Em 1998, quando James Thomson, cientista da
Universidade de Wisconsin, tornou-se a primeira pessoa a isolar
células-tronco embrionárias de humanos, a patente de
células-tronco foi parar nas mãos da Fundação
de Pesquisa Wisconsin Alumni (WARF). A Fundação
licenciou então a patente para a Corporação
Geron desenvolver as células-tronco em seis tipos específicos
de tecidos humanos.
Mas enquanto a patente da célula-tronco foi
como uma benção para Wisconsin e Geron, o resto da
comunidade científica respondeu com um engasgo coletivo. Com o
controle de uma patente como esta, iriam, WARF e Geron, bloquear o
caminho da futura pesquisa em células-tronco, tanto pelo
controle das taxas para pesquisadores que precisariam usar as células
patenteadas, como pela proibição do uso das células?
Com os tratamentos para Parkinson, doenças cardíacas e
diabetes, potencialmente na balança, tais questões de
licença não poderiam ser somente acadêmicas. Mas
não eram até setembro de 2001, quando o Instituto
Nacional de Saúde forçou a WARF a assinar o termo de
concordância, que Wisconsin livremente concordou em permitir
que cientistas de outras universidades conduzissem suas próprias
pesquisas baseadas nessas patentes.
Histórias como essa estão começando
a levantar preocupações na comunidade científica.
Com os tratamentos baseados em pesquisas em DNA e o cada vez mais
importante papel das normas no futuro da medicina, tanto
universidades quanto corporações privadas têm se
apressado em ser o primeiro a patentear as novas invenções
baseadas em DNA. Mas um grupo crescente de cientistas está
agora começando a levantar a questão de que o excesso
de patentes poderia ser problemático para o futuro das
pesquisas em DNA, colocando obstáculos no caminho da pesquisa
científica.
“Há definitivamente muita preocupação”,
afirma Tim Leshan, analista no Instituto Nacional de Pesquisas do
Genoma Humano do Instituto Nacional de Saúde (NIH) americano,
que está em processo de discussão por uma melhor
política para o patenteamento genético.
“É um grande imposto sobre o trabalho que
avança”, acrescenta Rebecca Eisenberg, professora da Escola
de Direito da Universidade de Michigan. “É um gigantesco
custo potencial que pode estar inibindo incentivos em empreender
pesquisa de risco e de custos elevados”
Exclusão genética
Uma vez que o campo da pesquisa genômica tem
apenas dez anos, pouca informação tem sido coletada
sobre o impacto que o excesso de patentes tem acarretado. Mas já
existem alguns sinais começando a indicar um futuro no qual a
pesquisa genética se torna cada vez mais difícil de
conduzir.
“Embora não haja muitos dados, está
claro que algumas universidades e empresas estão requerendo
licenças de exclusividade, que fazem com que somente poucas
pessoas possam conduzir as pesquisas, e isto pode emperrar a
pesquisa”, disse Leshan.
No começo do ano, o Conselho Nacional de
Pesquisa, da Academia Nacional dos EUA, lançou o relatório
“Um sistema de patentes para o século XXI”, que identifica
custos problemáticos no atual sistema de patentes. “O
essencial foi o aumento dos custos em pesquisa nas companhias e
universidades”, disse Stephen Merril, diretor de Política de
Ciência, Tecnologia e Economia na Academia Nacional e autor
responsável pelo relatório. “Certamente, complicações
de propriedade intelectual atrasaram algum trabalho”.
Nesse meio tempo, um estudo organizado por Mildred
Cho, diretora associada do Centro para Ética Biomédica
da Universidade de Stanford, descobriu que metade dos diretores de
laboratórios de testes genéticos optaram por não
desenvolver um teste novo devido a preocupações sobre
licenças. Além disso, um quarto dos diretores de
laboratório disseram que eles pararam de oferecer pelo menos
um teste porque as taxas de licenciamento o tornaram muito caro.
“Nós também descobrimos que os
diretores de laboratórios disseram que as pessoas estão
menos predispostas a dividir informações que
descobriram sobre certas doenças ou condições
genéticas por causa da possibilidade de alguém querer
patentear a informação ou mesmo estar tentando
conseguir uma patente”, disse Cho.
