O
Plano Nacional de Educação (PNE), enviado ao Congresso Nacional no fim de 2010,
deveria estar em vigor desde janeiro deste ano, mas está atrasado devido às
muitas emendas que foram propostas. O plano contém 20 metas que deverão ser
cumpridas até 2020 e irá substituir o anterior, que tinha 296 objetivos para
nortear o planejamento da educação no Brasil, da creche à pós-graduação. Dentre
os motivos para o fracasso da experiência precedente estão a falta de previsão
orçamentária – no próprio plano para sustentar as ações previstas –, e o
excesso de metas incluídas, muitas sem possibilidade de aferição de
cumprimento, como aponta Maria Luiza Flores, da área de política e gestão da
educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Essas são
questões retomadas nos debates do plano e que, em parte, estão espelhadas nas
emendas em discussão.
A
polêmica maior diz respeito aos recursos a serem utilizados para a execução do
plano. A princípio seriam destinados até 7% do PIB nacional, sendo que esse
valor pode mudar durante os dez primeiros anos. As críticas surgiram da
consideração, por vários grupos, desse valor como insuficiente para atingir
todas as metas propostas, e da possibilidade real antevista por eles de que o
governo tem condições de destinar mais do que 7% do PIB para essa área. Flores
acredita que esse seja o ponto mais sensível da discussão. “Temos um grande
impasse, marcado por forte mobilização de entidades e pessoas ligadas à
educação, porque sabemos que sem financiamento adequado, não poderemos fazer
uma educação de qualidade como o Brasil precisa e como nossos estudantes têm
direito”.
Helena
de Freitas, assessora da Secretaria de Educação Básica, do Ministério da
Educação, concorda com o aumento do orçamento. “Este é um dilema com o qual nos
defrontamos há décadas, mas teremos que enfrentá-lo de forma decisiva com a
elevação do percentual de 7% para 10%, no mínimo, se quisermos efetivamente
construir a educação pública, laica e gratuita, de qualidade e socialmente
referenciada”, diz ela.
Já
para Daniel Cara, cientista político e coordenador geral da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação, o valor mais alto ocorre pela falta de investimento na
área educacional ao longo dos anos. Para ele, não é possível recuperar décadas
de atraso sem um esforço mais arrojado. “Se o país investir 10% do PIB em 2030
é possível alcançar um padrão de qualidade equivalente aos países mais
desenvolvidos do mundo. Com apenas 7%, só em 2050 esse patamar seria possível.
E isso aconteceria porque o Brasil tem um envelhecimento rápido de sua
população”, disse.
Emendas
apontam necessidades e debates No Brasil, uma lei, para ser aprovada, segue um
sinuoso caminho pelas esferas democráticas, passando por diversas comissões e
votações. Enviado em 20 de dezembro de 2010, pelo então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, o PNE foi protocolado como projeto de lei número 8035/2010.
Desde então, 2.906 emendas parlamentares foram feitas, sendo que Fátima Bezerra
(PT-RN) apresentou 515 emendas. Oitenta e seis deputados inseriram emendas no
texto enviado pelo governo. Mais da metade das 2.906 emendas foram de deputados
do PT, PCdoB e PDT (base aliada) e PSOL (oposição).Gráfico
baseado nas informações disponíveis no website da Câmara
dos Deputados. A partir de dados disponíveis até o fechamento desta edição. De
abril a setembro de 2011, o projeto de lei ficou sendo debatido em uma comissão
especial. Ao todo, foram realizados 18 seminários estaduais em capitais como
São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Vitória e Salvador e 13 audiências públicas.
A comissão especial ainda ouviu uma série de representantes de entidades
relacionadas com saúde, políticos, economistas e representantes de movimentos
estudantis – uma pluralidade que se refletiu nas quase três mil novas propostas
de alterações feitas.
Segundo
Maria Letícia Nascimento, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(USP), as emendas tornam plano mais condizente com as necessidades educacionais
nacionais. “O PNE deve ser resultado de ampla discussão de toda a sociedade.
Ele acabou sendo encaminhado ao Congresso com uma redação que não atendia às
discussões realizadas, daí as intervenções”, disse.
