10/10/2016
É possível existir agroecologia
sem o movimento camponês?
Não. O movimento agroecológico não se
realiza sem uma cultura camponesa, comprometida com a manutenção da vida na
terra, com a terra e a partir da terra. Então, pensarmos numa agricultura de
commodities agroecológicas ou agroecologizada é pensarmos pela metade sobre o
que a agroecologia nos traz como provocação, reflexão, como proposta de mudança
na relação atual não só com a terra, não só com o ambiente rural, mas com a
existência humana.
Qual o papel da educação
ambiental para a expansão da agroecologia?
Estimular e apoiar a organização de
agricultores e agricultoras e contribuir para que a sociedade envolvida, os
consumidores, compreendam a importância de alimentos saudáveis, do equilíbrio
dos sistemas naturais, de nos contrapormos aos interesses hoje hegemônicos da
nossa sociedade, de patenteamento da vida, de sementes e de espécies de uma
forma geral. É necessária uma ação de contraponto a isso que é vendido como
sendo a ciência redentora da humanidade. Com educação ambiental é possível as
pessoas visualizarem as dificuldades que emergem e podem emergir, as disfunções
dessas tecnologias e as más intenções de vendedores de soluções rápidas e
simples. O papel da educação ambiental é possibilitar que haja uma reflexão crítica,
contextualizada e histórica, sobre as alternativas ao agronegócio, à
agricultura convencional.
Como as políticas de
planejamento territorial têm inserido a agroecologia na ocupação dos espaços?
Não
têm inserido. Quando há essa política, têm uma compreensão muito restrita do
papel da agroecologia para o planejamento adequado e sustentado de um
território. Consumimos no dia a dia inúmeros produtos que vêm da árvore, da
floresta, como papel higiênico, palito de fósforo, palito de sorvete, móveis,
frutas. Temos a oportunidade, aqui no Brasil, de conviver com uma diversidade
que nos oferece generosamente inúmeros frutos, mas ignoramos, vivemos com enormes
monoculturas e precisamos importar produtos florestais. Então, para falar de planejamento
territorial agroecológico, temos que começar a pensar na presença das árvores
no cotidiano, desde a arborização urbana, das áreas de lazer, para que as
pessoas possam se deslocar rapidamente até áreas naturais, com o bem-estar
psicológico e físico que as árvores fornecem; até a arborização de fundos de
vales que evitem a erosão, o assoreamento dos rios; a arborização que forneça
madeira, carvão e madeiras dos mais diversos tipos para utilização. Um
planejamento territorial que ignore isso não é planejamento territorial, e
muito menos agroecológico.
É possível transmitir amor
e conexão pela terra por meio da educação ambiental?
Depende de qual educação ambiental. Se
for uma livresca, conteudista, prescritiva, eu diria que não. Ela pode falar
sobre amor e conexão à terra, mas para que isso ocorra de fato, é necessário que
a educação ambiental também se revitalize, no sentido de possibilitar aos
professores e educadores em geral, não somente aos comunicadores que estão nos meios
de comunicação, que eles se percebam como artífices de um processo educador no
qual as pessoas aprendam com as mãos, aprendam fazendo, aprendam se
transformando. Esse processo precisa ter uma qualidade que está distante dos nossos
bancos escolares, e mesmo do universo de compreensão sobre o que é educação
hoje. Há um empobrecimento da compreensão educadora como uma ação pragmática de
formação de mão de obra para o mercado.
O movimento camponês tem
sua “própria” educação ambiental? Como essa educação fortalece o movimento
agroecológico frente ao agronegócio?
Parte do movimento camponês mais
progressista, mais mobilizado, muitas vezes entra nesse campo da educação com
os preconceitos vendidos pela mídia hegemônica, que diz que a educação
ambiental tem compromissos apenas com a proteção do mico leão dourado, com as
espécies animais e vegetais, não compreendendo o compromisso profundo com a vida.
Compreender essa diversidade de fazeres ambientalistas, com ecologistas e
educadores comprometidos, é um primeiro passo para que o movimento camponês
adote uma educação ambiental que caminha pela transformação social, justiça social,
que inclui bandeiras como a reforma agrária, a reforma agrícola, que
possibilite ao agricultor viver na terra, com a terra e da terra,
possibilitando alimentos saudáveis, bens ecossistêmicos para toda a humanidade.
Essa educação ambiental precisa ser compreendida pelo movimento camponês, e
esse movimento camponês precisa separar o joio do trigo e se apoderar da
educação comprometida com esses ideais.
A educação formal das universidades,
sobretudo das agrárias, fortalece o agronegócio? Como a educação ambiental pode
contribuir no entendimento dos impactos negativos do agronegócio?
Ela fortalece o agronegócio, e a
educação ambiental contribui para essa leitura crítica. Para maior presença
dessa vertente comprometida com a agroecologia, ela precisa estimular as
universidades e as instituições de educação superior a se ambientalizarem. Ambientalizar
o curriculum das universidades, a pesquisa, a gestão e a extensão significa
trazer uma agenda mais ampliada do que fazem. Hoje, poucas instituições trazem
para a sua agenda a questão ambiental, e ainda trazem de uma forma tímida,
reduzida, sequestrada por uma compreensão estandardizada do que é
ambientalizar. Existem algumas redes que compreendem isso de forma ampliada,
mas não conseguem percolar a gestão das universidades, então o máximo que conseguimos
são algumas declarações bonitas sobre ambientalizaçao universitária, que não
correspondem à mudança efetiva no cotidiano da universidade, nem na gestão, nem
na pesquisa, nem na extensão.
É possível, e me parece que o papel da educação
ambiental hoje é dialogar com as universidades, com os gestores, com os
professores, servidores e estudantes para a construção de programas
universitários de educação ambiental que coloquem essa agenda e estabeleçam
estratégias para a transformação do fazer cotidiano dentro da universidade.
Na ESALq, na USP como um todo, estamos construindo
a política ambiental. Os setores mais progressistas, mais comprometidos com o ambientalismo
das universidades, são convocados a pensar estratégias, caminhos, que permitam
mudanças culturais mais profundas dentro da instituição de educação superior, para
que ela efetivamente se comprometa com essa proposta agroecológica e
ambientalista que tanto almejamos.
Como podemos ampliar a
participação do camponês e das pessoas com forte conexão com a terra como
professores de educação ambiental?
Essas pessoas já são professores de
educação ambiental e agroecologia, elas têm as mãos na terra e fazem
cotidianamente iniciativas comprometidas com a agroecologização do planeta, são
verdadeiros educadores. O que falta na universidade é reconhecermos isso e
criarmos situações de ensino e aprendizagem que possibilitem o contato dos
estudantes, professores e servidores com essa realidade, com essas emergências
de conhecimentos e ações comprometidas com a transição agroecológica. Ampliar
as conexões entre a universidade e essas pessoas significa reconhecer o papel
educador delas e, ao mesmo tempo, ampliar a nossa capacidade educadora para
além dos livros, pra além da sala de aula, conectando a universidade com essas
inciativas e, ao mesmo tempo, potencializando essas iniciativas como um saber
científico, como um saber setorial que muitas vezes é profundo dentro da
universidade e acaba não sendo disponibilizado para essas populações, porque
eles também não têm todas as soluções da transição agroecológica. Muitas vezes, eles encontram dificuldades relacionadas a conhecimentos específicos no campo
do solo, das plantas, da entomologia etc, e nós, no nosso cotidiano acadêmico,
acabamos sequestrados por um tipo de pesquisa comprometido apenas com o grande
capital.
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