A palavra variação indica as modulações possíveis de um tema. É com esse intuito que vou propor breves considerações sobre os direitos humanos.
O pressuposto dos direitos humanos é o valor da dignidade humana. Este valor tem uma genealogia: o estoicismo, o Velho Testamento, o cristianismo, a doutrina do direito natural, etc. A sua plena afirmação, no entanto, é fruto da modernidade. Resulta da ideia de que o ser humano, na sua dignidade própria, não se dilui no todo social. Possui direitos, como os pioneiramente enunciados na França, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
Uma expressão importante da modernidade é o espírito laico que se caracteriza por ser um modo de pensar que confia o destino da esfera secular dos homens à razão crítica e ao debate, e não aos impulsos da fé e às asserções de verdades reveladas. O modo de pensar laico está na raiz do princípio da tolerância, base da liberdade de crença e da liberdade de opinião e de pensamento, que são parte fundamental dos assim chamados direitos de primeira geração.
A afirmação jurídica dos direitos inaugura a plenitude da perspectiva dos governados. É a passagem, como diz Bobbio, do dever do súdito para o direito do cidadão. Daí a interconexão entre os direitos humanos e a democracia. Por isso, uma parte relevante da sua tutela diz respeito às liberdades públicas e às garantias voltadas para proteger os direitos do indivíduo contra o arbítrio dos governantes e, concomitantemente, assegurar o pluralismo da sociedade.
O ponto de partida da elaboração dos direitos humanos é o princípio republicano da igualdade e o seu corolário, o princípio da não discriminação. O desdobramento histórico desse ponto de partida norteia um processo de inclusão política, social, econômica e cultural. Daí, além da extensão dos direitos políticos, os direitos econômico-sociais. Estes estão direcionados para lidar com os problemas da exclusão material, promovendo a abrangência de oportunidades para a fruição dos bens que são criados numa sociedade e necessários para a dignidade da vida.
Um componente da dicotomia inclusão/exclusão se traduz na percepção de que uma das funções dos direitos humanos é a de se ocupar dos mais débeis. Daí a etapa da especificação dos direitos humanos centrada na tutela do ser em situação vulnerável por várias razões (deficientes físicos, crianças, idosos, mulheres etc).
Num mundo interdependente, unificado pela técnica e pela economia, os direitos humanos têm uma dimensão internacional. Esta positivou-se com a ONU, em função da percepção dos horrores do Holocausto e do aparecimento em larga escala dos deslocados no mundo, que realçaram a importância do que Kant chamou o direito à hospitalidade universal. Daí a abrangente inclusão dos direitos humanos na agenda internacional, tendo como horizonte a construtiva inclusão de todos na sociedade planetária, em razão das tensões da exclusão que colocam em questão a paz.
O processo que sintetizei, da afirmação histórica dos direitos humanos, não é evidentemente a marcha triunfal de uma plataforma emancipatória. Não é, também, uma causa perdida, comprometida pela resistência dos fatos. É a história de um combate, como diz Daniele Lochak. Este combate traduz o empenho dos que acreditam no valor da dignidade humana e que vão lidando com os desafios colocados por distintas situações na linha da admoestação de Tocqueville: é preciso ter, em relação ao futuro, o receio salutar que faz velar e combater.
Celso Lafer é professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Ciências.
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