Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), economia verde é aquela que resulta em melhoria do bem-estar humano e busca promover a equidade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. É uma economia de baixo carbono (utiliza fontes renováveis de energia, ao invés de combustíveis fósseis); com eficiente no uso de recursos naturais (produz bens e serviços usando cada vez menos energia e matéria), e é socialmente inclusiva (promove crescimento na renda e no emprego através de investimentos públicos e privados que reduzem as emissões de carbono e a poluição, além de considerar o capital natural como um ativo econômico crítico e fonte de benefícios públicos, especialmente, para a população pobre, cuja sobrevivência e segurança dependem quase que exclusivamente da natureza).
Apesar da definição, na realidade, não há um consenso entre governos, corporações e sociedade civil para o conceito de economia verde e o termo é alvo de inúmeras críticas por parte de alguns estudiosos do tema, ambientalistas e organizações não-governamentais, recebendo adjetivos como vago, confuso, irrelevante, desnecessário e incoerente. Donald Sawyer, do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador associado ao Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), lança a suspeita que a definição oficial seja intencionalmente vaga, "talvez para permitir que países desenvolvidos e corporações usem e abusem do termo sem mudar de fato seus padrões insustentáveis de produção e consumo". Para ele, a expressão "economia verde" soa menos ambientalista e não se opõem tanto aos padrões da economia vigente, quanto "desenvolvimento sustentável". "Além de ser mais atraente para pequenas e médias empresas, a expressão ainda abre a possibilidade dos países desenvolvidos justificarem a venda de tecnologia "verde" aos emergentes", critica Sawyer.
Já Luciana Togueiro de Almeida, economista do Departamento de Economia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e ex-presidente e atual membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO), se inclui no grupo daqueles que acreditam que o termo "economia verde" deve ser compreendido não propriamente como um novo conceito, mas como um "conjunto de instrumentos – uma caixa de ferramentas – para atingir o desenvolvimento sustentável." Ela acredita que a controvérsia sobre o tema é tamanha que "o Pnuma tem feito um esforço enorme para a divulgação da sua "iniciativa economia verde" (Green Economy Initiative). Para ela, o programa passou a adjetivar e complementar o termo com o intuito de ganhar mais adeptos à ideia, decorrendo daí outras expressões como "economia verde inclusiva", ou, de acordo com o que consta oficialmente na chamada da Rio+20, "economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza".
Almeida acrescenta que deve ser esperado, novamente, durante a Rio+20, "um embate entre países desenvolvidos, interessados em ampliar mercados para tecnologias ambientais (como solar e eólica, por exemplo), e países em desenvolvimento, importadores dessas tecnologias e não apenas preocupados com os aspectos sociais da economia verde, mas também receosos de desequilíbrios comerciais importantes".
Destruição versus conhecimento da natureza
"Quando se fala em transição para uma economia verde está se falando daquilo que Bertha Becker chamou de passagem da economia da destruição da natureza para economia do conhecimento da natureza", lembra Ricardo Abramovay, do Departamento de Economia e do Instituto de Relações Internacionais, da Universidade de São Paulo (USP). Bertha Becker, que é geógrafa, historiadora e professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), define uma economia do conhecimento da natureza como aquela que utiliza a natureza sem destruir suas potencialidades e diversidades. Como exemplo, Abramovay cita o caso da Amazônia: "É incrível, mas na Amazônia não existe uma indústria madeireira. Não há um design amazônico ou algo semelhante. O que temos é uma economia totalmente voltada para commodities minerais e agrícolas, ou seja, não há uma economia inteligente aplicada na área. É uma economia essencialmente extrativista".
Abramovay acredita que a Rio+20 foi convocada sobre o tema da economia verde e governança em função de uma aposta na aceleração do ritmo das inovações tecnológicas, a partir das quais seria possível promover um uso muito mais eficiente dos recursos. "Seria uma forma – diz ele – de dar conta do aumento populacional, do consumo e da renda sem a necessidade de enfrentar o grande desafio do século XXI, que é a questão dos limites dos recursos da natureza e, portanto, das mudanças dos padrões de produção e consumo atuais, os quais estão muito ligados ao problema da desigualdade".
Para ele, a abordagem que privilegia as inovações é predominante tanto no zero draft, quanto no documento brasileiro de contribuição às discussões da conferência, que afirma a necessidade de lutar contra a desigualdade melhorando o nível de vida dos pobres. "Mas isso – diz Abramovay – é como tentar tapar o sol com a peneira", pois significaria dizer que a melhor estratégia seria elevar o nível de consumo de um indiano (4 toneladas anuais de recursos naturais), para alcançar o de um canadense ou americano (25 toneladas). "Isso é um absurdo, porque é uma conta que não fecha. Simplesmente não há recursos naturais disponíveis para tanto", afirma. Abramovay ainda ressalta a urgência de se repensar o próprio sentido da produção material: "O automóvel, por exemplo, é a pior forma de se enfrentar o problema da mobilidade nas regiões metropolitanas da sociedade atual. Então, porque produzir ainda mais carros?".
A necessária discussão sobre a impossibilidade de se continuar crescendo indefinidamente, com um aumento sem limites da população mundial, da renda, do consumo e da produção, corre o risco de ser deixada de lado, caso as atenções da Rio+20 se voltem demasiadamente para as novas tecnologias (nanotecnologia, biologia sintética e geoengenharia), consideradas por muitos o eixo central da economia verde. "O risco não é apenas deixar de lado questões sociais e os insustentáveis padrões de produção e consumo atuais, mas também de não levar em conta que novas tecnologias podem gerar efeitos negativos inesperados. Podem eliminar mais empregos, em termos líquidos, do que criar. Podem aumentar custos dos bens e da energia e, portanto, agravar a pobreza. Seria importante investir em tecnologias simples e sociais para garantir meios de vida sustentáveis para a população em geral, na cidade e no campo, não apenas em alta tecnologia", ressalta Donald Sawyer. Que tipo de governança precisamos para conter nosso mundo de excessos?
Uma governança que permita compatibilizar o sistema econômico e fazer com que ele caiba dentro dos limites ecossistêmicos – é isso que Ricardo Abramovay aponta como algo que a humanidade precisa aprender a fazer. Para ele, é necessário que saibamos impor limites ao lucro, à produção, ao consumo, ao crescimento econômico, e respeitemos as fronteiras ecossistêmicas. "Nós não sabemos fazer a governança do excesso. Vivemos num mundo marcado pelo excesso. É isso que os principais documentos das Nações Unidas, produzidos em 2011, e das grandes empresas de consultoria global, cada uma ao seu estilo, foram mostrando: estamos em um mundo de excessos. O grande desafio atual é: como se deve governar para que haja uma mudança para um mundo onde limites são importantes? Se quisermos levar a discussão sobre economia verde a sério, deveríamos levá-la para o G20 e para o Conselho de Segurança da ONU", finaliza.
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