A liderança da indústria
aeroespacial norte-americana é resultado direto dos padrões
de alta performance de qualidade e competitividade das grandes
integradoras de aeronaves, mas também dos fornecedores de
aeroestruturas de origem americana. Na última década,
em decorrência de dois eventos importantes, como os atentados
terroristas de 11 de setembro e o aumento da concorrência
internacional ocasionado pela entrada de novos fabricantes, sediados
na Europa, no leste europeu e, sobretudo na Ásia, têm
sido geradas pressões para as empresas norte-americanas de
aeroestruturas a se desverticalizarem e re-localizarem suas operações
industriais buscando a redução dos custos de produção
e acesso a novos mercados.
A
Boeing tem grande poder de influência sobre a indústria
de aeroestruturas norte-americana, adotando políticas ativas e
suporte técnico para a capacitação de pequenas e
médias empresas desse segmento. Visando a expansão do
seu mercado a Boeing tem celebrado acordos de cooperação
e novas parcerias estratégicas com empresas japonesas e
européias transferindo através de programas
tecnológicos competências nas áreas de manufatura
e design. Presencia-se também para os novos programas
aeronáuticos, como o caso do 7E7,
o aumento dos gastos e das atividades em P&D nas áreas de
novos materiais e aerodinâmica. As estratégias
consideradas críticas para a Boeing têm se caracterizado
por alguns posicionamentos de mercado, a saber: a criação
de fundos para o financiamento e facilitação para a
aquisição de suas aeronaves por parte de seus clientes;
e, redução da dependência da demanda cíclica
da aviação comercial aumentando os seus investimentos
nos serviços de suporte, manutenção e
atendimento; maior diversificação dos seus negócios
e maior atuação global através do acesso e
instalação de plantas em outros países; abertura
de centros de P&D na Europa (Madri) e na Rússia (Moscou).
Dessa forma busca-se o estabelecimento de novas competências
tecnológicas e a participação em novos programas
internacionais.
A indústria
européia pode ser caracterizada por um fluxo de inter-relações
comerciais e produtivas mais complexas, comandada pela empresa
Airbus, criada em 1970, e suas subsidiárias –
majoritariamente fornecedoras de sua cadeia produtiva –, com níveis
variados de participação e apoio governamental das
regiões e países europeus. A Airbus é formada
por quatro parceiros: BAE Systems (Airbus Reino Unido), Aérospatiale
Matra (Aiburs França), Daimler Chrysler Aerospace (Airbus
Alemanha) e CASA (Airbus - Espanha). As duas plantas de montagem
final ficam localizadas em Tolouse (França) e Hamburgo
(Alemanha). A nova fase de consolidação da indústria
das européias deve-se à notável fase de expansão
e reorganização da Airbus com sua nova estratégia
de foco no mercado – market-oriented e a formação
da EADS (European Aeronautic, Defense and Space Co.) no ano de
2000, com a conquista de ganhos de escala e competitividade através
de programas aeronáuticos e de defesa conexos organizados
através de redes produtivas regionais por todo o território
europeu. Esse novo arranjo institucional e econômico tem
suavizado o impacto do comportamento cíclico da demanda do
mercado aeronáutico, pois através da EADS a Airbus tem
acesso a novas fontes de recursos financeiros públicos,
inclusive para o financiamento de novos programas.
A vantagem competitiva da indústria de aeroestruturas européia
é derivada de uma estratégia de coordenação
de uma rede regionalizada de centros de excelências de
manufatura gerida pela Comissão Aeronáutica Européia.
Com efeito, a promoção desse tipo de coordenação
tem efeitos positivos em termos de economias de escala e curvas de
aprendizado, na eficiência da alocação de
investimentos e foco no desenvolvimento de tecnologias críticas.
A
indústria aeroespacial canadense compreende mais de 400
empresas em atividade no em Canadá, empregando até
2003, cerca de 60 000 trabalhadores. A indústria é
relativamente distribuída espacialmente pelo território
canadense, aglomerando-se em dois centros de produção
principais: Montreal (onde é realizada a integração
da família CRJ da Bombardier) e Toronto (onde são
montados os aviões turbo-hélice Dash-8). Estes dois
centros, na verdade, consolidaram-se como sistemas regionais
inovadoras, organizados em torno de duas grandes integradores de
aeronaves e suportados por políticas governamentais e
instituições de pesquisa regionais sólidas. A
produção dessa indústria inclui produtos de
tecnologia avançada, tais como os jatos de transporte regional
e os jatos corporativos expressos da Bombardier, a família de
turbo-hélices Dash, os helicópteros civis fabricados
pela Bell Helicóptero Textron; e a família dos motores
de avião pequenos e de tamanho médio, projetados e
construídos pela Pratt & Whitney. As firmas canadenses
produzem também sistemas de avião e subsistemas,
componentes estruturais e outras peças para fabricantes de
avião no Canadá, dos Estados Unidos e Europa, e
realizam serviços de reparos e revisão de aeronaves,
serviços de aero-engines e das peças e componentes.
