Pelo menos duas vezes, em abril,
o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou que o mundo está passando por um
surto inflacionário. No último dia 26, por exemplo, disse isso para justificar
que o Brasil “não está mal na foto”, quando comentou o aumento da inflação no país,
que atingiu em março 6,3% no acumulado de doze meses. Antes disso, em 18 de
abril, Mantega já havia avaliado que o atual cenário econômico mundial tem sido
afetado pela alta no preço de commodities como petróleo, minérios, milho e
soja.
A declaração do dia 26 foi feita na
palestra que Mantega realizou no Palácio do Planalto durante a plenária do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão consultivo da Presidência
da República composto por representantes da sociedade civil. Já a do dia 18 foi
dada em Nova York,
quando o ministro falou para investidores em evento organizado pela Câmara de
Comércio Brasil-Estados Unidos.
A avaliação do ministro leva em
consideração o aumento da inflação em países tidos como mais estáveis
economicamente, a exemplo de alguns dos 15 que fazem parte da zona do euro,
entre eles a Suécia. Em março, os índices inflacionários dessas nações subiram
para, em média, 2,7%, os maiores desde 2008, quando as taxas alcançaram 3,2%. Outro
exemplo do aumento inflacionário no mundo é ilustrado pela China que, ao lado
do Brasil, faz parte do chamado BRIC, bloco dos principais países emergentes,
formado ainda por Rússia e Índia. Também em março, a inflação aumentou no
gigante asiático e chegou a 5,4%, acima dos 4,9% registrados em fevereiro, impulsionada
pela alta dos preços dos alimentos.
É justamente o aumento de
commodities, como os grãos, que justificam a subida da inflação em outras
partes do mundo, na avaliação do economista Fernando de Holanda Barbosa, professor
da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. “Esse é um problema comum
do Brasil e de outros países no momento. Mas eles têm como sair dessa situação
transitória em curto prazo”, comenta Barbosa.
O economista Giuliano Contento Oliveira, professor do
Instituto de Economia da Unicamp, destaca que, segundo as estimativas do Fundo
Monetário Internacional (FMI), tende a ocorrer uma desaceleração de aumento dos
preços já em 2011, comparativamente a 2010. “Em muitos países que fazem uso do
regime de metas para a inflação, o aumento dos preços tende a superar a meta em
2011. Mas nada que sinalize um quadro de aumento descontrolado dos preços”,
diz.
Oliveira afirma que as pressões inflacionárias significativas
em diversas economias do mundo estão associadas, além do aumento dos preços das
commodities, à política monetária altamente expansionista dos Estados Unidos.
“Quando esses dois fatores se juntam com um ritmo de atividade econômica em
expansão, o aumento dos preços acaba assumindo maior vigor”, analisa. De acordo
com o economista, contudo, isso não significa a inexistência de pressões
inflacionárias decorrentes do aumento da demanda. No caso do Brasil, por
exemplo, o aumento dos preços verificado no setor de serviços – tanto os
públicos, como transportes e energia elétrica, quanto privados, como TV por
assinatura e internet – revela que a elevação dos preços se deve somente em
parte à expansão dos preços de grãos e minérios. Com o aumento do poder
aquisitivo no país, a demanda por energia e internet, por exemplo, cresceu mais
que a oferta.
Já no caso das commodities,
principalmente as agrícolas, o aumento dos preços está relacionado ao que os
especialistas chamam de choque de oferta. Como explica Oliveira, isso ocorre
quando fatores que influenciam a produção afetam adversamente sua oferta, como,
por exemplo, uma quebra de safra agrícola. Nesses casos, ocorre uma contração
da oferta e subsequente aumento dos preços. “O aumento dos preços de
commodities no período recente tem sido causado, em grande medida, pelo
crescimento acelerado da demanda chinesa e pelas operações especulativas
realizadas nos mercados futuros”, explica o economista da Unicamp.
Campeã inflacionária
Além desse aumento geral da
inflação que, no momento, é registrado em vários países, vale destacar o caso daqueles
que, continuamente, apresentam altos índices inflacionários. O principal
exemplo é o da Venezuela, cuja inflação, medida pelo índice de preços ao
consumidor, atingiu 25,1% em 2009 e 27,2% em 2010. É a maior taxa do mundo e
estima-se que, ainda em 2011, ela possa atingir até 30%. “Com uma inflação
desse tamanho, a elevação interna dos preços acaba tendo um impacto desfavorável
sobre o câmbio (com a desvalorização da moeda local, o bolívar)”, observa
Oliveira. Na análise do economista, o resultado, como era de se esperar, é a
repercussão negativa do governo Hugo Chávez, comprovada pelas últimas pesquisas
de opinião mostrando um índice de reprovação ao presidente superior ao de
aprovação. “Uma coisa é certa: não será o exército que irá eliminar, de forma
duradoura, a inflação na Venezuela”.
