Se o vazio é, de um ponto de vista teórico qualquer, quantificável, então o próprio vazio não é vazio. É antes, e ao contrário, um conjunto de ausências significativas e, portanto, significativas.
Considere-se, por exemplo, o que ocorre com as línguas naturais e com a função comunicativa que as caracteriza.
Qual, do ponto de vista teórico, o desafio e o objeto da lingüística?
A resposta é simples, embora sua explicação, ao longo do tempo, seja complexa e requeira esforços conceituais e metodológicos consideráveis.
Mas qual é essa resposta?
Algo que poderia ser enunciado da seguinte maneira: o desafio da lingüística, logo seu objeto, é descrever e explicar como se dá a associação entre som e sentido nas línguas naturais.
Em outras palavras, como um fenômeno físico – a cadeia sonora – permite a associação de significados comuns, compreensíveis e intercambiáveis para os indivíduos que se reconhecem pertencendo a uma mesma comunidade lingüística?
A questão se torna mais complexa ainda quando se leva em conta o fato de que na seqüência de sons produzidos pelos interlocutores, numa situação de comunicação, não há, de um modo geral, nenhuma motivação na materialidade física da cadeia de sons para as significações que ela permite produzir, reconhecer e comunicar entre os interlocutores do ato lingüístico em questão.
Isso quer dizer, entre outras coisas, que o ato de significar na linguagem e pela linguagem se dá como uma forma de negação de sua materialidade física ou, ao revés, como afirmação do que ela não é ou do que está contido nessa materialidade.
O ato semântico dá-se, assim, como um ato no vazio, um ato intervalar, um ato que se realiza no campo das relações entre o que a linguagem é e o que ela deixa de ser para significar o mundo e suas representações, que se apresentam juntamente com os atores dos atos lingüísticos, por eles vividos como autores, personagens, leitores do teatro do discurso e da comunicação.
O valor do signo lingüístico, tal como definido na tradição herdada de Saussure, constitui-se antes como valor de troca do que como valor de uso. Ou seja, é a substituibilidade do signo por outro signo e a combinatória dos signos entre si que permitem, no jogo estrutural que assim se constitui, o funcionamento sistemático das línguas como princípio ordenado e ordenador da vida em sociedade.
As regras de combinação sintagmática, horizontal, do signo, que lhe permitem descortinar-se em futuros discursivos, equilibram a linearidade de sua evolução no tempo sobre o princípio da associação paradigmática, vertical, numa sintaxe espacial feita de presenças e ausências e que põe em jogo o conjunto de relações do signo com o signo no interior do sistema lingüístico estruturado, que ele constitui e que o constitui.
Desse modo, o momento semântico da linguagem, seu momento significativo, aquele em que o significante e o significado se apresentam como as duas faces da mesma moeda – o signo lingüístico –, esse momento dá-se como vazio de substância própria, no intervalo entre a sua materialidade física e o que ele deixa de ser para significar outra coisa no mundo.
Sob esse aspecto, o signo é forma e a forma do signo supõe essa alteridade estrutural que permite a sua expressão em conteúdos e assegura a dinâmica da comunicação característica da linguagem.
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