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Entrevista
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Entrevistado por Sarah Schmidt
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Entrevistas
Clarisse Linke
A diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) aborda os desafios da mobilidade nas grandes cidades
Sarah Schmidt
10/11/2015

Uma política de mobilidade urbana eficiente vai muito além da construção de novas linhas de metrô ou da ampliação de viadutos. E quando o assunto é mobilidade sustentável, o interesse coletivo deve sempre vir em primeiro lugar. A tarefa de planejar a cidade também é peça fundamental dessa engrenagem. São necessários espaços policêntricos, que reúnam infraestrutura de moradia, trabalho e lazer: cidades mais compactas.

Essas observações foram feitas pela diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), Clarisse Linke. Mestre em políticas sociais, ONGs e desenvolvimento pela London School of Economics and Political Science, ela também tem pós-graduação em terceiro setor pelo Instituto de Economia da UFRJ. Linke trabalha no planejamento e na implementação de políticas e programas sociais desde 2001, com experiência no Brasil, Moçambique e Namíbia, e fez parte do corpo de diretores da Bicycling Empowerment Network Namibia (BEN Namibia).

Qual o papel do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP)? Quais ações ele promove no âmbito nacional?

O ITDP é uma organização internacional, fundada em Nova Iorque em 1985. Desde então se expandiu, atuando em diversos países. Promovemos a mobilidade urbana sustentável e, acima de tudo, a integração entre planejamento urbano e planejamento de transporte. Temos oito princípios básicos, dos quais quatro dizem respeito exclusivamente ao planejamento de transporte, com prioridade ao pedestre, ciclista, usuário do transporte público e desestímulo ao uso do carro, e quatro em relação ao planejamento urbano. Começamos no Brasil em 2003, e nos tornamos depois uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Nosso desempenho nacional, com o governo federal, é no sentido de atuar principalmente no Ministério das Cidades, que tem a atribuição de implementar a Lei Nacional de Mobilidade Urbana. Tentamos trabalhar bastante junto a eles, para capacitar, participar de discussões, inclusive com a Secretaria de Habitação, que abarca o programa Minha Casa Minha Vida. Apesar de ser um programa de habitação, envolve questões que impactam na mobilidade, tanto pela localização dos projetos como pelo desenho dos mesmos. Também buscamos agir no processo de seleção de projetos e financiamentos pelo BNDES e Caixa Econômica Federal, buscando critérios de decisão mais claros e transparentes.

E no âmbito municipal, como é essa atuação?

Agimos principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Fazemos palestras e participamos de eventos também em outras cidades, além de distribuirmos material de campanha de disseminação de boas práticas. Nessas quatro capitais o nosso objetivo é contribuir na elaboração dos planos de mobilidade e também nos processos de planejamento de outros instrumentos urbanísticos. Temos muito diálogo com o setor público, mas somos uma organização independente. Tentamos influenciar o trabalho técnico e promover boas práticas técnicas.

Como o ITDP avalia as ações que têm ocorrido na cidade de São Paulo, como a implantação das ciclovias, a redução da velocidade nas vias e mesmo o fechamento da Avenida Paulista para veículos aos domingos?

Acompanhamos de perto a questão das ciclofaixas. Entendemos que o projeto técnico tinha algumas falhas, mas percebemos que era um debate que precisava ser encampado. E apoiamos o processo desde o começo, com outras organizações cicloativistas. Agora esse embate não é técnico, sobre centímetros ou onde está ou não está a ciclofaixa. É um embate simbólico. Precisamos, de fato, avançar nessa agenda e reduzir o espaço do carro, o espaço de estacionamento e de circulação, para dar o espaço para a bicicleta. É uma infraestrutura barata e que, aos poucos, pode ser melhorada. Questões e especificidades técnicas, como largura, sinalização, se está no lugar certo ou não, tudo pode ser reajustado e revisto, porque não é uma infraestrutura tão pesada quanto fazer um túnel ou um viaduto, que depois não tem como mudar. O debate simbólico era o mais importante, ainda mais considerando São Paulo, uma cidade conservadora no que diz respeito a essas questões. A mídia já estava muito relutante em relação às faixas de ônibus, que tinham esse mesmo princípio de rever a divisão e o compartilhamento do espaço viário. Esse espaço é um ativo importantíssimo dentro das cidades e precisa ser revisto, então apoiamos a prefeitura para avançar nessa agenda, conscientes de que há problemas técnicos, coisas que podem ser melhoradas, e estamos fazendo um relatório.

