A tirada de Bernard Shaw sobre generalistas e especialistas pode nos servir de introdução para a reflexão sobre os novos métodos de ensino e aprendizagem que se desenvolveram a partir do fenômeno da globalização e, no caso especial de que vai tratar este número da revista ComCiência, da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP).
Bernard Shaw dizia que a diferença entre generalistas e especialistas consiste em que estes, os especialistas, sabem cada vez mais sobre menos, até saber tudo sobre nada; enquanto que aqueles, os generalistas, sabem cada vez menos sobre mais, até saber nada sobre tudo. O humor e a ironia da distinção não impedem, contudo, que a tirada nos leve a uma reflexão sobre o comportamento de todo o processo relativo ao conhecimento que se desenvolve, em particular, a partir da segunda metade do século XX, culminando, no final desse século e no início do século XXI, com a expansão e com a implantação do que passou a chamar-se sociedade do conhecimento, ou economia do conhecimento.
Sabe-se que um dos fatores fundamentais para a consolidação dessa sociedade foi o alto desenvolvimento das tecnociências, em especial das novas tecnologias de informação e de comunicação (NTICs). E isso por muitas razões, entre elas certamente as que estão ligadas à procura das condições de livre circulação do capital financeiro em todo o planeta e, consequentemente, da possibilidade efetiva de participação direta dos diferentes países do globo no processo de expansão do novo capitalismo, assentado sobre as bases dessa nova economia e da nova sociedade que foram então se configurando.
O processo do conhecimento, nele incluída a relação de ensino e aprendizagem, conheceu nessa sociedade, desde o início, alguns mantras que passaram a ser repetidos como que rituais necessários e indispensáveis para a instauração do novo. Entre esses mantras, um deles é o de “aprender a aprender”. Contudo, mais do que um mantra, esse slogan anunciava uma nova preocupação com as metodologias de ensino e apontava para uma dinâmica de interação necessária entre os atores do processo de aprendizagem, enfatizando em primeiro lugar a substituição, enquanto valor permanente, do diploma pela educação contínua. Em segundo lugar, o papel dos estudantes na relação com o professor, alterando, desse modo, o processo de ensino baseado preferencialmente na relação daquele que sabe e que vai fazer saber com aqueles que ainda não sabem.
Do ponto de vista epistemológico, uma das características do conhecimento no mundo contemporâneo é a de que o desenvolvimento de novas áreas e de novas fronteiras se faz, contrariamente ao que ocorreu no século XIX e em parte do século XX, sob o paradigma positivista das ciências, por agregação e não por seccionamento e compartimentação. Daí o caráter interdisciplinar e multidisciplinar do conhecimento na contemporaneidade. Disto resultando a necessidade de, na distinção de Bernard Shaw, imaginarmos um ator do conhecimento que congregasse nos seus caracteres, ao mesmo tempo, o generalismo e a especialidade, e fosse, dessa forma, um especialista generalista ou, ao contrário, e no mesmo sentido, um generalista especialista.
Nos anos 60 e 70, a Universidade de McMaster, no Canadá, e a Universidade de Maastricht, na Holanda, criaram e desenvolveram uma metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), que logo se difundiu por várias instituições em todo o mundo e que teve no Brasil também uma grande acolhida, conhecendo experiências importantes e de sucesso no que diz respeito aos resultados de sua aplicação. É o caso das experiências da Universidade Estadual de Londrina (UEL), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), entre outras tantas, e em particular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).
A ABP procura conciliar no processo de ensino e aprendizagem a relação prática-teoria-prática, de modo que, partindo dos problemas que pertencem ao universo social do conhecimento dos estudantes e de sua vivência, busca, através da agregação de informações e de formulações críticas e teóricas, soluções que possam contribuir não apenas para a compreensão e o entendimento do problema, mas também para a sua solução, enfatizando a relevância das questões envolvidas para a vida social dos estudantes e das comunidades em que eles se inserem.
A EACH-USP adotou o paradigma da ABP depois de tê-lo trabalhado, estudado e implantado como experiência de sucesso para os cerca de cinco mil estudantes que frequentam a instituição, e é o relato crítico, através de diferentes contribuições e artigos sobre o tema, que este número da ComCiência traz agora ao leitor.
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