Além disso, empresas aeroespaciais canadenses são
líderes nas áreas de softwares de simulação
e em sistemas visuais, em sistemas de comunicações
sátelite e em integração de sistemas. A
Bombardier INC. é a principal fabricante de aviões
regionais do Canadá e o concorrente direto da Embraer nesse
segmento. A Pratt & Whitney Canadá Inc (PWC) é
classificada como a maior na indústria aeroespacial canadense.
Ela tem competências para projetar, desenvolver, realizar
atividades de manufatura e prestar serviços para turbinas. A
Pratt & Whitney mantém cerca de 50% do mercado mundial
para os motores pequenos e de tamanho médio.
A
indústria aeronáutica asiática vem emergindo
definitivamente como uma nova força global. Essa região
vem superando os gaps tecnológicos através da
experiência adquirida pela participação em
programas internacionais e a hospedagem de investimentos externos
nessa região motivadas pelo potencial de expansão de
mercado e os baixos custos de produção. Uma
característica da indústria asiática é o
baixo grau de internacionalização de suas plantas, uma
vez que esse território desfruta de vantagens operacionais –
como o custo do trabalho, acesso ao mercado de massa e isenções
fiscais – que atraem o capital externo para estasregião A
estratégias de países como a China, Coréia do
Sul e o Japão têm se concretizado através de
programas de cooperação, políticas agressivas de
offset e parcerias de risco com empresas líderes desde
o segmento de commuters, assim como com os fabricantes de
aeronaves de longo alcance, notadamente Boeing e Airbus. A China
criou dois programas: o AVIC I, que prevê a produção
local de um modelo estrangeiro já desenvolvido na faixa dos
100 assentos, e o AVIC II, para aviões de 50 passageiros. A
Coréia do Sul, além de sua alta competência em
programas aeronáuticos comerciais e civis possui uma forte
cultura no desenvolvimento de programas militares devido a sua
posição no contexto geopolítico no leste
asiático e de suas fronteiras com a Coréia do Norte,
que mantém uma política agressiva de armamento e um
programa nuclear polêmico.
Desse modo, esses países
vêm conquistando progressivamente e continuamente estágios
de capacitação para aplicação de novas
ferramentas de design, familiarização com a boa prática
produtiva e sistemas internacionais de certificação de
segurança e qualidade. Novos arranjos institucionais e
financeiros têm sido formulados para estimular esse setor. No
Japão, mega conglomerados como a Mitsubishi, Fuji e Kawasaki
participam da indústria global de aeroestruturas e, na China,
o governo tem investido valores elevados para a consolidação
desse segmento.
Por fim, ressalte-se que uma
trajetória solidária ao processo de globalização
das cadeias de fornecimento tem sido observada no movimento de
aglomerações dessas indústrias em sistemas
produtivos regionais de inovação. Muitas delas estão
localizadas em centros de excelência, produtivos e de serviços
organizados em torno de uma empresa-âncora. São exemplos
o caso de Seattle (EUA), base produtiva da Boeing e Montreal
(Canadá), base da Bombardier. (Ver tabela 3). No caso europeu,
presenciamos a região de Toulouse (França, sede da
Airbus), Madri e Bilbao (Espanha), onde estão localizadas
empresas como a CASA e a Gamesa ou a Sonaca na Bélgica, etc.
As vantagens de localização estão associadas às
economias de aprendizado e eficiência coletiva, proximidade dos
centros de pesquisa e universidade, economias de especialização
e a possibilidade de implementação de políticas
públicas regionais de desenvolvimento econômico e
tecnológico efetivas.