Barbosa, da FGV-Rio, coloca o
caso da Venezuela como exemplo de uma sociedade politicamente fraca, com
dificuldades de fazer alianças com outros grupos. “Estado e mercado têm que ser
fortes. São duas instituições complementares. O estímulo ao emprego e à saúde
empresarial são necessários como forma de geração de dinheiro, que paga
impostos e, portanto, arca com os gastos do governo. Se o financiamento das
despesas ocorre com a emissão de moeda, a produção do país fica desestimulada,
entre outras consequências”, analisa. A emissão de moeda para colocar mais
dinheiro em circulação é uma das formas de compensar gastos públicos superiores
à arrecadação. Se, por um lado, a fraqueza institucional do Estado pode ser
relacionada a economias frágeis, por outro lado, um Estado forte garante
situação econômica bem mais confortável. È o caso da Suíça e da Noruega, com
invejável taxa de 1% de inflação. “Temos que mirar em exemplos como o desses
países, que apresentam justiça social e excelência de serviços”, afirma
Barbosa.
Não há risco de hiperinflação
Apesar de merecer atenção, o
surto inflacionário mundial, como qualificado pelo ministro Mantega, passa
longe do risco de hiperinflação, catástrofe que, no passado, afligiu não
somente países emergentes como o Brasil, mas também nações desenvolvidas como a
Alemanha. “Neste momento, seria forçado falar em risco de hiperinflação
mundial. Temos visto, sim, uma pressão de alta sobre os preços”, comenta Oliveira,
da Unicamp. Para ele, não há elementos capazes de justificar esse cenário
atualmente. “Primeiro, porque as principais economias desenvolvidas estão
tentando evitar justamente a deflação. Segundo, porque o compromisso da
autoridade monetária na contenção da inflação é muito grande atualmente no
mundo todo, ainda que em diferentes intensidades e com algumas exceções”,
avalia.
Hiperinflação é uma doença, como
explica Barbosa, da FGV/Rio. Sua origem é fiscal, ou seja, o Estado é incapaz
de pagar suas contas porque gasta mais do que arrecada e, assim, emite mais
moeda. Em consequência disso, a inflação aumenta. Para curar essa doença, é
necessário atuar sobre a origem, que é fiscal, e cobrir despesas governamentais
sem emissão de moeda.
O melhor exemplo nesse sentido é
o da Alemanha, que enfrentou um dos piores casos de hiperinflação da história
em 1923, quando o país havia acabado de sair derrotado da Primeira Guerra
Mundial e endividado com as nações que haviam vencido. Para se financiar, o
governo recorreu ao amargo remédio da impressão de moeda em várias ocasiões.
Resultado: aumento da inflação que, em outubro de 1923, bateu na estratosférica
taxa de 29,5 mil por cento ao mês, ou 20,9% ao dia.
“Foi um aumento continuado,
generalizado e descontrolado dos preços, resolvido com o ‘milagre do
Rentenmark’”, explica Oliveira, se referindo ao nome da moeda de transição
adotada na época. A partir dela, foi realizada uma reforma monetária e a
confiança, recuperada. “Pode-se dizer, nesse sentido, que a fixação da taxa de
câmbio garantiu o fim súbito da inflação. Um dólar passou a equivaler a 4,2
Retenmark”, diz.
Em tempos mais recentes, a hiperinflação também foi
registrada em países da América Latina. Na Argentina, chegou a bater em 5.000%
ao ano, e o câmbio fixo foi visto como solução, com o peso valendo o mesmo que
um dólar. “Um país que sofre o mal da hiperinflação é aquele que perde a
soberania sobre a sua moeda. No contexto dos anos 1980, esses países estavam em
meio à crise da dívida externa. Não dispunham de divisas (recursos de fora)
para viabilizar planos de estabilização bem-sucedidos”, comenta Oliveira. Ele
explica que, nesses casos, a experiência internacional indica a conveniência do
uso de âncora cambial. “A fixação da taxa de câmbio para estabilizar as
expectativas demanda certo nível de reservas internacionais”. Como o câmbio
fixo facilitou o endividamento em dólar e a Argentina não tinha reservas
suficientes, teve que decretar o calote da dívida externa em 2001. Só a
renegociação da dívida pôde trazer de volta a confiança dos investidores e a
recuperação da economia do país vizinho.
|