E, em um rascunho das novas diretrizes para
melhores práticas no que diz respeito a patentes e licenças,
o Instituto Nacional de Saúde escreve que “dados anedotais e
empíricos estão começando a revelar uma
característica das práticas de licenciamento exclusivas
para tecnologias em genômica na Academia Americana e em
instituições sem fins lucrativos que poderia ter
efeitos prejudiciais a curto e longo prazo na qualidade e quantidade
de produtos e serviços em cuidados com a saúde”.
“Em anos recentes, alguns importantes genes de
doenças e suscetibilidade para o câncer foram
licenciados com exclusividade para um pequeno grupo de companhias
biofarmacêuticas ou de diagnóstico”, continuam as
diretrizes. “Mas um arranjo tão exclusivo pode não
ser o mais benéfico para o público. A escolha entre
produtos que competem entre si é uma garantia de qualidade
testada pelo tempo”.
Até então, 35.000 patentes em DNA
foram preenchidas no Escritório de Patentes norte-americano,
de acordo com LeRoy Walters, pesquisador do Instituto Kennedy de
Ética da Universidade Georgetown, que está conduzindo
um estudo sobre patentes em DNA. A maioria dessas patentes foi
preenchida no final dos anos 90. Em 1991, haviam aproximadamente 500
patentes preenchidas. Em 1997, este número tinha saltado para
2.500. O número de patentes alcançou seu topo em 2001,
com aproximados 4.500. Mas a onda parece ter quebrado. Em 2003 o
número tinha caído para 3.500.
Robert Cook-Deegan, diretor do Centro para Ética,
Leis e Política Genômica da Universidade Duke, acredita
que grandes problemas começarão a ocorrer na próxima
década, quando a indústria de biotecnologia começar
a amadurecer e se tornar cada vez mais lucrativa. Isso fará
com que litígios sobre infração de patentes se
tornem um negócio ainda mais lucrativo para os detentores da
patente, bem como para advogados.
“A genética tem sido um campo muito ativo
nos últimos dez anos”, diz Cook-Deegan. “Tipicamente,
litígios referentes a patente não ocorrem até o
ciclo do produto ser terminado, quando então vale a pena
entrar com a ação. O tempo médio para o ciclo de
um produto é de 15 a 20 anos, e o rápido crescimento no
pedido de patentes começou em 1994, então o ciclo de
ações poderia começar nos próximos cinco
até dez anos”.
“Poderia ficar pior em cinco a dez anos”,
concorda Leshan. “Nós já temos algumas empresas
mandando pedido de desistência para usar suas patentes. Está
definitivamente começando a acontecer, e o que nós
tememos é que se não tentarmos abordar as questões
agora, em cinco a dez anos, a maioria das pessoas vai impor todo tipo
de patentes”.
E o que acontece quando os detentores das patentes
começam a ficar agressivos quanto à aplicação
de suas patentes?
“A primeira e mais óbvia situação
é que o uso se torna mais caro”, afirma Cook-Deegan. “E
também mais complicado. Se a rotina de infração
que está acontecendo começar a custar dinheiro às
pessoas, então você tem que ter certeza que não
está fazendo isso e tem que passar um longo tempo examinando o
que está fazendo e a propriedade intelectual em volta do que
está fazendo”.
A posse de patentes baseadas em DNA está
dividida entre os setores privado e público. A Universidade da
Califórnia e o governo norte-americano são os dois
maiores proprietários de patentes de DNA, mas os outros oito
maiores proprietários, entre os dez, são corporações
privadas. Entre os cinco primeiros estão GlaxoSmithKline,
Incyte Genocmics e Aventis.
Indústria dividida
Pelo tempo passado, entretanto, Cook-Deegan nota
que grandes corporações não têm sido
particularmente agressivas sobre a imposição de suas
patentes, reconhecendo uma trégua. Para eles, os lucros estão
em produtos finais farmacêuticos, não em patentes de
genes ainda frescas. Essas grandes firmas geralmente não
impõem suas patentes sobre genes e também esperam que
outros não imponham tais patentes contra eles.
O perigo, sugere Cook-Deegan, é que “uma
pequena empresa de biotecnologia, ou uma universidade que não
tenha uma grande participação compre as patentes e
comece a impô-las de forma a fazer dinheiro. Eles não se
importam se não participam do jogo.”
