Adão nasceu do barro e
morou no Éden. Tupã desceu à Terra e criou tudo o que conhecemos, assim como
fez Gaia na Grécia. A humanidade sempre teve a necessidade de compreender suas
origens. A questão é complexa e envolve filosofia, religião e ciência, entre
diferentes povos.
De acordo com o teólogo
da Escola Superior de Teologia (EST), Mário Antônio Sanches, os mitos precisam
de pessoas que acreditem neles para que sejam aceitos, por isso são expressões
da verdade para as comunidades onde foram gerados. “O mito responde também às
mesmas perguntas: como? por quê? de que
modo? No esforço de elaborar um sentido para as coisas, na busca de
desvelar a realidade e revelar sua dimensão transcendente. Usualmente, o mito
perde a sua força quando a comunidade que acreditava nele desaparece, ou não
crê mais”, ressalta Sanches.
O surgimento da vida ao redor mundo
Seguindo a ideia de
Sanches, é possível usar os gregos como exemplo de povo que não crê mais na
mitologia de seus antepassados. A religião predominante atualmente é o
cristianismo, sobretudo o ortodoxo. Os gregos antigos atribuíam a origem da
vida à Gaia, a mãe Terra, e ao Caos. A partir deles a vida foi criada.
A ideia de que a ordem
e a desordem também se uniram para dar criação à vida, existe nas tradições de
origem judaica/cristã. De acordo com o que é ensinado aos seguidores, “No
princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia”, e
partir daí tudo foi tomando forma e seu lugar, inclusive os seres vivos.
Sanches também
exemplifica a questão ao falar da criação a partir da destruição. Segundo a
mitologia chinesa, tudo veio da morte de um ser chamado Panku, e de cada parte
de seu corpo uma característica da Terra foi formada, como, por exemplo, dos
olhos vieram o sol e a lua; dos cabelos as árvores e plantas; e das pulgas
surgiu a humanidade.
A origem da vida nas Américas
Antes de serem
colonizados e terem sua cultura quase apagada pelos conquistadores europeus, os
povos ameríndios também possuíam – e possuem até hoje – suas próprias
concepções acerca da origem da vida. Uma das divindades mais conhecidas pelo
povo brasileiro, Tupã (também chamado de Iamandu ou Nhanderu) é o deus Sol e
realizador de toda a criação. O mito conta que Tupã desceu em um monte na
região de Aregúa, Paraguai, e de lá criou toda a vida existente no planeta. Da
argila, fez o homem e a mulher, e os deixou com os espíritos do bem e do mal.
O uso da argila é um
elemento muito comum entre todas as histórias da origem da vida entre os povos
da América. Para os incas, o grande criador foi o deus chamado Viracocha (Apu
Kun Tiqsi Wiraqutra no dialeto inca), que criou os homens da argila e neles
pintou vestes coloridas para separar uma nação de outra.
Já para o povo maia, os
seres humanos foram modelados também pela argila, de início, mas os deuses
viram que ela amolecia quando molhada, tornando-se fraca. Com isso, as
divindades misturaram seus sangues às espigas de milho, o que gerou quatro
homens. Das carnes e ossos desses deuses foram modeladas também quatro
mulheres, uma para cada um dos homens criados.
Os mitos podem ditar as regras atuais?
Para a filósofa da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/Paraná), Vanessa Ruthes, a
resposta sobre a origem da vida, principalmente a humana, ajuda a responder
muito sobre quem somos e sobre o que podemos. "Questões como o aborto,
tecnologias reprodutivas, polêmicas como a utilização de embriões, dependem dessa
resposta para serem discutidas".
Segundo Ruthes, existem
diferentes posturas acerca do início da vida, e cada uma se fundamenta em
perspectivas divergentes, que tentam responder quando a vida humana inicia.
"Por exemplo, para alguns, ela inicia na concepção, para outros, na
formação do sistema nervoso central. Não há uma resposta verdadeira, mas sim
perspectivas de análise".
A filósofa também
argumenta que é possível haver uma integração entre os discursos científicos e
culturais acerca da origem da vida. "Cada discurso parte de um fundamento
epistemológico e ético. Há a possibilidade de aproximações se houver
flexibilidade entre eles", finaliza Ruthes.
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