Os desafios em relação à educação superior no Brasil são substanciais, tomando-se as metas do Plano Nacional da Educação 2014-2024. Neste texto, tento apontar como a avaliação pode nos auxiliar a ir além das questões de acesso a esse nível de ensino e a voltarmos os olhos para o sucesso, ou seja, a permanência e a efetiva conclusão.
Para começo de conversa, esse nível de ensino teve uma expansão significativa (Pedrosa et al., 2014). Só para citar alguns números dos últimos 20 anos, houve uma explosão de instituições (de 873, em 1993, para 2391, em 2013), de cursos de graduação (de 5.280 para 32.049), de matrículas (de 1,5 milhões para 7,3 milhões) e de funções docentes(1) (de 134 mil para 367 mil)(2). Em 2013, houve 2,7 milhões de ingressantes e cerca de 1 milhão de concluintes.
Chama a atenção também a diversificação do público que começou a ter acesso à educação superior, passando de um cenário de formação da elite para outro que abrange uma população mais ampla em termos de renda e cor/raça, embora de forma desigual. A maior diversidade é fruto da própria expansão do sistema, reforçada por políticas de ação afirmativa, que atingiram cerca de 9% do total de ingressantes em 2013 (Schwartzman, 2015b). E, em uma maior medida, pelas ações de financiamento público no sistema privado, tanto por meio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), que beneficiou 7,5% do total de estudantes em 2012, quanto por meio do Programa Universidade para Todos (Prouni), que beneficiou 6% do total de estudantes em 2012(3).
A expansão do ensino superior também foi seguida pela evolução da avaliação, que, em termos gerais, evoluiu muito nas últimas duas décadas no Brasil, a ponto de podermos, hoje, discutir os usos e abusos da avaliação (Schwartzman, 2013).
O levantamento de dados sobre o ensino superior, de forma sistemática e em base anual, remonta a 1956, e passou por uma grande transformação na década de 90, quando Paulo Renato de Souza estabeleceu um sistema amplo de informação estatística e mecanismos de avaliação no Ministério da Educação (Schwartzman, 2013). O sistema de avaliação passou por idas e vindas no governo Lula. Como resultado, contamos com um sistema com a dupla função de avaliar a qualidade da educação e de cuidar da acreditação das instituições e cursos. Para analisar e avaliar o nível superior é possível consultar as seguintes fontes de dados:
• estatísticas nacionais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e do Censo Demográfico do IBGE;
• Censo da Educação Superior do Inep/MEC(4);
• indicadores de qualidade sobre os cursos superiores (Conceito Preliminar de Curso), as instituições de educação superior (Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição) e o desempenho de estudantes a partir do conceito obtido a partir dos resultados o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade)(5).
O sistema de avaliação possui várias questões que precisam ainda ser resolvidas, como apresenta Schwartzman (2013), em relação à qualidade técnica de medidas, ao gigantismo burocrático, especialmente na função de acreditação, ao modelo único de qualidade baseado no formato de universidade de pesquisa e à dificuldade de usar os instrumentos para aperfeiçoar a educação. De toda a forma, o autor aponta que o país passou, nas últimas duas décadas, de um estágio de ignorância e negação sobre a péssima qualidade para um admirável novo mundo cheio de avaliações, índices e metas quantitativas, com riscos e armadilhas, o que resultou num conhecimento mais detalhado dos problemas e da necessidade de tornar a educação uma prioridade nacional.
Acredito que precisamos de mais estudos e avaliações, e não de menos. Além da avaliação do sistema, sob responsabilidade do MEC, é necessário produzir mais avaliações, tanto externas, feitas por pesquisadores, como de pesquisa institucional pelas próprias IES, especialmente se queremos usar os recursos de forma mais efetiva para, não só, incluir mais no ensino superior, como também concluir mais e empregar melhor depois.
Os recursos despendidos para financiar a educação superior vêm principalmente do setor público. Estima-se que o volume de recursos públicos de todos os entes federados destinados à educação superior chegou a 1% do PIB em 2011, seja diretamente ou via instituições privadas(6), o que corresponde à média de gastos dos países da OCDE no mesmo ano (1,1% do PIB) (OECD, 2014). Adicionalmente, os gastos privados das famílias com educação alcançaram 1,29% do PIB em 2009, sendo pelo menos 35,1% com educação superior, segundo estudo de Menezes-Filho e Nuñez (2012), o que seria um valor aproximado à média dos países da OCDE também. Desta forma, temos gastado um volume de recursos que não é baixo em termos internacionais, mas sem o retorno equivalente em termos de elevação da escolaridade da população, por exemplo.