Proposições
para o alinhamento de uma política de competitividade
A organização
e o funcionamento de empresas de aeronáutica em sistemas
produtivos inovadores, a exemplo de Toulouse na França,
Seattle nos Estados Unidos, Montreal no Canadá, revelou ser um
caminho fundamental para a consolidação dessas
indústrias. Entretanto, como as evidências históricas
internacionais demonstram é necessário construir as
etapas posteriores que compreendem trajetórias de
internacionalização e inovação, embora
todos mantenham ainda uma relação de dependência
ou influência gerada pelas estratégias das
empresas-âncoras desses espaços produtivos. Ainda assim,
como esses países apresentam estruturas produtivas mais
encadeadas e com forte presença dos setores de alta
tecnologia, essas empresas desenvolvem relações
inter-firmas mais densas e diversificadas, atenuando essa situação
de dependência econômica e em alguns casos até com
relativa autonomia. Podemos identificar diferentes caminhos para o
fortalecimento da posição competitiva da cadeia
aeronáutica nacional e do próprio sistema nacional de
inovação:
-
desenvolvimento de processos: reorganização da produção
ou introdução de novos equipamentos. Os investimentos
devem privilegiar o aumento da capacidade instalada, via aquisição
de novos equipamentos complexos e centrar o foco em atividades
intensivas em conhecimento, que agreguem valor e permitam algum grau
de mobilidade progressiva da cadeia produtiva local, conectando-a em
determinados nichos da cadeia aeronáutica global; -
desenvolvimento de produto: desenvolvimento de produtos de maior
qualidade, mais sofisticados e com maior valor agregado. Cabe
fomentar a cooperação no desenvolvimento de projetos,
integrando as atividades de manufatura aos serviços de
engenharia de ferramental e de projeto. Deve-se também
estimular as atividades de P&D através da constituição
de laboratórios especiais em empresas que disponham de
capacidade inovativa. A política de P&D do setor deveria
ser parte das reciprocidades exigidas para o estímulo às
fornecedoras de 1ª linha que estão se instalando na RSJC
para fornecer sistemas para a Embraer. Ao esforço de elevar o
índice de nacionalização de partes, peças
e componentes dos sistemas para as aeronaves poderia ser adicionado
um índice de internalização de P&D,
incluindo um esforço de inovação intra e entre
empresas que fosse além de testes de certificação
de qualidade e de adaptação às condições
locais (tropicalização). Nesta linha, as atividades de
cooperação com instituições de pesquisa
locais deveriam constar explicitamente desse esforço de
internalização de P&D. Esse dispêndio deveria
incluir um esforço tecnológico em projetos de
engenharia que superasse os aspectos de desenho aplicado, contendo
elementos de desenho básico de produtos/processos e
contemplando esquemas de co-design entre a Embraer e seus
fornecedores locais;
- desenvolvimento
funcional: a ascensão a novos estágios na cadeia de
valor exige inovações em marketing e áreas de
inteligência competitiva, competência quase ausente nas
MPMEs. Experiências de sucesso, inclusive dentro do próprio
setor, demonstram que essas são competências críticas
para o planejamento e o sucesso da inovação
tecnológica. Devem ser apoiadas iniciativas de pesquisa de
mercado e comercialização compartilhada entre as
empresas, de preferência desenvolvendo e incorporando a
metodologia às estratégias das empresas;
-
com a consolidação do modelo
de parcerias de risco e as tendências de externalização
da manufatura, as integradoras (prime contractors) deverão
desenvolver modelos estratégicos de seleção de
competências, o que será feito in-house ou será
repassado para os fornecedores – estratégias de make or
buy. Com isso, o desenvolvimento de sistemas de gerenciamento do
conhecimento para sua apropriação e redistribuição
ao longo da cadeia de valor serão fundamentais;
- elaboração
e internalização de áreas de inteligência
e de construção de cenários estratégicos
para o planejamento e implementação de estratégias
de manufatura e capacitação em processos de análise
e suportes de decisão para novos investimentos nesta área;
-
implementação de estratégias
de posicionamento competitivo na arquitetura futura da cadeia
produtiva global, especialmente para as MPMEs. As tendências de
organização da cadeia produtiva aeronáutica são
caracterizadas por movimentos de racionalização
produtiva, gestão ativa para a redução dos
riscos dos programas e da cadeia de valor, redirecionamento da
manufatura para países com baixo custo de produção
(China, Coréia, leste europeu e México);
-
as novas tecnologias e infra-estrutura de informação
são elementos vitais para a integração entre as
áreas de design e os processos de manufatura e interface com
os fornecedores e parceiros. As tendências são de
aumento da importância dessas tecnologias para o suporte das
equipes de engenharia remota e de manufatura e qualidade com
centralidade nas expertises dos sistemas e engenharia baseadas
em conhecimento;
-
sistemas de apoio à decisão e definição
de estratégias de make or buy serão cada vez
mais críticos. Duas áreas de pesquisas são
recomendadas: a) desenvolvimento de modelos críticos para
apoio à decisão para estratégias de make/buy;
b) desenvolvimento de modelos de projeção de custos em
cenários críticos e, ainda, a adoção de
metodologias de análises associadas aos riscos de
desenvolvimento dos fornecedores e das micro, pequenas e médias
empresas;
-
a chave do sucesso das empresas especializadas em manufatura serão
os sistemas de Designed & Developed (D&D). A
capacidade de geração de valor através do
processo de produção e montagens de produtos,
estruturas e serviços complexos atendendo ao cliente nos
critérios de preço, prazo, qualidade e logística
serão os fatores de determinação de
sobrevivência destas empresas. Combinar competências
críticas e práticas de excelência em manufatura
avançada com engenharia de desenvolvimento de produto.
