Aqui, aquém,
agora deste rio caudaloso de insignificâncias,
deposito a
espada de criança.
Aqui, onde se
agitam emblemas fortalecidos e sujos
do sangue dos
combates duros,
aqui deposito a
hora, o cavalo de pau, a armadura de
[minhas lembranças.
Aqui, neste rio
que não lembra o Tejo
e que não é
maior que o rio que passa pela minha aldeia,
neste rio feito
de imagem, celulóide, projeção e luz,
rio de batalhas
memoráveis pelos feitos heróicos de generais
[quiméricos,
divisor
conspícuo de províncias convictas,
águas virgens de
realidade
rios de bêbados
em barcos sérios.
Aqui, como se
conta, quase por nada
naufrágios rasos
obstruíram o curso de históricas
[descobertas,
meninos
proibidos de assistir ao filme impróprio
tomaram de
assalto na noite erma o alçapão do assoalho
por trás da
tela, na popa da aventura extrema,
fizeram correr,
com a cena nua da atriz francesa
[d’A chicotada,
rios infantes de
esperma.
Rio Grande, não
destes de fronteiras territoriais,
este de Minas e
São Paulo, entre Igarapava e Minas Gerais,
tampouco o que
corria caudaloso no Cine Santa Rita,
aquele que não
dividia Sales de Oliveira de Orlândia
mas separava
bandidos e mocinhos,
a linha de cima
e a linha de baixo pelos trilhos da Mogiana
e, pelo mesmo
leito seco de máquinas, passageiros,
comboios e litorinas,
heróis e
mexicanos, os Estados Unidos e o México,
o México da Hispano-América
o Brasil da
América Latina
São Paulo das
treze listas
Sales de nunca
mais.
Rio Grande,
contudo,
feito das
erosões da infância,
dos cursos
caudalosos das enchentes de março
e dos outros
meses anônimos em que houve cheias.
Rio teimoso
como o poema, às
vezes, corre do mar para a terra
e na terra se
embrenha
claro, poluído,
claro
contraste de
vida e de morte,
rio corrente,
rio parado, rio de beleza feia.
Rio onde nunca
vi boi morto nem outro cão emplumado,
rio que não
corre da serra nem para ela se oferece,
rio em
cinemascope, branco e preto, rio em cores,
águas prenhes do
espanto da fruta que amadurece,
rio que vi com
meu pai na roda dos pescadores
no bar do seu
Armando.
Rio sem águas,
rio de temas,
rio do não
retorno,
roteiro de
minhas noites,
eu menino,
eu meu pai, meu
pai menino
córrego de
interiores
curso de cinemas
rio de morros.
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