Stephen Merrill da Academia Nacional acrescenta:
“Minha preocupação não é que as grandes
empresas comecem a mover ações judiciais, mas que
pequenas firmas ou consultorias estão agora cada vez mais no
negócio de adquirir e reivindicar direitos a patentes somente
pelos royalties, e que, como fonte de receita, eles começarão
a procurar as universidades.”
Walters, que está analisando os dados sobre
as patentes, percebeu que “algumas empresas privadas estão
monitorando publicações que saem das universidades para
ver se suas invenções estão sendo usadas em
pesquisa básica. Se estão, eles podem escrever uma
carta de reclamação para a universidade, reclamando
sobre a infração de sua patente. Se existe qualquer
área que mereça investigação em termos de
atraso da pesquisa básica, deveria ser essa área.”
Também há algumas companhias
privadas que querem ver um patenteamento menos agressivo, como
aquelas que compilam cartões genéticos e fornecem
outros serviços que se tornariam muito caros e difíceis,
no caso de os donos das patentes decidirem ficar mais agressivos na
aplicação de suas reivindicações. Em
resumo, a posição de uma empresa sobre patenteamento,
depende grandemente do que ela tem a perder ou ganhar.
“O setor privado é um ator importante,
mas não é a única pedra do jogo”, diz
Cook-Deegan. “Eles são grandes atores, mas não têm
uma posição coerente”.
Mas Lila Feisee, diretora de propriedade
intelectual da Organização de Indústrias em
Biotecnologia (BIO), diz que as regras de patenteamento mais duras
são cruciais para o desenvolvimento da indústria de
biotecnologia.
“Propriedade intelectual é de enorme
importância”, diz Feisee. “É o elemento central de
coesão para o desenvolvimento de produtos de biotecnologia.
Para a maioria de nossas empresas, suas patentes são suas
propriedades. Dos mil membros que temos, cerca de 90 % não tem
produtos ainda, mas terão em cinco a dez anos. Eles terão
que gerar fundos para desenvolver esses produtos e a maioria dos
fundos vem do setor privado. E o que precisa o setor privado? Algum
tipo de segurança de que seu investimento será
protegido. Se você não tiver patentes, você não
terá um produto no mercado. Se você começar a
tirar ou corroer as patentes de invenções em
biotecnologia aqui ou no exterior, você verá uma
desaceleração no investimento em biotecnologia e,
provavelmente, levará mais tempo para esses produtos serem
lançados”.
Todos estavam patenteando tudo
Para o setor público, o foco em um
patenteamento acadêmico agressivo em todos os campos da
pesquisa científica data do começo dos anos oitenta,
quando houve uma mudança na política e atitudes
referentes ao patenteamento.
A mudança na política se deu a
partir do decreto de 80 com o ato Bayh-Dole, que deu o direito a
universidades de patentear invenções desenvolvidas com
dinheiro público.
“Eu acho que a mudança geral é que
onde costumava haver uma livre troca de materiais e informação,
o advento do patenteamento fez com que pesquisadores se tornassem
menos receptivos em compartilhar material e informação”,
afirma Mildred Cho. “As pessoas estão mais conscientes se
devem patentear coisas. Perguntam se podem pedir royalties,
querem estar certos se têm algo que possa ser patenteado”.
Ainda, apesar do patenteamento agressivo de tudo
relacionado a genes, muitos cientistas dizem que esse não é
o problema principal porque a maioria dos donos de patentes voltou
atrás quando suas patentes estavam sendo infringidas,
especialmente no quadro das universidades.
“Infrações são freqüentes
na comunidade de pesquisa”, diz Merrill. “Uma das razões
para que ainda não haja mais problemas com a pesquisa em
universidades é que, até um certo grau, elas operam na
suposição de que não há problemas em usar
a patente de outros desde que não estejam desenvolvendo um
produto”.
Mas, crescentemente, os proprietários de
patentes estão se tornando menos tolerantes sobre as
infrações. “A idéia foi sempre que não
existiria problema se não fosse usada para comércio”,
diz Stephen Heinig, pesquisador da Associação Americana
de Faculdades Médicas (AAMC). “Mas isso tem sido muito mais
estreitado”.
