REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Notícias
Busca:

    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Notícias
Literatura gamer cria novo perfil de leitor
Por Juan Mattheus
25/10/2016

A partir de uma situação presenciada em sala de aula, a pesquisadora da Faculdade de Educação da USP, Aline Akemi, buscou compreender as narrativas transmidiáticas que constroem novas práticas sociais de leitura e, por conseguinte, novos perfis de leitor.

 

A situação a qual Akemi se refere – e que deu origem a sua tese de doutorado – aconteceu quando lia uma história do livro Contos de morte morrida, de Ernani Ssó, para alunos do terceiro ano do ensino fundamental. Quando o termo “gadanha” surgiu, um dos alunos apontou um jogo bastante popular, sobre mitologia grega. “Um deles levantou a mão e disse: gadanha é aquela arma que a Morte carrega, é tipo uma foice. É uma arma legal. Eu uso no God of War”.

 

Segundo ela, é perceptível que o interesse pelos livros diminui conforme os alunos entram na adolescência, mas a vontade de retomar o hábito de ler retorna a partir de outros aspectos, como a leitura de best-sellers do momento (Harry Potter, Crepúsculo) e também a chamada literatura gamer.

 

"Os alunos buscavam esse tipo de publicação mesmo que não gostassem ou não jogassem os games que serviram de base para os livros. Esse fato curioso, somado aos inúmeros momentos em sala, em que os alunos gamers se destacaram por seu conhecimento de assuntos variados, foram, aos poucos, me conduzindo para o tema da pesquisa”, diz.

 

Akemi considera como literatura gamer os romances, graphic novels (um romance produzido em quadrinhos), os próprios quadrinhos e contos que possuem uma relação direta com algum jogo. “Seja porque reconta sua narrativa (como os romances de Assassin's creed, por exemplo), ou porque lhe dá continuidade (como os romances de Starcraft), ou o reinventa, mantendo alguma relação de similaridade, como uma recriação no mesmo universo (como o romance de Uncharted)”, detalha.

 

A pesquisadora aponta também a estratégia da indústria editorial de investir cada vez mais em livros baseados em franquias de games. “Por que lançar livros voltados para jovens que, supostamente, não leem? Afinal de contas, não há investimento que não vise ao lucro. O que nos leva a pensar que a indústria sabe que o jovem é leitor e que consumiria tais produtos, caso fossem disponibilizados”, aponta Akemi.

 

É uma literatura válida?

 

Seguindo a mesma linha de pensamento que a pesquisadora da USP, Maria Aurora Neta, pesquisadora da Universidade Estadual de Goiás, afirma em sua pesquisa “O jovem (não) gosta de ler: um estudo sobre a relação entre juventude e leitura, que proporcionar espaço para discutir essas obras em sala de aula significa pensar que é possível construir uma relação entre o jovem e a leitura, entre o desejo e o saber.

 

“Os jovens alunos, além das leituras escolares, leem livros, jornais, revistas e, na internet, interagem com as mais diversas leituras; criticam a forma como os professores desenvolvem a leitura na sala de aula e apontam alguns caminhos sobre essa questão quando sugerem algumas atitudes que os professores podem tomar ao propor e realizar as práticas de leitura na escola. E, a esse respeito, fica evidente, também, que os jovens querem ser ouvidos, querem participar, e que não desejam a passividade”, afirma Neta em sua pesquisa.

 

Akemi leu muitos livros relacionados a jogos e não vê esse tipo de literatura de forma ruim. “Não foi nenhum sacrilégio, aliás, alguns foram bastante divertidos e gostosos de ler. Claro que, como professora de língua portuguesa, não posso querer iludir nem a mim nem aos demais quanto à qualidade dessas publicações. São produtos da indústria cultural e devem ser lidos como tal. Mas também não posso simplesmente dizer que não têm valor”, pontua.

 

A pesquisadora conclui que a leitura exigida pelas narrativas transmidiáticas é algo que nem todos alcançam, mas os adolescentes a compreendem, fazem suas conexões, debatem e recriam. “Para eles, a literatura gamer tem valor, ela os está trazendo de volta, mesmo que brevemente, para o mundo dos livros, então tenho uma visão positiva”, completa.