10/03/2011
Professor da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Cláudio Banzato realizou um levantamento
postal anônimo com psiquiatras brasileiros afiliados à Associação
Brasileira de Psiquiatria (ABP), selecionados de modo
aleatório. O estudo, intitulado “O que os
psiquiatras brasileiros esperam das classificações diagnósticas”,
examinou o uso e a percepção em termos de utilidade clínica dos
sistemas diagnósticos multiaxiais CID-10 e DSM-IV e, ainda, as
expectativas que esses profissionais nutrem a respeito das próximas
revisões. Em decorrência desse estudo Banzato foi um dos
pesquisadores responsáveis pelo trabalho “An International Study
of the views of psychiatrists on present and preferred
characteristics of classifications of Psychiatric Disorders”
(traduzindo, “Um estudo internacional das visões dos psiquiatras
acerca das características presentes e preferenciais das
classificações dos transtornos psiquiátricos”), que compara as
respostas dos profissionais brasileiros, obtidas no levantamento, com
as dos psiquiatras da Nova Zelândia e do Japão. Na opinião do
pesquisador, muito se espera das novas classificações diagnósticas
e, talvez, demasiadamente. Entretanto, ele frisa que a redução de
categorias de diagnósticos é desejada tanto pelos psiquiatras
brasileiros, quanto pelos japoneses e neozelandeses.
ComCiência - Como surgiu a ideia de realizar um levantamento
sobre a percepção dos psiquiatras a respeito dos manuais de
classificação dos transtornos mentais? Quais foram os principais
questionamentos abordados? Cláudio Banzato - A ideia do
levantamento foi do psiquiatra Graham Mellsop (da Nova Zelândia),
que elaborou o roteiro de questões. Quisemos investigar o uso das
classificações diagnósticas, a utilidade percebida, assim como as
preferências taxonômicas e expectativas dos profissionais em
relação às futuras classificações. Infelizmente, tivemos uma
taxa de resposta baixa (15%), que não nos permite assegurar que
nossa amostra (160 respostas, no Brasil) seja representativa. Por
outro lado, este levantamento inspirou outro, realizado em 2010, por
meios eletrônicos, pela Organização Mundial de Saúde e Associação
Mundial de Psiquiatria, envolvendo muitos países. Os resultados
desse último serão divulgados em meados de 2011.
ComCiência –
Quais são as razões para a
CID-10 ser mais utilizada
que o DSM-IV pelos psiquiatras consultados em seu estudo?
Cláudio Banzato - A razão
mais importante é que a CID-10 é a classificação internacional
oficial, da Organização Mundial da Saúde. Ela deve ser utilizada
em documentos como prontuários, atestados etc. Por outro lado, o
DSM-IV também é bastante conhecido e utilizado, principalmente em
pesquisas.
ComCiência - E de que modo o fato da CID-10 ser mais utilizada
influencia no diagnóstico e no tratamento dos transtornos mentais?
Cláudio Banzato - Existem
muitas diferenças entre ambas as classificações, mas a maioria
delas não é substancial. Isto é, tem pequena ou nenhuma
repercussão terapêutica. A CID-10, aliás, foi muito influenciada
pelo DSM-III, que data de 1980, e sucessores. No cotidiano clínico,
não raro encontramos psiquiatras que usam categorias de ambas as
classificações.
ComCiência – Essas classificações
dão suporte para o tratamento dos transtornos em hospitais públicos
brasileiros?
Cláudio Banzato - Sim, os
diagnósticos utilizados nos hospitais são codificados na linguagem
da CID-10. O diagnóstico nosológico (que determina a presença ou
não de uma determinada enfermidade) é central na psiquiatria (como,
aliás, na medicina de modo geral), ele orienta o tratamento. No
entanto, é preciso fazer a ressalva de que nem todas as informações
pertinentes ao cuidado dos pacientes cabem em um rótulo diagnóstico.
ComCiência - Quais os principais
problemas encontrados no DSM-IV e na CID-10?