A principal meta do PNE 2014-2024 em relação ao ensino superior trata do acesso: elevar a taxa bruta de matrícula para 50%, e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público (Brasil, 2014, s/p). Essa meta não sofreu grandes alterações em relação ao PNE anterior (Brasil, 2001), quando se estipulava uma taxa de matrícula líquida em pelo menos 30%. A taxa bruta de matrícula na educação superior em 2013 foi de 32,3%, e a taxa líquida 16,6%(7). Apesar do crescimento surpreendente do setor, os indicadores da meta são bastante ambiciosos, e precisamos de estudos para acompanhar o quadro, tendo em vista alguns fatores limitantes, tais como:
• a baixa escolaridade dos jovens de 18 a 24 e o atual gargalo do ensino médio (Andrade, 2012; Pedrosa et al., 2014), fatores formais que impedem o fluxo do número adequado para o crescimento da taxa líquida;
• a limitação da diversidade da oferta, especialmente de cursos sequenciais e de educação pós-secundária não universitária “que ofereçam ensino de qualidade e que atendam clientelas com demandas específicas de formação”, como preconizava o PNE 2001-2010;
• a atratividade da educação superior devido ao prêmio salarial por qualificação, que continua alto na comparação internacional, mas vem caindo (Pecora e Menezes-Filho, 2014; Schwartzman, 2015a);
• mudanças na estrutura do mercado de trabalho que podem não confirmar as promessas de uma maior necessidade de formação superior.
Entretanto, acredito que seja necessário atentar para a continuidade do processo, ou seja, a permanência e conclusão dos cursos de nível superior. Em relação à conclusão, o PNE 2014-2024 trouxe metas diferentes para as duas redes. A taxa de conclusão média nos cursos de graduação presenciais a ser alcançada ao fim do período deve ser de 90% nas universidades públicas(8) e 75% nas instituições privadas. A inclusão de uma meta sobre conclusão foi um avanço em relação ao PNE anterior, mas a situação não é boa. Atualmente, as taxas médias são de 41,7% nas IES públicas e de 36% nas IES privadas(9), o que mostra que, dos que conseguem acessar, a maioria fica pelo caminho.
Aqui há muito espaço para estudos e intervenções, em termos macro e micro. Do lado macro, é importante ter avaliações sistemáticas sobre as políticas de inclusão e de assistência estudantil nas instituições públicas e privadas, e de expansão do financiamento estudantil.
Do lado micro, as IES podem organizar estratégias para fomentar a permanência e a conclusão. Para isso, precisam responder questões como: qual o perfil socioeconômico e cultural dos estudantes que recebem? quais os motivos da evasão ou atraso na conclusão? quanto tempo levam para se graduar? Se a situação socioeconômica explica muito da evasão, há várias outras causas com as quais as instituições podem trabalhar, a exemplo das tutorias para lidar com dificuldades de adaptação. Isto pode ocorrer especialmente entre os que possuem uma ou mais destas características: têm mais de 25 anos, possuem dependentes ou trabalham. A combinação dessas características está presente em grande parte dos estudantes atuais.
Sabe-se que muitos dos que chegam não têm competências necessárias para esse nível de ensino devido à baixa qualidade da educação básica, mas é preciso lidar com essa situação e também investigar os outros fatores. Para isso, as IES podem usar os dados que já dispõem sobre o perfil socioeconômico e desempenho, no ingresso e durante o curso (Andrade e Dachs, 2007; Maia, Pinheiro e Pinheiro, 2009), o que pode ser complementado por surveys sobre a experiência da vida estudantil.
Nesse sentido, vale a citação de algumas experiências norte-americanas, como o surveys do Cooperative Institutional Research Program (CIRP) do Higher Education Research Institute, da Universidade da Califórnia, Los Angeles, e do Center for Studies in Higher Education (CSHE) da Universidade da Califórnia, Berkeley.
O CIRP desenvolveu três surveys que são aplicados antes do ingresso (The Freshman Survey – TFS), ao fim do primeiro ano (Your First College Year Survey – YFCY), e nos últimos anos (The College Senior Survey – CSS). Neste momento, o CIRP está organizando a comemoração dos 50 anos de existência do TFS, que se transformou ao longo das décadas em uma das principais informações sobre os estudantes de graduação nos EUA, envolvendo dados sobre 1900 instituições de ensino superior, 15 milhões de estudantes e 300 mil professores. Os surveys podem ser usados como instrumentos individuais ou em conjunto, gerando dados longitudinais.
Desde 2001, CHSE sedia o projeto Student Experience in the Research University (SERU). Trata-se de um questionário aplicado aos estudantes de universidades de pesquisa sobre a experiência de graduação, que tem por objetivo aperfeiçoar essa experiência e os processos educacionais. Inicialmente, o survey foi aplicado em todos os campi da Universidade da Califórnia. A partir de 2008, foi estendido para as 12 maiores universidades de pesquisa da Association of American Universities e, a partir de 2010, foi criado um consórcio internacional com universidades da China, Brasil (Unicamp), Europa e África do Sul.
E, indo ainda além, outra área que precisa de estudos é o acompanhamento dos egressos, para conhecer o impacto da formação recebida na trajetória profissional. Esse tipo de estudo aumenta a transparência sobre os custos e benefícios da educação superior e pode ser bastante útil para informar o público na hora da escolha. Falta informação sobre empregabilidade e níveis salariais dos formados, por exemplo, tanto em relação ao setor privado quanto ao setor público (em tempos de Sistema de Seleção Unificada).
