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Artigo
Competitividade da indústria aeronáutica: uma comparação internacional
Por Roberto Bernardes
10/02/2007

A liderança da indústria aeroespacial norte-americana é resultado direto dos padrões de alta performance de qualidade e competitividade das grandes integradoras de aeronaves, mas também dos fornecedores de aeroestruturas de origem americana. Na última década, em decorrência de dois eventos importantes, como os atentados terroristas de 11 de setembro e o aumento da concorrência internacional ocasionado pela entrada de novos fabricantes, sediados na Europa, no leste europeu e, sobretudo na Ásia, têm sido geradas pressões para as empresas norte-americanas de aeroestruturas a se desverticalizarem e re-localizarem suas operações industriais buscando a redução dos custos de produção e acesso a novos mercados.

A Boeing tem grande poder de influência sobre a indústria de aeroestruturas norte-americana, adotando políticas ativas e suporte técnico para a capacitação de pequenas e médias empresas desse segmento. Visando a expansão do seu mercado a Boeing tem celebrado acordos de cooperação e novas parcerias estratégicas com empresas japonesas e européias transferindo através de programas tecnológicos competências nas áreas de manufatura e design. Presencia-se também para os novos programas aeronáuticos, como o caso do 7E7, o aumento dos gastos e das atividades em P&D nas áreas de novos materiais e aerodinâmica. As estratégias consideradas críticas para a Boeing têm se caracterizado por alguns posicionamentos de mercado, a saber: a criação de fundos para o financiamento e facilitação para a aquisição de suas aeronaves por parte de seus clientes; e, redução da dependência da demanda cíclica da aviação comercial aumentando os seus investimentos nos serviços de suporte, manutenção e atendimento; maior diversificação dos seus negócios e maior atuação global através do acesso e instalação de plantas em outros países; abertura de centros de P&D na Europa (Madri) e na Rússia (Moscou). Dessa forma busca-se o estabelecimento de novas competências tecnológicas e a participação em novos programas internacionais.

A indústria européia pode ser caracterizada por um fluxo de inter-relações comerciais e produtivas mais complexas, comandada pela empresa Airbus, criada em 1970, e suas subsidiárias – majoritariamente fornecedoras de sua cadeia produtiva –, com níveis variados de participação e apoio governamental das regiões e países europeus. A Airbus é formada por quatro parceiros: BAE Systems (Airbus Reino Unido), Aérospatiale Matra (Aiburs França), Daimler Chrysler Aerospace (Airbus Alemanha) e CASA (Airbus - Espanha). As duas plantas de montagem final ficam localizadas em Tolouse (França) e Hamburgo (Alemanha). A nova fase de consolidação da indústria das européias deve-se à notável fase de expansão e reorganização da Airbus com sua nova estratégia de foco no mercado – market-oriented e a formação da EADS (European Aeronautic, Defense and Space Co.) no ano de 2000, com a conquista de ganhos de escala e competitividade através de programas aeronáuticos e de defesa conexos organizados através de redes produtivas regionais por todo o território europeu. Esse novo arranjo institucional e econômico tem suavizado o impacto do comportamento cíclico da demanda do mercado aeronáutico, pois através da EADS a Airbus tem acesso a novas fontes de recursos financeiros públicos, inclusive para o financiamento de novos programas. A vantagem competitiva da indústria de aeroestruturas européia é derivada de uma estratégia de coordenação de uma rede regionalizada de centros de excelências de manufatura gerida pela Comissão Aeronáutica Européia. Com efeito, a promoção desse tipo de coordenação tem efeitos positivos em termos de economias de escala e curvas de aprendizado, na eficiência da alocação de investimentos e foco no desenvolvimento de tecnologias críticas.

