo (USP) sinaliza que a procura por cursos que preparam o indivíduo para a divulgação científica tem aumentado e muito, não só porque o momento atual traz essa demanda, mas também porque a divulgação científica está começando a constituir uma das chamadas “carreiras do futuro”. O NJR oferece curso de pós-graduação lato sensu em jornalismo científico desde 1992. Ainda segundo ele, “diante das inovações tecnológicas e das transformações cada dia mais velozes, o divulgador científico tem muita responsabilidade: mostrar à sociedade o que a ciência tem produzido, com critério e ética, para ajudar na constituição de uma política científica que inclua interesses de todos os cidadãos brasileiros”.
Outra instituição que percebeu a importância e a necessidade da divulgação científica na atualidade foi o Laboratório Aberto de Interatividade para a Disseminação do Conhecimento Científico e Tecnológico – LAbI da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Adilson de Oliveira, coordenador do laboratório afirma que a formação nessa área deve direcionar os profissionais para diferenciar-se da forma de divulgação da ciência que já é realizada pela mídia de massa. “Não basta escrever sobre ciência, é preciso deixar claro a relevância do tema para a população e seu impacto na vida direta das pessoas”, diz ele. O LAbI da UFSCar, oferece curso de especialização em divulgação científica desde 2006.
A maior parte das decisões públicas, atualmente, envolve assuntos científicos complexos e polêmicos. Informações amplas sobre C&T são consideradas fundamentais para ampliar a compreensão e o acesso à ciência, bem como para propiciar mais participação da população na tomada de decisões e na formulação de políticas públicas. É com esse direcionamento que o Labjor criou, em 1999, o curso especialização lato sensu em jornalismo científico e, no ano passado, abriu o mestrado em divulgação científica e cultural. No ano que vem o Labjor oferecerá o curso de especialização em divulgação científica em saúde: neurociências. Além do curso, os alunos têm a oportunidade ainda de participar da produção das revistas ComCiência e Ciência & Cultura, bem como dos outros projetos desenvolvidos no Labjor.
Entre as universidades privadas do país, destaca-se no campo da divulgação científica a Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), pioneira em pós-graduação stricto sensu em jornalismo científico, há 30 anos com dissertações e teses na área, e que mantém o programa de pós-graduação em comunicação social. Para Wilson Bueno, jornalista e professor da Umesp, “a cobertura de ciência e tecnologia precisa ser problematizada, politizada, contextualizada”. Bueno, que escreveu a primeira tese de doutorado na área de divulgação científica e é o atual presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), acredita que “é preciso ter consciência da importância do processo de democratização do conhecimento e do papel do divulgador na alfabetização científica da população”.
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