Após 20 anos da realização da Rio 92, ou às vésperas da Rio+20, o cenário da preservação ambiental não parece muito animador, seja ao constatarmos a persistência ou agravamento de problemas, ou ao notarmos que as soluções são, em geral, marcadas pelos mais diversos tipos de dilemas.
Dados do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos e do Banco Mundial indicam que, anualmente, as populações humanas crescem à taxa de 1,3%. Atingimos em 2011 a marca de 7 bilhões de habitantes no globo, a maioria buscando morar nas cidades, responsáveis por 75% do consumo de energia do mundo e pela emissão de 80% de dióxido de carbono, CO2. O aumento do número de megacidades (conglomerados com mais de 10 milhões de habitantes) em 110%, de 1990 a 2010, também é um indicativo do maior número de pessoas em áreas urbanas. Segundo a ONU, o aumento populacional nessas áreas produz problemas estruturais e impactos ao ambiente que acabam influenciando negativamente a qualidade de vida dos moradores, como concentração de lixo, disponibilidade de água e poluição do ar, e ainda aumentam a probabilidade de desastres naturais, tais como inundações e deslizamentos de terra. De acordo o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, de 1992 até hoje o número de desastres naturais dobrou (de 200 para 400) e, em 2010, grande parte deles foram atribuídos a danos ambientais, como mudanças de temperatura e degradação de ecossistemas, consequências típicas da vida urbana.
À medida que as sociedades crescem, a demanda por materiais básicos também aumenta, uma vez que são necessárias novas moradias, mais alimento, ou melhorias no transporte, dentre outros. Uma análise realizada entre os anos de 1992 e 2005 mostrou que a demanda por combustíveis fósseis e minérios para a construção e indústria aumentou 41%. A produção de cimento, essencial para as obras de construção, cresceu 230% de 1992 a 2008, conforme o Centro de Análises de Informação sobre Dióxido de Carbono (CDIAC). Embora útil, o cimento, ao ser produzido, é uma das principais fontes de CO2 e outros gases, contribuindo generosamente para o aumento da temperatura da Terra, que segundo o Laboratório de Pesquisas de Sistema da Terra (ESRL), subiu em média 0,4 o C, de 1992 a 2010.
O aquecimento global contribui para efeitos adversos em todos os cantos do planeta, como por exemplo, o derretimento de geleiras (perda de 0,7m da camada de gelo, de 2002 a 2007), que, de acordo com o Serviço Mundial de Monitoramento de Geleiras não só influencia as correntes marítimas como traz alterações para a vida de pessoas que dependem desse suprimento de água nas estações de seca. Outro exemplo, é o aquecimento do mar (passou de 0,22 para 0,5 o C), que, somado à ação direta do CO2, provoca modificações sensíveis nos organismos aquáticos, como alteração da constituição física, especialmente os corais, e também a desregulação da cadeia alimentar marítima, acarretando potenciais danos à pesca. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que a depleção dos estoques mundiais de peixes atinja 500 milhões de pessoas mundo afora, desde os que trabalham com aquicultura até aqueles que necessitam dessas espécies para subsistência.
Para agravar o problema, um atenuante das elevações de temperatura está sendo gravemente atacado: as florestas, que perfazem 30% da cobertura vegetal terrestre. De acordo com a FAO, de 1990 para cá, perdemos 300 milhões de hectares de área florestal e milhões de florestas tropicais são eliminadas anualmente para dar lugar à agricultura e pastagens, ou são degradadas para extração ilegal de madeira. Esse revés acarreta, além do aquecimento, efeitos adversos para a manutenção da biodiversidade mundial, que, segundo dados da rede internacional World Wildlife Fund (WWF) e da Sociedade de Zoologia de Londres declinou 12%, sendo que a cada ano 52 espécies de vertebrados entram na lista vermelha (a Red List), ou seja, aproximam-se de serem exterminados da natureza. Uma investigação ("The impact of conservation on the status of the world's vertebrates"; Science, 330, 1503-9) revelou que um quinto dos vertebrados existentes já está enquadrado na categoria "ameaçados de extinção" (13% aves e 41% anfíbios).
Cláudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da rede WWF-Brasil avalia que ainda que as taxas de reflorestamento venham melhorando (aumento de 4,6 milhões de hectares por ano, conforme a FAO), e o "desmatamento esteja sendo reduzido, estimulado por países como o Brasil, ainda há muito a ser feito".
