As preocupações com a transmissão de conhecimentos sobre saúde para a população apareceram no final do século XIX e, por diversas vezes, foram expressas oficialmente. Em 1894, por exemplo, um decreto federal atribuía ao chefe do Instituto Sanitário Federal a responsabilidade de formular “conselhos higiênicos, em época de perigo sanitário, indicando recursos de preservação no caso de moléstias transmissíveis, e as preocupações necessárias para que essas não se disseminem empregando para isso os meios idôneos da propaganda”.
Em 1938 é criada em São Paulo (Decreto nº 9322) a Seção de Propaganda e Educação Sanitária (Spes) cuja atribuição era a de “difundir no estado de São Paulo a educação sanitária, usando para isso todos os meios modernos de propaganda...”. Essa seção é transformada, em 1969, em Serviço de Educação de Saúde Pública (Sesp) integrando o Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Dentre as inúmeras atribuições que competiam ao Sesp constavam “planejar, elaborar, supervisionar e avaliar material audiovisual para os programas da Secretaria de Estado de acordo com as prioridades e utilizar os recursos de comunicação de massa a fim de informar a população sobre campanhas de saúde pública.”.
Cabe registrar a ênfase dada à pesquisa como pré-condição do planejamento das campanhas. Ou seja, para elaborar material educativo, necessariamente realizavam-se pesquisas para identificar os repertórios motivacional, cognitivo e valorativo da população. Neste texto trataremos apenas de uma campanha de vacinação: a campanha de erradicação da varíola (CEV).
A CEV (1966-1973) proposta pela Organização Mundial da Saúde no estado de São Paulo tem início com a pesquisa “Conhecimento e atitude da população sobre a varíola e vacina antivariólica”, que possibilitou que o Spes, e posteriormente o Sesp, desenvolvesse ações educativas, procurando despertar o interesse da população, em geral, por meio de líderes e grupos representativos de cada município.
Nas entrevistas, realizadas em um determinado território, eram abordados aspectos referentes aos conhecimentos, apreensões, atitudes e percepções da população a respeito da doença e da vacina. As pessoas eram questionadas sobre o acesso à vacina, o modo de administração, a doença (surgimento, evolução e se é curável ou não), entre outros temas. As respostas eram analisadas e norteavam a produção dos materiais.
A preocupação era que a população participasse na divulgação da campanha com o objetivo de erradicar a doença. Essa campanha teve duração de aproximadamente seis anos e vários materiais educativos foram produzidos para auxiliá-la: folhetos, volantes, flanelógrafos (um tipo de mural utilizado em uma situação de aprendizagem para facilitar o conhecimento de alguns conceitos), manuais, cartazes, álbum-seriado (uma espécie de flip-chart), slides, spots, músicas e discos.
É interessante registrar aqui o que ocorreu principalmente com um desses materiais, os cartazes. Por se tratar de uma campanha de imunização nacional, cabia ao Ministério da Saúde a produção e distribuição desses materiais. Com referência aos cartazes, as imagens retratavam pessoas ou cadáveres com varíola (pústulas), pois, como se sabe, acreditava-se que o medo possibilitava um comportamento desejável, no caso receber a vacina.
Profissionais de São Paulo (Sesp) rejeitaram esse material justamente por contradizer a visão de educação que se tinha. Desta forma, recorremos ao desenhista e criador Maurício de Souza que contribuiu na elaboração de cartazes, folhetos e volantes com seus personagens. Houve uma reação muito positiva dos funcionários das unidades de saúde (na época, centros de saúde), dos professores e demais líderes. Todos queriam afixar esses materiais.
Vale ressaltar outro fato que nos chamou a atenção. Em um determinado dia, uma educadora em saúde, responsável por uma região (que se encontrava muito distante), é chamada ao telefone com urgência para resolver um problema grave: os vacinadores, que se encontravam em uma grande praça, ameaçavam parar de vacinar, pois o local estava cheio de cachorros e o número de animais só aumentava. Um desses vacinadores dizia: “Nunca vi uma cachorrada como essa!”. Pois, embora oralmente enfatizava-se que a vacina era humana, as crianças – ao verem o cachorro Bidu, famoso personagem do desenhista, nos cartazes – exigiam que seus pais levassem também seus bichos de estimação para vacinar.
Outro fato ocorrido merece, em nossa opinião, ser relatado. Ao desenvolver nosso trabalho de preparar a população no sentido de receber conscientemente a vacina, deparávamos, ao agendar reuniões noturnas com líderes comunitários, ou mesmo nas inaugurações das campanhas nos municípios, com um forte concorrente: a novela Nino, o italianinho. Ou seja, a cidade, às 19h, parava diante de seus televisores. Entramos, então, em contato com o diretor da novela, na extinta TV Tupi, Geraldo Vietri, que se surpreendeu com o pedido: anunciar a campanha, se possível na novela. Esse profissional, com inegável competência, sensibilidade e disponibilidade de colaborar, reuniu seus atores que, travestidos de personagens, dispuseram-se a receber a vacina em cena (lembrando que a novela era ao vivo) formulando aos nossos vacinadores as questões que realmente lhes interessavam, de acordo com seus papéis. E eram questões que o público também nos formulava.
Assim é que o saudoso ator Marcos Plonka, cujo personagem na novela era o judeu Max, ao se aproximar do vacinador pergunta: “Quanto custar?”. “Nada, é proporcionado pelo governo”, responde o vacinador, e Max exclama: “Então dar dois!”.
Pode-se dizer que esse evento – veiculação de mensagens sobre a importância da vacina num programa de entretenimento – se constitui no primeiro merchandising social da televisão brasileira! E com a marca da cidadania.
Ausônia Favorido Donato é doutora em educação em saúde pública pela USP e diretora do Núcleo de Formação e Desenvolvimento Profissional do Instituto de Saúde/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
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