E as outras medidas?

Encaramos da mesma forma. Esse olhar de rever, de um modo geral, como a cidade é utilizada, como o espaço público é utilizado, quem tem prioridade, e, acima de tudo, a quebra desse paradigma de que o carro é que tem o direito à cidade, é um movimento fundamental que o prefeito tem tomado. Há muitas questões técnicas que sempre precisam ser revistas, embasadas, discutidas. Quanto à diminuição da velocidade na cidade, o ITDP está acompanhando qual o impacto para o tráfego, para o fluxo de um modo geral, para os outros usuários, do ponto de vista de colisões. Ou o impacto do uso de ciclofaixas, quando se começa a ver que, de fato, existe um aumento do uso; e também o uso por parte das mulheres – ter mulher pedalando é sempre um indicativo de segurança e conforto.

São Paulo pode ser um modelo para as demais cidades do país?

Acredito que sim. O ITDP trabalha com “cidades vitrines”, que são bastante complexas, imensas, com muitos atores, muitos interesses, que, apesar disso, têm equipes técnicas, no poder público, muito bem estruturadas e que servem como modelo e inspiram outras cidades. Por exemplo, a ciclovia da Avenida Paulista, um dos projetos mais icônicos que temos: se São Paulo consegue pegar a sua principal avenida, onde está o poder, o dinheiro, e colocar uma ciclovia, então qualquer cidade consegue. Queremos contribuir para aumentar a influência que essas cidades vitrines têm sobre outras.

Soluções como sistemas de caronas, como existem entre universitários, são ações em que a própria sociedade se articula, procurando renovar o papel do carro. Como o ITDP vê essas iniciativas?

Super importantes. Temos, por exemplo, o Caronetas, um caso específico, fechado para empresas. Porque, claro, esse tipo de sistema implica confiança também. Os carros, via de regra, são muito subutilizados. Para o ITDP, a prioridade é o transporte público e o transporte ativo (bicicleta e o pedestre), mas o carro não vai sair desse jogo de tabuleiro. Teremos cada vez mais carros na rua, pois temos uma taxa de motorização ainda relativamente baixa, se comparada a outros países. Ainda haverá muito carro sendo vendido aqui, infelizmente. Pensando nisso, eu posso, por um lado, ter um carro e não usar para todos os meus deslocamentos. E, por outro lado, também, quando eu uso o carro posso ter mais gente comigo. Essa é a ideia, e é fantástico, pois um modelo único não vai resolver o problema, principalmente em uma cidade do porte de São Paulo ou Rio de Janeiro.

Integrar as mais diferentes modalidades é a solução?

Precisamos de soluções bem integradas, caminhar em todas as direções. Expandir a malha do sistema de transporte de média e de alta capacidade, integrar esses modais diferentes – um modal só não dá conta –, ampliar a malha de transporte ativo, limitar e restringir o uso do carro e, quando este estiver em uso, fazer com que seja mais eficiente. Acredito que todas essas medidas, do carro compartilhado, assim como da bicicleta compartilhada, vão acontecer cada vez mais. As dificuldades são do ponto de vista de regulação. O poder público precisa estar preparado, e não é só um preparo político, mas um preparo técnico também, e é aí que mora a dificuldade, regular essa nova forma de a cidade funcionar. É inevitável. Como o Uber, que no Rio tem decreto que proíbe, mas tem liminar que permite, estamos nesse ioiô. Mas o Uber chegou para ficar, e novos modelos ainda mais ousados virão. O grande desafio é ter um corpo técnico que consiga promover modelos de regulação que funcionem e que beneficie a todos. Ainda é um gargalo, um desafio grande. Todos os países estão passando por isso. O Uber e o Airbnb estão sendo proibidos e permitidos semanalmente em vários países, não é exclusividade brasileira.