A indústria aeroespacial canadense compreende mais de 400 empresas em atividade no em Canadá, empregando até 2003, cerca de 60 000 trabalhadores. A indústria é relativamente distribuída espacialmente pelo território canadense, aglomerando-se em dois centros de produção principais: Montreal (onde é realizada a integração da família CRJ da Bombardier) e Toronto (onde são montados os aviões turbo-hélice Dash-8). Estes dois centros, na verdade, consolidaram-se como sistemas regionais inovadoras, organizados em torno de duas grandes integradores de aeronaves e suportados por políticas governamentais e instituições de pesquisa regionais sólidas. A produção dessa indústria inclui produtos de tecnologia avançada, tais como os jatos de transporte regional e os jatos corporativos expressos da Bombardier, a família de turbo-hélices Dash, os helicópteros civis fabricados pela Bell Helicóptero Textron; e a família dos motores de avião pequenos e de tamanho médio, projetados e construídos pela Pratt & Whitney. As firmas canadenses produzem também sistemas de avião e subsistemas, componentes estruturais e outras peças para fabricantes de avião no Canadá, dos Estados Unidos e Europa, e realizam serviços de reparos e revisão de aeronaves, serviços de aero-engines e das peças e componentes. Além disso, empresas aeroespaciais canadenses são líderes nas áreas de softwares de simulação e em sistemas visuais, em sistemas de comunicações sátelite e em integração de sistemas. A Bombardier INC. é a principal fabricante de aviões regionais do Canadá e o concorrente direto da Embraer nesse segmento. A Pratt & Whitney Canadá Inc (PWC) é classificada como a maior na indústria aeroespacial canadense. Ela tem competências para projetar, desenvolver, realizar atividades de manufatura e prestar serviços para turbinas. A Pratt & Whitney mantém cerca de 50% do mercado mundial para os motores pequenos e de tamanho médio.

A indústria aeronáutica asiática vem emergindo definitivamente como uma nova força global. Essa região vem superando os gaps tecnológicos através da experiência adquirida pela participação em programas internacionais e a hospedagem de investimentos externos nessa região motivadas pelo potencial de expansão de mercado e os baixos custos de produção. Uma característica da indústria asiática é o baixo grau de internacionalização de suas plantas, uma vez que esse território desfruta de vantagens operacionais como o custo do trabalho, acesso ao mercado de massa e isenções fiscais – que atraem o capital externo para estasregião A estratégias de países como a China, Coréia do Sul e o Japão têm se concretizado através de programas de cooperação, políticas agressivas de offset e parcerias de risco com empresas líderes desde o segmento de commuters, assim como com os fabricantes de aeronaves de longo alcance, notadamente Boeing e Airbus. A China criou dois programas: o AVIC I, que prevê a produção local de um modelo estrangeiro já desenvolvido na faixa dos 100 assentos, e o AVIC II, para aviões de 50 passageiros. A Coréia do Sul, além de sua alta competência em programas aeronáuticos comerciais e civis possui uma forte cultura no desenvolvimento de programas militares devido a sua posição no contexto geopolítico no leste asiático e de suas fronteiras com a Coréia do Norte, que mantém uma política agressiva de armamento e um programa nuclear polêmico.

Desse modo, esses países vêm conquistando progressivamente e continuamente estágios de capacitação para aplicação de novas ferramentas de design, familiarização com a boa prática produtiva e sistemas internacionais de certificação de segurança e qualidade. Novos arranjos institucionais e financeiros têm sido formulados para estimular esse setor. No Japão, mega conglomerados como a Mitsubishi, Fuji e Kawasaki participam da indústria global de aeroestruturas e, na China, o governo tem investido valores elevados para a consolidação desse segmento.

Por fim, ressalte-se que uma trajetória solidária ao processo de globalização das cadeias de fornecimento tem sido observada no movimento de aglomerações dessas indústrias em sistemas produtivos regionais de inovação. Muitas delas estão localizadas em centros de excelência, produtivos e de serviços organizados em torno de uma empresa-âncora. São exemplos o caso de Seattle (EUA), base produtiva da Boeing e Montreal (Canadá), base da Bombardier. (Ver tabela 3). No caso europeu, presenciamos a região de Toulouse (França, sede da Airbus), Madri e Bilbao (Espanha), onde estão localizadas empresas como a CASA e a Gamesa ou a Sonaca na Bélgica, etc. As vantagens de localização estão associadas às economias de aprendizado e eficiência coletiva, proximidade dos centros de pesquisa e universidade, economias de especialização e a possibilidade de implementação de políticas públicas regionais de desenvolvimento econômico e tecnológico efetivas.

Proposições para o alinhamento de uma política de competitividade

A organização e o funcionamento de empresas de aeronáutica em sistemas produtivos inovadores, a exemplo de Toulouse na França, Seattle nos Estados Unidos, Montreal no Canadá, revelou ser um caminho fundamental para a consolidação dessas indústrias. Entretanto, como as evidências históricas internacionais demonstram é necessário construir as etapas posteriores que compreendem trajetórias de internacionalização e inovação, embora todos mantenham ainda uma relação de dependência ou influência gerada pelas estratégias das empresas-âncoras desses espaços produtivos. Ainda assim, como esses países apresentam estruturas produtivas mais encadeadas e com forte presença dos setores de alta tecnologia, essas empresas desenvolvem relações inter-firmas mais densas e diversificadas, atenuando essa situação de dependência econômica e em alguns casos até com relativa autonomia. Podemos identificar diferentes caminhos para o fortalecimento da posição competitiva da cadeia aeronáutica nacional e do próprio sistema nacional de inovação:

