A palavra “sustentabilidade” é, sem dúvida, uma das mais faladas e comentadas neste novo milênio e, não por acaso, esse conceito tem invadido as mais diversas áreas do conhecimento e setores da economia. Na construção civil, a partir da utilização de novos materiais que gerem o menor impacto possível ao meio ambiente e contribuam para o conforto térmico ou a redução do consumo de energia, não é diferente, e há inúmeros exemplos de novos materiais e tecnologias com essa finalidade. Uma das inovações resultantes de pesquisa são os Materiais de Mudança de Fase (PCM, na sigla em inglês), ou materiais termo-ativos, que atuam no isolamento térmico e armazenamento de energia, por meio da utilização de parafinas microencapsuladas que podem ser dispersas em rebocos de revestimento, a fim de garantir o conforto térmico e reduzir o consumo de energia nas edificações. Isso é possível a partir do acúmulo energético da fusão das parafinas. Para Vanessa Gomes, professora da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), essa tecnologia, atualmente, apresenta ganhos ambientais e econômicos. “Ela começou muito cara, mas já há pesquisas que conseguem baratear os custos”, aponta. Outro exemplo de como a sustentabilidade pode trazer benefícios ao meio ambiente urbano e a seus habitantes são as coberturas verdes, construções em que as tradicionais coberturas de telhas são substituídas por vegetação. Esse tipo de construção proporciona o combate às ilhas de calor urbano, absorvendo gases do efeito estufa emitidos por veículos e melhorando a qualidade do ar nos centros urbanos; diminui parte das águas de chuva que poderiam alagar bueiros; e torna-se habitat para pássaros e borboletas. Os “tetos verdes”, como o da foto abaixo, são uma febre em países de primeiro mundo e têm sido utilizados em larga escala nos Estados Unidos e na Alemanha. “Existem áreas do Brasil que podem ser muito apropriadas à utilização de coberturas verdes. Elas ajudam a combater enchentes e outros problemas ocasionados por temporais, pois não são impermeáveis”, explica a pesquisadora da Unicamp. Foto: Blog Casa e Energia/Building Design(Reino Unido)
Copa do Mundo “verde” Não é apenas nas construções residenciais que o conceito de sustentabilidade veio para ficar. Para sediar a Copa do Mundo de 2014, o Brasil deve seguir uma série de normas estabelecidas pela Fifa, como, entre outras coisas, a construção e a reforma dos estádios para que eles estejam de acordo com o ideal de uma competição “verde”, ou seja, ecologicamente correta e que gere o menor impacto ambiental possível. Entretanto, os altos custos estipulados para as reformas e as construções desses estádios têm gerado questionamentos sobre a viabilidade dos projetos. E também há quem critique o oportunismo do marketing dos megaeventos. “Temos que pensar que, ao cuidar do planeta, estamos cuidando de nós mesmos e reduzindo inclusive os gastos que teremos no futuro. Eventos como Olimpíadas ou a Copa do Mundo não devem ser vistos como uma oportunidade de utilização de tecnologias mais sustentáveis. Essa atitude deve estar presente no nosso dia a dia”, defende José Kós, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Alguns estádios utilizarão energias limpas, como a eólica (do vento) e a solar. Em outros, serão utilizadas as águas das chuvas para a limpeza dos estádios, a irrigação dos gramados e nas torres de resfriamento do ar-condicionado. O estádio da Fonte Nova, em Salvador, por exemplo, terá um sistema para tratar o esgoto de pias e chuveiros, reaproveitando a água tratada e gerando, desse modo, economia. No Mineirão, em Belo Horizonte, serão usados plásticos reaproveitáveis e placas de madeira recicladas ou de reflorestamento para reformar a parte interna. Com essas iniciativas, a Fifa pretende consolidar o conceito de estádios “autossustentáveis”. Gomes, da Unicamp, aponta para as qualidades da construção desses estádios “verdes”, entre elas a reutilização de água e a economia de energia. Ela acredita ainda que o legado deixado pelas construções desses estádios será positivo, pois eles poderão ser reutilizados no futuro, trarão benefícios para o país e o meio ambiente e servirão de exemplo para a construção de outras edificações. “Quando a gente pensa nesses grandes eventos mundiais, tem-se que pensar no legado que vai ficar. Se a gente olhar historicamente, a Copa e as Olimpíadas representam uma forma de reinvenção urbana. Deve-se considerar que a cidade vai utilizar essas coisas depois. É uma oportunidade para se antecipar em décadas, por exemplo, o sistema de transporte urbano, e enxergar que as construções trarão benefícios para a coletividade, para a sociedade”, conclui. Economia e meio ambiente Vanessa Gomes relembra os primórdios das discussões sobre questões ambientais para explicar