Como reorganizar as cidades para que elas sejam melhor ocupadas? Como solucionar o problema de áreas privilegiadas em contraste com zonas de difícil acesso e poucas oportunidades?

É importante ter em mente o conceito de um planejamento que promova uma cidade policêntrica. Uma cidade monocêntrica é aquela com grandes centros para onde todos se deslocam diariamente para trabalhar, mas que não tem muita moradia, com desequilíbrio territorial grande e perverso, porque só quem está próximo ao centro é beneficiado. Repensar essa ocupação é um dos principais caminhos que precisamos tomar. É inadmissível que tanta gente tenha que fazer esse deslocamento pendular, longo, para acessar as oportunidades econômicas. Há moradia espalhada, e é preciso pensar novas centralidades de uso misto. Não é, de forma alguma, promover segregação, as pessoas devem circular pela cidade. Precisamos de uma infraestrutura de transporte de baixa, média e alta capacidade, que permita a circulação de todos no território todo. Da forma como está, há muita ineficiência.

Precisamos de cidades mais compactas?

Precisamos intensificar a ocupação. Ocupações compactas, com densidade maior, principalmente ao longo de corredores de transporte, como trem, metrô, BRTs. Em um raio de 1 km em torno das estações, que dá uma caminhada de 15 a 20 minutos, é onde deveríamos aumentar o índice construtivo. E priorizar a ocupação que tenha uma mistura de usos, onde é interessante viver, trabalhar e se divertir, e que priorizasse o transporte público, pedestre, ciclista, com uma conectividade boa. O plano diretor de São Paulo, aprovado ano passado, vai nessa direção. É o primeiro passo. A partir daí tem que se efetivar em vários instrumentos, nas leis de zoneamento, em todos os instrumentos que vão, de fato, definir o dia a dia da cidade. É preciso criar incentivos para o próprio mercado imobiliário também ver interesse, e investir. E garantir que haja mistura de classes. Em vez de jogar o Minha Casa Minha Vida para as periferias, nessas áreas altamente estruturadas e consolidadas é onde se deveria priorizar investimentos. A cidade não pode ser reconstruída, mas podemos, aos poucos, ir definindo novos parâmetros.

O que dizer dessa explosão de condomínios fechados, algo que se observa fortemente em cidades do interior, por exemplo? Eles têm impacto negativo na reocupação das cidades?

Sem sombra de dúvida. Esse é um problema imenso, porque o condomínio fechado vai na direção oposta da cidade que se deseja, porque acredita que a cidade, a rua, não é um espaço para se estar. Há uma separação quase que radical, e agressiva também, entre o espaço público e o espaço privado. Estamos criando vários bunkers, pequenas cidades dentro da cidade. E ainda, como são monofuncionais, via de regra são residenciais, e quando têm algum uso minimamente complementar, é para os moradores, ou seja, não promove conectividade com o restante da cidade. O ideal seria promover prédios – e o plano diretor de São Paulo enfatiza isso – de uso misto, com serviço e comércio no andar térreo, porque promove uma permeabilidade física do empreendimento e deixa mais espaços abertos. Isso influencia o pedestre, o ciclista, promovendo passagens, atalhos para cortar um quarteirão, ampliando a conectividade e a segurança, ao promover o transporte ativo.

Como está o debate sobre a mobilidade urbana nas universidades brasileiras?

Não as vejo tão envolvidas nessa temática. Poderiam promover mais inovação, sinto falta de incubadoras e de um processo mais dinâmico. As organizações sociais é que estão, na verdade, se mexendo mais neste momento. Sei mais sobre o Rio de Janeiro. Talvez em São Paulo seja um pouco diferente. Participamos de várias discussões junto com a Raquel Rolnik, na FAU/USP, mas sinto que muito do que vem de São Paulo vem da SPTrans, com a equipe chefiada pelo pesquisador Ciro Biderman. Eles fizeram o MobiLab, um laboratório de mobilidade, discutindo o assunto, e foi só depois disso que vi no Rio algumas universidades fazendo seus labs de mobilidade. Gostaria de ver a academia mais engajada nisso. Na inovação, na criatividade, discutindo mobilidade.