Algumas soluções e muitos dilemas
Apesar da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima ter inspirado as diretrizes do Protocolo de Quioto, que visa a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEEs), a IEA informou que em 2010 as emissões de CO2, principal responsável pela intensificação do efeito estufa, alcançaram a casa dos 30,6 bilhões de toneladas, 39% maior que as emissões geradas em 1992 (22 bilhões). E o vilão central da geração de CO2 e demais GEEs, que continuam em níveis elevados, ainda é a utilização dos combustíveis fósseis. "Óleo, carvão e gás são os principais geradores de energia elétrica e hoje em dia é totalmente impensável a eliminação do uso desses três elementos; o que podemos fazer é aprender a usá-los com maior eficiência", alerta Luiz Pinguelli Rosa, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ).
Celso Eduardo Lins de Oliveira, engenheiro agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em fontes renováveis de energia e eficiência energética, aponta algumas questões que entravam esse cenário: "falar sobre petróleo é mexer com as indústrias que movimentam a maior parte da economia mundial e, além disso, o impacto da substituição da matriz energética mais usada não é simples, pois requer mudanças no modelo econômico que hoje está estabelecido".
Na verdade, dentre as saídas plausíveis para o emprego de fontes poluentes de energia estão as chamadas fontes renováveis, cujo potencial para produção de energia é praticamente inexaurível, e entre as quais estão as energias solar, a eólica e a hidráulica. Segundo a Rede de Políticas de Energia Renovável do Século XXI (REN21), em 2008, essas fontes correspondiam a 13% do total energético produzido mundialmente, passando a 16% em 2010. Nesse ano, os investimentos no setor totalizaram 211 bilhões de dólares, crescimento de 540% em relação a 2004 (aproximadamente 5,5 vezes maior, segundo a Blooberg New Energy Finance, multinacional dedicada a fontes sustentáveis de energia e a créditos de carbono). Além dessas, também têm servido como solução fontes menos poluentes como o etanol, o biodiesel, e o biogás. De 1992 a 2009, o uso dessas matrizes energéticas ampliou-se respectivamente em 2.300%, 300.000% e 1.200% (dados do IEA). Entretanto, a Unep adverte que biodiesel e álcool podem causar efeitos nocivos, menos pelo lançamento de GEEs, e mais pelo desmatamento dos locais que servem a plantações destinadas aos fins energéticos e pelos prejuízos para o mercado e consumo geral de espécies agrícolas.
A adoção de grandes hidrelétricas também é algo a se refletir, já que, "apesar de não gerarem GEEs, acabam destruindo grandes áreas naturais e impactando sociedades locais para sua construção, é só observar Belo Monte", analisa Maretti. O mesmo vale para as usinas nucleares, que alçaram pouco mais de 22% de aumento entre 1992 e meados de 2011 (uma média de quatro novos centros nucleares por ano, segundo dados da Associação Nuclear Mundial). Elas também não poluem o ar, mas "não se sabe o que fazer com tantos resíduos radiativos gerados", argumenta Sônia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Outra alternativa para reduzir a quantidade de GEEs foi a iniciativa de comercializar a quantidade de carbono que polui o ar, a água e o solo por meio de compras e vendas de créditos de carbono. Entretanto, isso "pode ser considerado uma panaceia: o sistema de mercado foi o grande causador do problema (aumento das emissões de GEEs) e é muito difícil que ele mesmo o resolva", esclarece Pinguelli-Rosa.
Apesar desse ponto de vista, o comércio das emissões de carbono tem crescido rapidamente: 1200% de 2005 a 2010 (aumento acentuado de 2005 a 2007, primeiros anos de sua implementação, e depois estagnação). Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG-USP) julga que os controles econômicos, como nesse caso, têm efeito. "Foi uma evolução de um conceito inicial de imposto, mesmo acreditando que o método poderia ser mais eficaz", considera Dias. Por outro lado, ele afirma que sem estudos de impacto dos gastos com esses créditos e sem quantificação do choque econômico que ele produz, pouco o sistema deverá avançar.
Ao mesmo tempo, o apelo capital faz com que "o público seja persuadido a aceitar a proteção do meio ambiente com base em um modelo de mercado: regulamentos seriam substituídos por leis permitindo o comércio de débitos e créditos de poluição", escreve Elaine Dewar, em seu livro, Uma demão de verde: os laços entre grupos ambientais, governos e grandes negócios.
Maretti, por sua vez, destaca que estar atrelado ao mercado pode ser um agravante, porque "em épocas de crise a compra e venda de créditos pode vir a falhar". Em seu ponto de vista, os países deveriam assumir políticas que obriguem a redução das emissões de GEE e mecanismos de compensação, como a criação de reservas para restauração da vegetação e a diminuição do desmatamento e degradação florestal. O dispositivo para tal já foi elaborado. Trata-se do Programa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD, na sigla em inglês), que prevê compensações financeiras internacionais aos países cuja emissão de GEE seja evitada, bem como "incluir na contabilidade das emissões aquelas que são amenizadas pela redução do desmatamento e degradação vegetal", de acordo com o site do Instituo de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e da ONU.
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