Localizada na região metropolitana de Salvador, Camaçari é uma cidade com pouco mais de 240 mil habitantes, de acordo com dados divulgados em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de possuir o segundo maior
Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia, a renda da maior parte da
população é baixa. É nesse cenário que emerge a Cidade
do Saber “Professor Raimundo Pinheiro”, um complexo
integrado para atividades culturais e esportivas que tem como intuito
a inclusão social em ampla escala.
Inaugurado em 2007, esse centro cultural e
esportivo tem, atualmente, capacidade para cinco mil atendimentos
diários,incluindo o público dos espetáculos e eventos realizados na
Cidade do Saber, os beneficiários das oficinas do Ponto Móvel e as
atividades regulares dos educandos, e já atingiu 140 mil
atendimentos desde a sua inauguração. O complexo oferece dez mil
vagas por ano para cursos regulares de idioma,
artes cênicas e música, além de cursos de promoção
da saúde e das escolinhas esportivas. E é por meio das atividades
educativas e dos eventos culturais oferecidos na Cidade do Saber, os
quais dão a oportunidade para que se desenvolvam talentos e
possibilitam a troca de experiências e conhecimentos entre educandos
e educadores, que a população carente de várias localidades de
Camaçari tem a oportunidade de se incluir socialmente e ter sua
auto-estima e dignidade resgatadas.
Além disso, o complexo abriga o segundo maior
teatro, em capacidade, do estado da Bahia, perdendo apenas para o
Teatro Castro Alves, situado na capital, Salvador. Há quatro anos,
não havia salas de cinema e nem de teatro na cidade. “A Cidade do
Saber, além do segmento dos cursos e oficinas, vem se consolidando
como uma iniciativa que agrega espaços culturais, tais como o
teatro, o Museu Unica e o Memorial do Polo Petroquímico”, explica
Ana Lúcia Silveira, diretora geral do complexo. O Museu Única
(Universo da Criança e do Adolescente), ainda não inaugurado, será
um espaço em que o público entrará em contato com a ciência de
maneira atrativa e interativa, tendo como direcionamento a promoção
e democratização do acesso à cultura científica e atuando de
forma integrada com disciplinas de ciências. Já o Memorial é um
espaço voltado para o passado, presente e futuro do Polo
Petroquímico de Camaçari, que tem papel primordial na economia do
município e é responsável por impulsionar o PIB local, estimado em
R$10 bilhões.
Os projetos da Cidade do Saber de Camaçari são
mantidos com verbas públicas e privadas, por meio de parcerias e
doações, mas é forte o vínculo com a Prefeitura Municipal, o que
gera a dúvida se os projetos e o formato em que se encontram serão
mantidos numa possível mudança de governo. “A Cidade do Saber foi
inaugurada em 2007, na primeira gestão do atual prefeito de
Camaçari, Luiz Caetano. Portanto, ainda não houve uma mudança de
governo que pudesse vir a implicar em mudanças substanciais na forma
de executar o projeto”, complementa Silveira.
A Cidade do Saber é uma organização não
governamental (ONG), certificada como organização social (OS), em
que há um instituto privado, sem fins lucrativos, que administra os
recursos advindos da Prefeitura, por meio dos contratos de metas, o
que faz com que dependa do governo. “Deste modo, garantia de
continuidade das ações, tais quais são efetuadas agora, não há,
uma vez que, com mudança no governo, uma outra forma de elaborar e
dirigir tais políticas pode emergir. A estrutura física é pública,
cedida ao instituto durante a vigência do contrato de gestão e,
também por isso, a sua utilização nos moldes atuais estará sempre
em convergência com as políticas governamentais norteadoras”,
afirma a diretora geral.
Entretanto, em contrapartida, a tendência é que
a manutenção dos projetos já existentes e a criação de novos
estejam cada vez mais compartilhados, devido à captação de
recursos de outras fontes, como as empresas privadas e os governos
estadual e federal. “Este é um objetivo estratégico da atual
gestão, o que implica em um maior peso nas decisões – inclusive,
também, pela crescente apropriação da comunidade – relacionadas
às políticas, práticas e ações consideradas bem sucedidas e com
contribuição comprovada para o desenvolvimento da população,
através da Cidade do Saber”, reitera Silveira.
Mas como se articula a rede que agrega os
diferentes atores: sociedade civil, prefeitura e empresas privadas?
No quadro de funcionários da Cidade do Saber, há o mobilizador
social, responsável por estruturar essa rede entre a instituição,
lideranças comunitárias e membros da sociedade civil organizada.
Anualmente, uma agenda de encontros é programada e é nesse momento
que os atores dialogam com a equipe e a diretoria do centro,
apresentando as demandas e críticas.
