O ano de 2006 foi importante para a aviação brasileira, pelo positivo e pelo negativo.
Primeiro, foi um ano pleno de comemorações pelo centenário do primeiro vôo autônomo da história, tendo como personagem o 14-Bis e como protagonista o seu inventor, Alberto Santos Dumont.
Foi, contudo, um ano marcado pela dimensão do terrível desastre que vitimou 154 pessoas que se encontravam no avião da Gol que se chocou com o jato executivo Legacy, fabricado pela Embraer e pertencente à uma companhia aérea norte-americana.
Este acidente desencadeou uma crise tal na aviação comercial do país que acabou por revelar as sérias deficiências do sistema de transportação aérea até então não suspeitadas nem pelos meios de comunicação, nem pela opinião pública nacionais e até mesmo desconhecidas - o que é paradoxalmente descabido - pelas instituições e autoridades responsáveis do setor.
Apesar disso, a aviação comercial brasileira cresceu 12,3% em 2006, não tanto quanto os 19,4% de 2005, mas cresceu. E esse crescimento agravou a crise porque contribui, conjunturalmente, para acentuar o congestionamento de passageiros nos aeroportos em filas intermináveis, todas conduzindo à frustração, ao desespero, ao desencanto.
O brasileiro que viaja, em geral o brasileiro de classe média para cima - sem intenção de trocadilho com o vôo dos aeroplanos -, já se habituou, melhor dizendo, já se resignou com a inexistência de transporte ferroviário no país e com o estado calamitoso de nossas rodovias, exceção feita a São Paulo e ao sistema concessionário de estradas de excelente qualidade de manutenção e de funcionamento.
Daí, entre outras coisas, a explicação para o acima aludido crescimento da aviação comercial do país.
Entretanto, com o apagão produzido após o acidente com o boeing da Gol e agravado pela gestão temerária do "overbooking" da TAM no Natal, uma nova decepção juntou-se a tantas outras que acompanham o brasileiro em sua saga paradoxal de crença na democracia e descrença nas suas instituições.
A saúde é precária, o ensino é deficiente, a segurança é periclitante, o trabalho e o emprego, difíceis, a moradia, um sonho como aspiração, um pesadelo como realidade, e a locomoção, por qualquer meio de transporte, um horror, incluindo agora o avião.
Desse modo, o transporte público, como instituição, entra também no rol das profundas desconfianças do cidadão brasileiro, contribuindo para enfatizar o paradoxo de nossas crenças democráticas e do descrédito crescente de suas instituições, tal como se pode constatar pelos resultados da pesquisa recentemente concluída sobre A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas coordenada pelos professores José Álvaro Moisés, da Usp, e Rachel Meneguello, da Unicamp.
O ano de 2006 não foi ruim para a aviação comercial no Brasil; a aviação comercial foi péssima para com os brasileiros usuários do sistema e pior ainda como exemplo negativo a reforçar a descrença do cidadão em nossas instituições democráticas.
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