Cláudio Banzato - É preciso
separar os problemas inerentes a essas classificações daqueles
decorrentes do mau uso das mesmas. Elas são ferramentas clínicas,
que têm sua utilidade e limitações. Não se pode perder de vista
seu caráter instrumental. As classificações são ficções úteis
que nos permitem operar sobre a realidade, elas não resolvem os
nossos problemas clínicos. Nada pior que tomá-las como uma
representação inocente e natural do mundo. Acredito que boa parte
dos problemas esteja relacionada ao uso inadequado. No que diz
respeito aos problemas resultantes delas, mencionaria principalmente
suas consequências para o processo de diagnóstico, mais do que
questões propriamente classificatórias. Seriam: o tipo de modelo
diagnóstico preconizado e favorecido, que deixa o julgamento clínico
em segundo plano; certa superficialização da psicopatologia, como
se os sintomas fossem evidentes e precisassem apenas ser contados; e
o excessivo fatiamento da psicopatologia, que provoca uma inflação
da taxa de comorbidades.
ComCiência - Qual a expectativa dos entrevistados acerca dos
sistemas futuros?
Cláudio Banzato - Os
psiquiatras, naturalmente, esperam que as classificações sejam
ú teis e válidas, mas também simples (com um número menor de
categorias diagnósticas) e fáceis de usar. Em outros termos, eles
nutrem expectativas bem elevadas. Por outro lado, é preciso lembrar
que as classificações são utilizadas numa grande variedade de
contextos e é muito difícil uma classificação servir igualmente
bem a vários propósitos. Para dar um exemplo: as propriedades
desejadas para o uso na atenção primária são muito distintas
daquelas necessárias para as pesquisas nas neurociências. Nesse
sentido, prefiro a opção da CID-10, uma família de classificações
articuladas e compatíveis entre si, ao invés do modelo adotado pelo
DSM-IV de uma classificação única.
ComCiência - Os psiquiatras consultados na pesquisa acreditam
que as próximas revisões das classificações irão melhorar ou
facilitar os diagnósticos?
Cláudio Banzato - Sim, os
profissionais têm a expectativa legítima de que as novas
classificações sejam aprimoradas para melhor servir aos seus
diferentes propósitos: subsidiar os tratamentos, facilitar a
comunicação, favorecer as pesquisas em campos variados como a
psicofarmacologia, epidemiologia e a genética etc. Como afirmei
antes, muito se espera das novas classificações. Talvez, em
demasia.
ComCiência - O
senhor participou de um estudo que compara estas questões no Brasil
com a realidade encontrada na Nova Zelândia e no Japão. Quais os
resultados desse comparativo?
Cláudio Banzato - Na Nova
Zelândia, país de língua inglesa, o DSM-IV é mais utilizado que a
CID-10, ao contrário do que ocorre no Brasil e no Japão. A grande
maioria dos psiquiatras tanto da Nova Zelândia como do Japão,
entende que as classificações devam ser utilizadas pelas equipes
multidisciplinares (e inclusive por pacientes, no caso da Nova
Zelândia). No Brasil, metade dos psiquiatras que responderam às
questões assinalou que o uso deve ser restrito a médicos. Problemas
com a utilidade transcultural das classificações foram menos
destacados por psiquiatras brasileiros do que pelos psiquiatras dos
outros dois países.
ComCiência - O que se espera das revisões no Brasil é o
mesmo que no Japão e na Nova Zelândia? Os questionamentos sobre as
revisões mudam de acordo com cada localidade?
Cláudio Banzato - Em termos de
expectativas, algumas são comuns (como, por exemplo, a redução do
número de categorias diagnósticas), outras são diferentes: na Nova
Zelândia predomina a ideia de que psiquiatras e profissionais da
atenção primária deveriam usar as mesmas classificações. No
Japão, prevaleceu a opção de se criar uma versão simplificada da
classificação para a atenção primária. No Brasil, houve um
empate entre ambas as posições. O levantamento constatou que os
psiquiatras (assim como ocorre com os nosologistas que produzem as
classificações) estão divididos em relação a vários tópicos,
como, por exemplo, a separação em eixos. Os psiquiatras também
esperam que algumas categorias diagnósticas particularmente
problemáticas sejam revistas. Entre as citadas em respostas abertas,
temos: retardo mental, transtornos alimentares, transtornos de
personalidade, transtornos com início na infância e adolescência,
entre outros.
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