O acompanhamento dos egressos pode ser feito por meio de estudos longitudinais durante e após a conclusão, por meio de surveys próprios, como temos feito na avaliação do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) da Unicamp (Andrade et al., 2013; Pereira et al., 2014; Carneiro et al., 2012a, 2012b). E também pode ser feito pela integração de dados do Censo da Educação Superior com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o que já começa a ser feito.
Ana Maria Carneiro é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) e coordenadora do Laboratório de Estudos de Educação Superior (LEES).
Notas
1-Função docente significa o vínculo que um docente possui com uma instituição de ensino superior (IES), sendo que um mesmo docente pode ter mais de uma função docente.
2-Dados para 1993 disponíveis em http://censosuperior.inep.gov.br/evolucao-1980-a-2007 e para 2013, ver Inep (2014).
3-Os dados do ProUni e FIES são do Censo da Educação Superior 2012, compilados pelo Observatório do Plano Nacional da Educação, disponíveis em http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/12-ensino-superior/estrategias/12-5-fomento-a-diversidade
4-Os microdados estão disponíveis desde 1995 com a desagregação até o nível de curso em http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar. A partir de 2009 a desagregação foi ampliada para o nível do aluno.
5-Os microdados estão disponíveis desde 2004.
6-Investimento público total em educação em relação ao Produto Interno Bruto em 2011, segundo dados do MEC/Inep/DEED, compilado pelo Observatório do PNE. O investimento total em educação foi de 6,1% do PIB.
7-Dados da PNAD compilados pelo Observatório do PNE.
8-Apesar de no texto constar apenas universidades públicas, a contabilidade é feita considerando todos os tipos de IES públicas.
9-Dados do Censo da Educação Superior 2013, compilados pelo Observatório do PNE.
Referências
Andrade, C.Y. (2012) “Acesso ao ensino superior no Brasil: equidade e desigualdade social”, 31 Julho 2012, Revista Ensino Superior. Disponível em http://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/noticia.php?id=135
Andrade, C.Y.; Dachs, J.N. “Academic performance,? students background and affirmative action at a brazilian university”. Higher Education Management and Policy, v. 19, n.3, 2007b.
Andrade, C. Y.; Gomes, F. A. M.; Knobel, M.; Pedrosa, R. H. L.; Pereira, E. M. A.; Carneiro, A. M.; Velloso, L. A.. “ProFIS”. Journal of Widening Participation and Lifelong Learning, v. 15, p. 22-46, 2013.
Brasil (2001). Plano Nacional da Educação 2001-2010, Lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Disponível em:
Brasil (2014). Plano Nacional da Educação, Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Disponível em:
Carneiro, A. M.; Andrade, C.Y.; Gonçalves, M. L. “Formação interdisciplinar e inclusão social – o primeiro ano do ProFIS”. Ensino Superior Unicamp, v. 3, p. 24-38, 2012.
Carneiro, A. M.; Andrade, C.Y.; Telles, S. M. B. S. “Avaliação continuada do Programa de Formação Interdisciplinar Superior da Unicamp: proposta metodológica”. Revista Brasileira de Monitoramento e Avaliação, v. 1, p. 26-45, 2012.
Inep (2014). Censo da Educação Superior – 2013. Disponível em:
Maia, R. P.; Pinheiro, H. P.; Pinheiro, A. “Análise da heterogeneidade do desempenho de alunos da Unicamp, do ingresso à conclusão, segundo alguns agrupamentos”. Cadernos de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas, v. 39, 2009, pp. 645-660.
Menezes-Filho, N.; Nuñez, D. F. (2012). “Estimando os gastos privados com educação no Brasil”. Policy Paper nº 03, Insper.
OECD (2014). “Indicator B2: what proportion of national wealth is spent on education?”, in Education at a Glance, 2014: OECD Indicators, OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/888933117174
Pecora, A. R.; Menezes-Filho, N. (2014). “O papel da oferta e da demanda por qualificação na evolução do diferencial de salários por nível educacional no Brasil”. Estudos Econômicos, vol.44, no.2. Disponível em
Pedrosa, R. H. L.; Simões, T. P.; Carneiro, A.M.; Andrade, C.Y.; Sampaio, H.; Knobel, M. “Access to higher education in Brazil”. Widening Participation and Lifelong Learning, v. 16, p. 5-33, 2014.
Pereira, E. M. A.; Carneiro, A. M.; Gonçalves, M. L. “Innovation and evaluation in the brazilian higher education culture: interdisciplinary and general education”. Creative Education, v. 05, p. 1690-1701, 2014.
Schwartzman, S. (2013). “Uses and abuses of education assessment in Brazil”. 2013 Kneller Lecture, Comparative & International Education Society, Annual Conference, New Orleans.
Schwartzman, S. (2015a). Depois da Universidade. Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 2015. Disponível em
Schwartzman, S. (2015b). “Massificação, equidade e qualidade: Os desafios da educação superior no Brasil” – análise do período 2009-2013. Disponível em HYPERLINK "https://archive.org/details/universia_port_201501"https://archive.org/details/universia_port_
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