Quando se trata de empresas privadas, a Cidade do
Saber tem uma parceria com o Comitê de Fomento Industrial de
Camaçari (Cofic) e participa das reuniões da Comissão de
Comunicação e Responsabilidade Social.“A Cidade do Saber é parceira do Cofic em dois projetos
voltados para a comunidade local, que são: o Memorial do Polo
Petroquímico, que funciona nas instalações do complexo, e o Polo
de Cidadania, evento realizado anualmente em frente à Cidade do
Saber, onde são montados stands de diversos órgãos e empresas, que
oferecem serviços gratuitos e de qualidade à população de
Camaçari durante todo o dia, contando, ainda, com atividades
socioeducativas, esportivas e culturais”, lembra Silveira.
Já com a Prefeitura, há um diálogo constante,
por conta da fiscalização e do acompanhamento das políticas
culturais e esportivas executadas pelo contrato de gestão. “As
Secretarias de Desenvolvimento Social, de Saúde e de
Educação, por exemplo, já executam projetos em parceria com a
Cidade do Saber, o que permite uma articulação e maior penetração
da ONG na sociedade”, corrobora a diretora geral. Isso ocorre por
meio da rede de proteção da criança e do adolescente, de práticas
ampliadas de saúde, da educação integral para alunos da rede
pública municipal etc.
E de que modo a Cidade do Saber de Camaçari se
aproxima das iniciativas adotadas na Cidade do
Cérebro, em Natal, e no projeto Porto
Maravilha, no Rio de Janeiro?
Na opinião de Silveira, o Porto Maravilha é o
que mais se assemelha à Cidade do Saber, mais especificamente os
espaços de consumo cultural previstos para o projeto do Rio, como o
Museu do Amanhã e os Museus de Arte. O Porto Maravilha tem como
objetivo maior a revitalização da zona portuária do Rio de
Janeiro. Da mesma forma, Silveira acredita que a Cidade do Saber faça
parte de um projeto maior, capitaneado pela administração pública
municipal nos últimos anos, de requalificar e humanizar as políticas
e espaços públicos de Camaçari. “Nesse sentido, há uma
convergência (com o projeto do Rio)”, avalia.
Resultados intangíveis e pespectivas
Em março deste ano, a Cidade do Saber completa
quatro anos de existência. E, conforme Silveira, não se pode
avaliar os resultados do que é realizado ali com base no tempo de
existência, pois se fomenta não apenas as manifestações
artísticas ou históricas da cidade, mas também o desenvolvimento
cultural e a qualidade de vida. “Resultados, aqui, podem ser,
principalmente, mensurados na contribuição às transformações:
individuais, coletivas, transformação no olhar da cidade para a
própria cidade, na identidade pela qual se reconhece, e pela qual é
reconhecida em todo o estado, no país e, hoje, já mundo afora.
Sem dúvida, estimular essa mudança, na visão de quem é de
fora e de quem vive aqui, a respeito do perfil da cidade e das
possibilidades de futuro da sua comunidade, é o maior resultado”,
confirma.
Em 2011, a Cidade do Saber de
Camaçari vai inaugurar o Universo da Criança e do Adolescente
(Unica), um museu de ciência e tecnologia interativo e lúdico, para
despertar o interesse de crianças e adolescentes por disciplinas da
rede formal de ensino, como a física, por exemplo. “Será mais um
espaço que se configura como único, em seu perfil, na região; o
que coloca Camaçari – um município que, apesar ser uma das
potências econômicas do estado, tem uma herança de índices
sociais alarmantes – em destaque no cenário da política
sociocultural contemporânea da Bahia”, comenta Silveira.
O orgulho de professores do projeto
Para José Pinheiro dos Santos Júnior, professor
de natação e hidroginástica da Cidade do Saber, fazer parte dos
projetos do centro é uma realização como educador, o faz se sentir
como parte de um amplo processo educativo. “É
acreditar que a inclusão social através do esporte e da cultura
realmente acontece”, afirma. Renato Tavares, professor e
coordenador do teatro, sente-se orgulhoso de trabalhar ali: “É
um privilégio participar de um projeto que alia arte, educação e
ação social num só ambiente”, avalia.
Na opinião de Júnior,
ministrar aulas no centro é bastante diferente do que nas escolas
convencionais. “Na Cidade do Saber, nós educamos através do
esporte e da cultura, o que nos dá um campo muito maior de
possibilidades de fazermos com que os nossos educandos se sintam
realmente parte do processo de inclusão”, diz. Tavares confirma
esse diferencial: “Já começa pelo público. Aqui temos a
oportunidade de trabalhar com conteúdos que são de interesse direto
do educando. Na escola convencional, você dá uma disciplina para
indivíduos que estão e que não estão nem um pouco motivados em
vivenciar seu aprendizado”, conclui.
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