Os
temas mais modificados foram os artigos 2 e 11.1, citados cada um dezessete vezes.
O primeiro trata da equidade, respeito à diversidade, gestão democrática da
educação – com os deputados incluindo no texto a questão da escola pública ser
laica. O segundo aborda a expansão das matrículas de educação profissional
técnica de nível médio nos Institutos Federais de Educação (IFEs).
No
entanto, os conteúdos mais polêmicos estão concentrados nos artigos 8, 4 e 20.1,
com 16 emendas para o primeiro e 14 para cada um dos dois últimos. O artigo 8
aponta que planos de educação nos estados e municípios deverão ser feitos a
partir da participação da sociedade, trabalhadores da educação, estudantes,
pesquisadores e gestores. Já os artigos 4 e o 20.1 estabelecem que a União deve
propor uma emenda constitucional, após aprovação do plano, com objetivo de
elevar a vinculação de impostos e transferências para manter e desenvolver o
ensino, sendo que, a cada dois anos, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep) deve publicar estudos para analisar a evolução no
cumprimento das metas do PNE. As emendas ainda devem ser votadas pelos deputados.
Outro
ponto que tem gerado muita discussão diz respeito à meta que cria a necessidade
de pactuar as responsabilidades entre os municípios, estados e o governo
federal para a universalização da educação da população de 4 a 5 anos até 2016
e a oferta de creches para 50% das crianças de 0 a 3 anos. O problema é que a
diferença de arrecadação entre esses entes criaria uma desigualdade e alguns
municípios e estados não poderão arcar com as despesas de um ensino de melhor
qualidade e universal. Para Andréa Gouveia, da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), a União é que deveria se encarregar dessas despesas. “É inegável que a
responsabilidade da educação básica está nos municípios e estados e eles já
estão com a corda no pescoço. O fator que vai impulsionar essa melhora na
qualidade e no maior atendimento das escolas de educação infantil é o
financiamento da União”. De acordo com a emenda, será necessário rever e
alterar o peso da participação da União no financiamento da educação básica e
também estimular que estados e municípios com maior poder de arrecadação contribuam
com os de menor poder.
Andréa
Gouveia também sinaliza para a discussão da ausência de metas intermediárias no
plano. “Fazer planejamento de maneira séria significa criar elementos de
controle transparentes e tornar seus resultados públicos, para que a população
possa cobrar nas instâncias devidas os esforços que precisam ser feitos para o
cumprimento das metas”, disse. Segundo a professora da UFPR, um monitoramento
mais eficaz colabora para facilitar seu controle pela sociedade e, principalmente,
nas trocas de governo.
A
única medida de controle prevista é o Inep produzir, a cada dois anos, um
estudo para analisar o cumprimento das metas, em termos quantitativos e
qualitativos. Os especialistas consultados são unânimes em criticar a falta de
rigor de avaliação. “Essas medidas são fundamentais para o controle social e é
uma irresponsabilidade lançar um plano sem ter capacidade de aferir se ele está
sendo cumprido ou não”, afirma Daniel Cara.
Já
para a professora Maria Luiza Flores, um sistema de avaliação precário irá
atrapalhar municípios e estados. “Os levantamentos que o Inep poderá
desenvolver, tanto em relação a aspectos quantitativos sobre o acesso à
educação infantil – considerando as diversidades do território nacional – quanto
nos aspectos qualitativos em relação a essa oferta, com base no Censo
Educacional e em seu know-how no trabalho com bancos de dados em nível
nacional, são indispensáveis para que os gestores municipais e estaduais tenham
referências para orientar a implementação de suas políticas”, conclui Flores.
O
relator do projeto, deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), informou, por meio de sua
assessoria, que deve entregar o texto com as emendas até outubro. Após a
entrega, os deputados da comissão têm cinco sessões para que novas resoluções
sejam propostas, as quais o relator deverá reavaliar. A expectativa é que o
texto final seja votado até novembro. Se for aprovado em plenário, sem nenhum
recurso para ser analisado novamente, o projeto é encaminhado ao Senado e
depois para a sanção presidencial.
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