- desenvolvimento de processos: reorganização da produção ou introdução de novos equipamentos. Os investimentos devem privilegiar o aumento da capacidade instalada, via aquisição de novos equipamentos complexos e centrar o foco em atividades intensivas em conhecimento, que agreguem valor e permitam algum grau de mobilidade progressiva da cadeia produtiva local, conectando-a em determinados nichos da cadeia aeronáutica global;

- desenvolvimento de produto: desenvolvimento de produtos de maior qualidade, mais sofisticados e com maior valor agregado. Cabe fomentar a cooperação no desenvolvimento de projetos, integrando as atividades de manufatura aos serviços de engenharia de ferramental e de projeto. Deve-se também estimular as atividades de P&D através da constituição de laboratórios especiais em empresas que disponham de capacidade inovativa. A política de P&D do setor deveria ser parte das reciprocidades exigidas para o estímulo às fornecedoras de 1ª linha que estão se instalando na RSJC para fornecer sistemas para a Embraer. Ao esforço de elevar o índice de nacionalização de partes, peças e componentes dos sistemas para as aeronaves poderia ser adicionado um índice de internalização de P&D, incluindo um esforço de inovação intra e entre empresas que fosse além de testes de certificação de qualidade e de adaptação às condições locais (tropicalização). Nesta linha, as atividades de cooperação com instituições de pesquisa locais deveriam constar explicitamente desse esforço de internalização de P&D. Esse dispêndio deveria incluir um esforço tecnológico em projetos de engenharia que superasse os aspectos de desenho aplicado, contendo elementos de desenho básico de produtos/processos e contemplando esquemas de co-design entre a Embraer e seus fornecedores locais;

- desenvolvimento funcional: a ascensão a novos estágios na cadeia de valor exige inovações em marketing e áreas de inteligência competitiva, competência quase ausente nas MPMEs. Experiências de sucesso, inclusive dentro do próprio setor, demonstram que essas são competências críticas para o planejamento e o sucesso da inovação tecnológica. Devem ser apoiadas iniciativas de pesquisa de mercado e comercialização compartilhada entre as empresas, de preferência desenvolvendo e incorporando a metodologia às estratégias das empresas;

- com a consolidação do modelo de parcerias de risco e as tendências de externalização da manufatura, as integradoras (prime contractors) deverão desenvolver modelos estratégicos de seleção de competências, o que será feito in-house ou será repassado para os fornecedores – estratégias de make or buy. Com isso, o desenvolvimento de sistemas de gerenciamento do conhecimento para sua apropriação e redistribuição ao longo da cadeia de valor serão fundamentais;

- elaboração e internalização de áreas de inteligência e de construção de cenários estratégicos para o planejamento e implementação de estratégias de manufatura e capacitação em processos de análise e suportes de decisão para novos investimentos nesta área;

- implementação de estratégias de posicionamento competitivo na arquitetura futura da cadeia produtiva global, especialmente para as MPMEs. As tendências de organização da cadeia produtiva aeronáutica são caracterizadas por movimentos de racionalização produtiva, gestão ativa para a redução dos riscos dos programas e da cadeia de valor, redirecionamento da manufatura para países com baixo custo de produção (China, Coréia, leste europeu e México);

- as novas tecnologias e infra-estrutura de informação são elementos vitais para a integração entre as áreas de design e os processos de manufatura e interface com os fornecedores e parceiros. As tendências são de aumento da importância dessas tecnologias para o suporte das equipes de engenharia remota e de manufatura e qualidade com centralidade nas expertises dos sistemas e engenharia baseadas em conhecimento;

- sistemas de apoio à decisão e definição de estratégias de make or buy serão cada vez mais críticos. Duas áreas de pesquisas são recomendadas: a) desenvolvimento de modelos críticos para apoio à decisão para estratégias de make/buy; b) desenvolvimento de modelos de projeção de custos em cenários críticos e, ainda, a adoção de metodologias de análises associadas aos riscos de desenvolvimento dos fornecedores e das micro, pequenas e médias empresas;

- a chave do sucesso das empresas especializadas em manufatura serão os sistemas de Designed & Developed (D&D). A capacidade de geração de valor através do processo de produção e montagens de produtos, estruturas e serviços complexos atendendo ao cliente nos critérios de preço, prazo, qualidade e logística serão os fatores de determinação de sobrevivência destas empresas. Combinar competências críticas e práticas de excelência em manufatura avançada com engenharia de desenvolvimento de produto.

