Inovação e risco são intrínsecos. Contrariando o senso comum de que o risco não é bem vindo, na área de inovação tecnológica e científica trabalhar em um cenário de risco não é encarado como algo negativo, mas como parte integrante do processo. O sucesso e pioneirismo que o etanol da cana-de-açúcar atingiu no país e exterior, como uma das maiores apostas de alternativa ao combustível fóssil, prova isso. “Quanto maiores os riscos, maiores as probabilidades de ganho”, afirma a professora Daisy Rebellato, que trabalha junto ao Departamento de Engenharia de Produção da USP de São Carlos. No Brasil, quem mais aposta no investimento para a inovação é, sobretudo, o setor público, diferentemente de países desenvolvidos, nos quais há uma participação ativa do empresariado.
Ao se falar de inovação tecnológica é preciso entender o nível de incerteza ao se tentar criar algo totalmente inédito. Um produto, processo, uma nova ferramenta ou a inovação de um modelo de negócio como a tentativa de se posicionar dentro de um novo mercado, por exemplo, precisam lidar com riscos. Mesmo o conceito de sucesso e falha, dentro de um ambiente de risco, tem que ser relativizado. De uma forma geral, o sucesso imediato é sinônimo de retorno financeiro, mas em algumas áreas (como a ambiental) o sucesso pode vir a médio ou longo prazo. “Veja o exemplo da energia eólica. É um produto inovador e bem sucedido em termos ambientais, porém ainda é economicamente pouco sucedido”, comenta Thales de Andrade, cientista social da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Na contramão, está o exemplo do automóvel, lembra o pesquisador, que demanda um combustível difícil de ser obtido, é poluente, tem baixíssima reversibilidade tecnológica, além de forçar o poder público a investir constantemente em infra-estrutura e estradas. “Mas é um sucesso econômico”, diz.
Outros fatores de risco devem ser considerados como a aceitação pelo mercado, que é definido pelo contexto social. Mas, mesmo com tantos obstáculos, por que a inovação tecnológica continua rentável e atraente? O mercado altamente competitivo pode ser uma das respostas. “Num ambiente em constante mudança nos mais diversos níveis, com muita competição em inovação, quem chega primeiro tem vantagem para explorar os frutos”, diz Marcos Brefe, gerente coordenador do Instituto ParqTec de Design, em São Carlos. Por outro lado, exatamente pela alta competividade, o tempo para explorar uma inovação comercialmente é muito reduzido, seja porque outros em breve chegarão aos mesmos resultados, ou vão licenciar a inovação e competir na mesma escala. De qualquer forma, as inovações tecnológicas tendem, rapidamente, a se tornar commodity, gerando novas necessidades de inovação em um ambiente de alto risco.
Risco mitigado, mas não controlado
Para que o ambiente de inovação seja mais eficiente e garanta (ou melhor, indique uma forte tendência de) maiores lucros, entram em cena as equipes de análise de risco que, segundo Daisy Rebellato, devem ser multidisciplinares, abrangendo profissionais com visões diversas. As equipes, defende, não devem ser submetidas a regras muito fixas de atuação, mesmo porque, como pontua Thales de Andrade “inovação não pode ser burocratizada, submetida a parâmetros antes mesmo do início. Sem risco se cria um ambiente asfixiante”.
De modo geral, avalia Rebellato, é possível mitigar o risco durante quatro etapas do processo de inovação. Num primeiro momento, é preciso fazer um estudo dos pontos frágeis e que podem inviabilizar completamente o processo. A seguir, é preciso avaliar o grau de dano dos eventos identificados e, então, criar gerências dos eventos danosos ao projeto. Isso é crucial para o investidor, pois, nesse momento, a criação de ferramentas de gerenciamento significa medir a capacidade de investimento econômico da empresa investidora na mitigação dos riscos e o quanto isso pode se transformar em déficit ao se olhar o panorama geral do projeto. Depois, o grupo de análise identifica os mecanismos de controle de riscos no âmbito de mercado, de produção e riscos financeiros (como capacidade dos contratantes honrarem os compromissos até o final do processo). A partir desse ponto, investimento feito e concluída a geração de potenciais inovações, começa um outro jogo, agora na esfera social, quando, a partir do contato com a sociedade, os riscos passam a ser da alçada das agências reguladoras civis (como o Procon, ONGs e associações) ou governamentais.
Desertificação e burocracia
No caso brasileiro, as universidades também são ambientes tanto de mitigação quanto de assimilação de riscos. Isso porque, ao contrário de modelos como o europeu ou o norte-americano, onde o empresariado assume para si toda a cadeia de inovação, no Brasil, o poder público é obrigado a agir também fazendo os investimentos financeiros em pesquisa, processo geralmente intermediado por agências de transferência de conhecimento (como a Inova, da Unicamp, e a Intelecto, da Universidade Federal de Uberlândia) ou agências de fomento.
A mitigação dos riscos fica por conta da ação de comissões de ética e pesquisa dentro das instituições. “Na universidade pública o risco, de certa forma, é diluído, pois existem ambientes criados exatamente para esse fim e que recebem, muitas vezes, verbas a fundo perdido para determinadas áreas”, descreve Eduardo Nunes Guimarães, pró-reitor de pesquisa e graduação da Universidade Federal de Uberlândia, a qual a agência Intelecto está ligada. “Para a Intelecto, por exemplo, o sucesso está ligado a colocar um produto, que é fruto de pesquisa dentro da universidade, em contato com a sociedade, além de evidenciar a origem dos atores envolvidos no processo de inovação. Um produto, após ser patenteado e transferido para o setor de produção, fica a disposição da sociedade que, indiretamente, o financiou”, afirma Guimarães.
O revés desse tipo de política é o que Andrade chama de “risco de desertificação tecnológica”, ou seja, áreas sem muito investimento do poder público têm menos propensão à inovação. “Áreas como nanotecnologia, biotecnologia, tecnologias da comunicação recebem, atualmente, grande volumes de verba pública e, sem um empresariado ativo, outras áreas acabam se ‘desertificando’”, lamenta. Outros problemas desse modelo também são apontados por Brefe: “nos programas de fomento do governo, o risco está nos critérios de avaliação, no excesso de burocracia, na morosidade de aprovação e liberação de recursos, no engessamento da utilização de recursos, nos projetos apoiados sem uma adequada avaliação de mercado e da capacidade dos pesquisadores em desenvolvimento de produto, que é muito diferente de desenvolvimento de tecnologia”, enfatiza.
Mas esse cenário também está sujeito a inovações. Daisy Rebellato indica que uma saída para essa herança de dependência do poder público está nos fundos mistos de investimento no qual as empresas se associam ao governo para destinarem verbas a temas de interesse na área de inovação tecnológica.
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