Em toda sua história, a medicina buscou criar uma
classificação das doenças mentais. A criação do Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (DSM) pela American Psychiatric Association (APA),
em 1952, derivou da necessidade de uma sistematização das diversas
classificações existentes nos Estados Unidos desde 1840. Naquela época, se
situa a primeira tentativa de levantamento das doenças mentais, numa
classificação que continha subtipos como idiotia e insanidade. Atualmente, a
mesma APA tem grupos de trabalho discutindo a nova revisão do DSM, que resultará
na quinta versão do manual, a qual deverá ser lançada em 2013.
Em 1880, com a realização de um censo em instituições psiquiátricas
norte-americanas, foram descritas sete formas de insanidade: melancolia,
mania, monomania, demência, dipsomania, paresia e epilepsia. Já no século XX, em
1917, a
American Medico-Psychological Association (atual APA) uniu forças com a National
Commission on Mental Hygiene para desenvolver um sistema classificatório das
desordens mentais mais consistentes, ainda que funcionasse mais como uma
classificação estatística do que como um manual de diagnóstico.
A partir da Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento de
nomenclaturas para desordens mentais realizadas pelo exército americano para o
tratamento dos veteranos da guerra e a insatisfação da psiquiatria
norte-americana com a primeira classificação de desordens mentais incluída na
Classificação Internacional de Doenças (CID-6), proposta pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), foi publicada a primeira versão do DSM, em 1952. Nessa
primeira versão, foram listadas 106 desordens mentais.
A insatisfação dos psiquiatras norte-americanos, sob
influência dos modelos psicodinâmico e psicossocial da psiquiatria, se devia à
ausência de categorias nosológicas, ou seja, agrupamentos de sintomas e
características que ajudassem a definir determinadas doenças e pudessem
auxiliar no diagnóstico dos pacientes. O modelo teórico seguido pelos
psiquiatras dos Estados Unidos era influenciado por ideias da psicanálise.
Entre essas ideias estava, por exemplo, o entendimento da saúde e da doença mental
como um estado transicional fluido, sendo que um indivíduo dito “normal”
poderia adoecer caso fosse exposto a traumas severos.
Após a publicação do DSM, a OMS reviu sua classificação no
CID-6, mas não incorporou muitas mudanças em sua nova versão, a sétima,
causando novamente insatisfação da psiquiatria – agora também em outros países.
Assim, a OMS convocou um grupo de trabalho para reavaliar a classificação,
inclusive com membros da APA, que haviam formulado o DSM–I. Dessa forma, em
1968, ambas as associações publicam novas versões de suas classificações: a
CID-8, que absorve novas categorias, e o DSM-II, que contém agora 182 desordens
mentais. As duas publicações consistiam das mesmas categorias, entretanto o DSM
apresenta algumas novas divisões e subdivisões, além de algumas novas
categorias.
A terceira revisão do DSM, porém, traz uma importante
mudança de paradigma na classificação das doenças, até então influenciada pelo
modelo da psiquiatria social psicodinâmica, e tal mudança se deveu ao campo de
batalha que se tornou a área. A partir dos anos 1960, a psiquiatria passou
a ser questionada por diversas frentes. Dentro da comunidade de psiquiatras,
havia a insatisfação com as pesquisas geradas pelo modelo vigente e, entre os
profissionais mais próximos à vertente biológica, o descontentamento era pelo
distanciamento da medicina mais “tradicional”. Havia, na época, um movimento
denominado “antipsiquiatria”, o qual proclamava que a definição das doenças
mentais deveria ser prerrogativa das ciências sociais, dado que as suas causas
eram psicossociais; além disso, as verbas para pesquisa na área caíram cerca de
5% ao ano, entre 1965 e 1972, demonstrando insatisfação por parte das entidades
governamentais com os resultados das pesquisas realizadas pelo modelo
psiquiátrico da época.
Outra demanda da sociedade (e da classe médica) era a
exclusão da categoria homossexualismo do manual – solicitação que foi atendida
antes da publicação da nova versão, em votação na APA. Em suma, a psiquiatria
estava acuada e precisava se impor como uma especialidade médica respeitada.
Finalmente, havia uma mudança tecnológica importante que influenciava tanto os
tratamentos psiquiátricos como o diagnóstico: o desenvolvimento de
psicofármacos.
Para responder aos diversos ataques, a APA, em 1977,
convocou novamente um grupo de trabalho para revisar o manual, formado por uma equipe
mais homogênea, liderada pelo psiquiatra Robert Spitzer. As diretrizes para a
reforma do DSM eram a adoção de critérios descritivos, enfatizando sintomas
observáveis, além de renegar modelos teóricos (como foram as duas primeiras
versões, que privilegiavam fatores etiológicos). Nessa versão também se
introduziu o termo desordem mental em substituição ao termo doença mental.
O processo revisional foi acompanhado por diversas críticas
da comunidade psiquiátrica. Os críticos consideravam que os revisionistas
procuravam retirar da nova versão qualquer menção à etiologia das doenças, afastando-se,
assim, da nomenclatura existente no CID-9, a versão da época da classificação da OMS. E,
no auge das críticas, questionou-se a intenção do grupo revisionista de retirar
do novo DSM a categoria “neurose” como entidade nosológica. A retirada da
categoria foi considerada como a pá de cal no modelo psicodinâmico e
psicossocial da psiquiatria.
Para evitar que a nova versão do DSM fosse renegada pela
classe psiquiátrica, o grupo liderado por Spitzer fez algumas concessões, como
a manutenção da categoria “transtorno neurótico”, com a devida explicação na
introdução do manual sobre a diferença entre o transtorno (como conceito
descritivo) e o processo neurótico (como um conceito etiológico). Com as
devidas concessões e consensos, o DSM-III foi publicado em 1980, com 265
categorias diagnósticas.
Três anos depois, o mesmo Spitzer comanda um grupo para
revisar a recém publicada versão. O DSM-III-R (versão revisada) é publicado em
1987 e vem com novas definições para categorias já propostas e sugere a
inclusão de algumas categorias em
estudo. Em 1994,
a APA publicou a versão atual do DSM, a quarta. Esta última
versão mantém a orientação descritiva das duas anteriores, fazendo poucas
alterações na versão de 1987.
Fontes:
“Mudanças nos conceitos de ansiedade nos séculos XIX e XX:
Da neurose de angústia ao DSM-IV”, Viana, M.B., tese de doutorado, UFSCar.
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV)
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