- alcançar padrões de excelência na Gestão, Organização da P&D e Institutos de Pesquisa. Todos os exemplos internacionais bem sucedidos demonstram que existe hoje uma necessidade crítica de se realizar rotinas de P&D nas indústrias. A existência de uma infra-estrutura pública ou privada atualizada que permita a amortização dos gastos empresariais ou ainda a realização de rotinas de pesquisas avançadas é muito importante para a competitividade destas empresas;

- criação e fortalecimento de centros regionais especializados e/ou sistemas produtivos regionais de inovação. A experiência internacional demonstra que a organização dessas indústrias e dos serviços organizados em sistemas produtivos regionais de inovação ou parques tecnológicos especializados em P&D produzem inúmeros pontos positivos, como especialização tecnológica e produtiva, economias de escala e aprendizado dinâmicas, com o aproveitamento de P&D colaborativa e a própria criação de uma marca tecnológica internacional. A organização e o funcionamento de pequenas e médias empresas do segmento aeronáutico em sistemas produtivos inovadores, a exemplo de Toulouse na França, Seattle nos Estados Unidos, Montreal no Canadá, revelou ser um caminho fundamental para a consolidação dessas indústrias. Entretanto, como as evidências históricas internacionais demonstram, é necessário construir as etapas posteriores que compreendem trajetórias de internacionalização e inovação, embora todos mantenham ainda uma relação de dependência ou influência gerada pelas estratégias das empresas-âncoras desses espaços produtivos. Ainda assim, como esses países apresentam estruturas produtivas mais encadeadas e com forte presença dos setores de alta tecnologia, essas empresas desenvolvem relações inter-firmas mais densas e diversificadas, atenuando essa situação de dependência econômica e em alguns casos até com relativa autonomia;

- desenvolver parcerias e alianças para o desenvolvimento de novos programas. A participação em programas é o melhor recurso para manter a competitividade, ter acesso a novas tecnologias e crescer no mercado global. Todas as empresas que exercem liderança nesse mercado ou vêm delineando trajetórias de upgrading, seguiram processos de capacitação tecnológica para o desenvolvimento de novos produtos e disponibilidade para investimentos em novos programa.

Há uma recomendação para o fomento de estudos sobre as implicações dos gastos globais da área de defesa em termos de offset no desenvolvimento e na capacitação dos fornecedores aeronáuticos. A prática de offset ainda é um excelente e poderoso mecanismo de indução da indústria local. A estratégia tecno-nacionalista da China é emblemática, combinando habilmente as expectativas internacionais de crescimento do seu mercado interno de transporte aéreo e vantagens comparativas relacionadas aos baixos custos operacionais em seu território para a atração de novos investimentos. Com o poder de barganha governamental através das empresas nacionais aeronáuticas, tem implementado políticas informais de offset para transferência de tecnologia, capacidade produtiva e acesso a mercados globais. De outro lado, tem conferido alta prioridade e investido maciçamente na construção de uma infra-estrutura e capacitação tecnológica neste setor.

Por fim, a proposição de políticas para o setor não pode deixar de considerar o imperativo de preservar a competitividade internacional da Embraer. A cautela daí decorrente não significa, contudo, que a perspectiva seja necessariamente a de se auto-restringir a tarefas menos complexas. A integração entre as funções produtivas e tecnológicas sugere que o adensamento local da cadeia aeronáutica será menos dispendioso para a Embraer à medida que os fornecedores desenvolvam maiores competências. Como o adensamento local da cadeia é necessário para que a Embraer legitime interna e externamente os incentivos creditícios que lhe são concedidos, o desafio efetivo é o de selecionar para esse adensamento empresas e componentes em que a trajetória cumulativa de capacitação tenha maiores chances de se desenvolver. Para a implementação dessa agenda será fundamental promover maior coordenação entre os agentes envolvidos no apoio às MPMEs. A atuação articulada de instituições como o Sebrae, a Finep e o BNDES poderia atenuar esse cenário de adversidade. A criação de uma política específica para o setor aeronáutico, recentemente aprovado, pode representar também importante avanço institucional e de fonte de recursos para a alavancagem e consolidação dos esforços tecnológicos dessas empresas.

Roberto Bernardes é professor do curso de mestrado do Departamento de Administração do Centro Universitário da FEI.