- alcançar padrões
de excelência na Gestão, Organização da
P&D e Institutos de Pesquisa. Todos os exemplos internacionais
bem sucedidos demonstram que existe hoje uma necessidade crítica
de se realizar rotinas de P&D nas indústrias. A existência
de uma infra-estrutura pública ou privada atualizada que
permita a amortização dos gastos empresariais ou ainda
a realização de rotinas de pesquisas avançadas é
muito importante para a competitividade destas empresas;
-
criação e fortalecimento de centros regionais
especializados e/ou sistemas produtivos regionais de inovação.
A experiência internacional demonstra que a organização
dessas indústrias e dos serviços organizados em
sistemas produtivos regionais de inovação ou parques
tecnológicos especializados em P&D produzem inúmeros
pontos positivos, como especialização tecnológica
e produtiva, economias de escala e aprendizado dinâmicas, com o
aproveitamento de P&D colaborativa e a própria criação
de uma marca tecnológica internacional. A organização
e o funcionamento de pequenas e médias empresas do segmento
aeronáutico em sistemas produtivos inovadores, a exemplo de
Toulouse na França, Seattle nos Estados Unidos, Montreal no
Canadá, revelou ser um caminho fundamental para a consolidação
dessas indústrias. Entretanto, como as evidências
históricas internacionais demonstram, é necessário
construir as etapas posteriores que compreendem trajetórias de
internacionalização e inovação, embora
todos mantenham ainda uma relação de dependência
ou influência gerada pelas estratégias das
empresas-âncoras desses espaços produtivos. Ainda assim,
como esses países apresentam estruturas produtivas mais
encadeadas e com forte presença dos setores de alta
tecnologia, essas empresas desenvolvem relações
inter-firmas mais densas e diversificadas, atenuando essa situação
de dependência econômica e em alguns casos até com
relativa autonomia;
-
desenvolver parcerias e alianças para o desenvolvimento de
novos programas. A participação em programas é o
melhor recurso para manter a competitividade, ter acesso a novas
tecnologias e crescer no mercado global. Todas as empresas que
exercem liderança nesse mercado ou vêm delineando
trajetórias de upgrading, seguiram processos de
capacitação tecnológica para o desenvolvimento
de novos produtos e disponibilidade para investimentos em novos
programa.
Há
uma recomendação para o fomento de estudos sobre as
implicações dos gastos globais da área de defesa
em termos de offset no desenvolvimento e na capacitação
dos fornecedores aeronáuticos. A prática de offset
ainda é um excelente e poderoso mecanismo de indução
da indústria local. A estratégia tecno-nacionalista da
China é emblemática, combinando habilmente as
expectativas internacionais de crescimento do seu mercado interno de
transporte aéreo e vantagens comparativas relacionadas aos
baixos custos operacionais em seu território para a atração
de novos investimentos. Com o poder de barganha governamental através
das empresas nacionais aeronáuticas, tem implementado
políticas informais de offset para transferência
de tecnologia, capacidade produtiva e acesso a mercados globais. De
outro lado, tem conferido alta prioridade e investido maciçamente
na construção de uma infra-estrutura e capacitação
tecnológica neste setor.
Por
fim, a proposição de políticas para o setor não
pode deixar de considerar o imperativo de preservar a competitividade
internacional da Embraer. A cautela daí decorrente não
significa, contudo, que a perspectiva seja necessariamente a de se
auto-restringir a tarefas menos complexas. A integração
entre as funções produtivas e tecnológicas
sugere que o adensamento local da cadeia aeronáutica será
menos dispendioso para a Embraer à medida que os fornecedores
desenvolvam maiores competências. Como o adensamento local da
cadeia é necessário para que a Embraer legitime interna
e externamente os incentivos creditícios que lhe são
concedidos, o desafio efetivo é o de selecionar para esse
adensamento empresas e componentes em que a trajetória
cumulativa de capacitação tenha maiores chances de se
desenvolver. Para a implementação
dessa agenda será fundamental
promover maior coordenação entre os agentes envolvidos
no apoio às MPMEs. A atuação articulada de
instituições como o Sebrae, a Finep e o BNDES poderia
atenuar esse cenário de adversidade. A criação
de uma política específica para o setor aeronáutico,
recentemente aprovado, pode representar também importante
avanço institucional e de fonte de recursos para a alavancagem
e consolidação dos esforços tecnológicos
dessas empresas.
Roberto
Bernardes é professor do curso de mestrado do Departamento de
Administração do Centro Universitário da FEI.
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