que a economia e o meio ambiente devem andar juntos quando o assunto é a utilização de tecnologias que minimizem os impactos ao meio ambiente. “As primeiras conversas sobre o assunto meio ambiente foram claramente relacionadas à energia, impulsionadas pela falta do petróleo. Tinha uma questão econômica muito presente no consumo de energia. A Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente, que aconteceu em Estocolmo, em 1972, deixou claro que, além do desenvolvimento econômico, era preciso pensar na questão ambiental”, reforça. Ela lembra que a temática “construção civil” esteve presente em outras duas conferências das Nações Unidas, no Rio de Janeiro, em 1992, e em Joanesburgo, em 2002. José Kós, da UFRJ, concorda que o meio ambiente e os aspectos econômicos devem sempre caminhar juntos. “É muito mais caro limpar do que não sujar, em curto, médio e longo prazos. Mais importante do que implementar soluções tecnológicas ditas mais sustentáveis é alterar nossos hábitos e nossa visão do que é sustentável”, explica. “A construção civil é, atualmente, e especialmente em países como o Brasil, um dos ramos de maior potencial na redução do impacto ambiental. Isso porque existem muitas possibilidades de evolução tecnológica e de comportamento, para uma relação melhor com o meio ambiente e que também geram economia nas contas no final do mês”, avalia. De acordo com a pesquisadora da Unicamp, o principal papel do marketing verde na construção civil está na conscientização. “Ele pode ter um papel educativo capaz de esclarecer ao consumidor leigo que existem mecanismos que podem ser aplicados para aumentar a sustentabilidade de um determinado empreendimento sem adicionar custos”, afirma Gomes. Contudo, a pesquisadora diz que é preciso ficar atento, pois a questão da sustentabilidade está sendo banalizada. “Às vezes o pessoal do marketing utiliza informações equivocadas, que confundem propositalmente o consumidor, criando a chamada ‘maquiagem verde’”, alerta. Kós, da UFRJ, acredita que o marketing verde pode contribuir para reduzir os impactos que causamos ao meio ambiente, mas pondera: “Ele não é a solução que necessitamos para obter resultados concretos”. Mas, afinal, como essas ideias sustentáveis têm penetrado no mercado? De acordo com Gomes, da Unicamp, uma pesquisa envolvendo vários países concluiu que 18% dos consumidores aceitariam pagar a mais por produtos sustentáveis. “No Brasil, quando se fala que vai custar mais caro, a adesão é menor de pessoas que vão optar pelas tecnologias sustentáveis”, complementa. Porém, ela comenta que, quando se explica os benefícios ambientais e nos casos em que o valor é o mesmo das construções convencionais, as pessoas costumam aderir a essas tecnologias. “Tudo depende do nível de sensibilização do consumidor. Se ele estiver esclarecido e sensibilizado, ele aceitará bem”, aponta. Grandes eventos dedicados a arquitetura, decoração e paisagismo têm sido espaços significativos para esse tipo de sensibilização. Em 2009, no Casa Cor Campinas, as arquitetas Renata Marangoni e Eloisa Kempter apresentaram o projeto de uma casa infantil sustentável, a “Casa Sapo”, utilizando apenas materiais reciclados ou recicláveis. Para realizar o projeto, elas usaram madeira reciclada no piso, telhas de fibra vegetal na cobertura da casa e caixas Tetrapack no revestimento.
“Casa Sapo”. Foto: Roberta TojalAs certificações verdes O consumidor tem como saber se um projeto é de fato sustentável ou se o marketing verde o está levando a comprar “gato por lebre”? Segundo Gomes, da Unicamp, há algumas formas de se atestar que determinado material utilizado na construção é sustentável ou não. Um modo de saber os impactos ambientais de um certo material é analisando o seu ciclo de vida. “Você deve colocar na ponta do lápis desde a extração de material até a implementação nas construções e a vida útil que eles têm. É preciso ver também quais foram os impactos para produção de um certo material”, explica. Outras formas eficientes de certificar a sustentabilidade ou não dos materiais é através das normas ISO. “Esse selo é o ideal porque, mesmo que o público leigo não entenda, os projetistas vão saber o que é melhor em termos de sustentabilidade e saberão como melhor utilizar um determinado material. Isso é fundamental para orientar um projeto”, acredita. Todavia, na opinião de Kós, da UFRJ, é preciso aumentar o leque de informações aos usuários. “A certificação de materiais não possui a profundidade ou mesmo o alcance necessários”, afirma. Vale salientar que, no Brasil, certifica-se que determinada construção é ou não sustentável a partir do selo LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), concedido pelo Green Building Council (GBC) Brasil.
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