Uma razão para isso é a decisão,
há dois anos, do tribunal de apelações do
Circuito Federal, no caso Madey contra Duke, que envolvia um antigo
membro da Faculdade Duke chamado John Madey, que desenvolveu um laser
enquanto trabalhava na Duke. Quando deixou a universidade, Madey
processou a Duke por várias coisas. Uma delas foi infração
de sua patente. Duke argumentou que era livre para usar as invenções
de Madey sob uma exceção de pesquisa para patentes. A
corte discordou, afirmando não existir tal exceção
nos Estados Unidos.
Agora, de acordo com Heinig, “universidades
estão reportando que desde o caso Duke, eles têm visto
cartas alegando infrações que dizem que por uma certa
taxa, eles permitirão o uso da tecnologia”, “Então
novamente”, acrescenta Heinig “eles recebiam cartas antes, então
não sabemos o quão mais freqüente isto está
acontecendo”.
Apesar de alguns desenvolvimentos problemáticos,
ainda há alguns sinais encorajadores de que a comunidade
científica está começando a se preocupar
seriamente com patentes e apropriação.
Cook-Deegan nota que, “no meio dos anos 80,
todos estavam patenteando tudo, e arranjos comerciais eram amplamente
aceitos. Agora há uma disposição geral na
direção contrária”.
Disparando o alarme
Uma das vozes mais altas disparando o alarme
quanto ao patenteamento exagerado é a NIH, que distribui mais
de $20 bilhões por ano em fundos para pesquisa. Alguns anos
atrás a NIH começou a pedir a pesquisadores candidatos
para descrever como eles iriam lidar com assuntos de propriedade
intelectual e transferência de tecnologia em suas fichas de
candidatura. Como resultado, os candidatos começaram a tratar
esses assuntos com maior seriedade.
Agora, respondendo a pressões contínuas
e preocupações, a NIH está rascunhando uma série
de melhores práticas e diretrizes para assuntos relativos a
patenteamento e licenciamento. Embora essas diretrizes sejam
voluntárias, elas carregam grande força devido ao papel
central da NIH em distribuir fundos de investimento.
Num rascunho das diretrizes, a NIH recomenda a não
exclusividade quando possível e, onde licenças
exclusivas são consideradas necessárias “para
encorajar a pesquisa e desenvolvimento da indústria privada”,
a NIH recomenda limites estreitos das licenças, critérios
claros e monitores para “assegurar o desenvolvimento de
expedições”. A agência diz que os detentores
das patentes desenvolvidas com dinheiro público devem
assegurar que o uso para pesquisa seja protegido e metas de saúde
públicas sejam sempre mantidas.
“Nós estamos tentando assegurar que nós
estamos nos movendo tão rápido quanto possível”,
afirma Leshan, da NIH.
A Academia Nacional de Ciências dos EUA,
entre outras organizações, está também
devotando atenção crescente para os perigos do
patenteamento de genes.
Nesse meio tempo, pelo menos alguns membros do
congresso americano, inclusive Lynn Rvers, representante do distrito
de Michigan, e Dave Welson, respresentante do distrito da Flórida,
introduziram legislação referente. Um dos projetos de
lei planeja isentar infrações de patentes para
“informação de seqüência genética”
e “testes de diagnóstico genético”. Outro projeto
de lei teria solicitado o Escritório de Política
Tecnológica e Científica para avaliar criticamente como
a política federal de patenteamento genético está
tendo impacto na inovação.
Alguns cientistas têm criticado o Escritório
Americano de Patentes e Marcas por ser generoso demais na concessão
de patentes de genes. Alguns argumentaram que a idéia de
permitir o patenteamento da seqüência de genes faz pouco
sentido, uma vez que existe naturalmente e deveria contar como
descobrimento e não invenção. Mas o Escritório
decidiu que, como as seqüências de genes isolados não
ocorrem na natureza, deveriam ser patenteáveis.
Alguns cientistas também apontam para as
normas européias como um modelo. Walters nota que na Europa
houve menos inclinação para se aprovar patentes
baseadas em genes e as normas para o que se poderia contar como
patenteável são muito mais restritas. A Europa também
mantém isenção para pesquisa.
Mas Brigid Quinn, diretor adjunto de questões
públicas do Escritório Americano de Patentes e Marcas,
defende a política americana de patenteamento em genômica,
que ela diz vir em conseqüência de uma série de
decisões dos tribunais.
“Eu penso que se você observar a indústria
farmacêutica, que está obviamente muito mais adiante,
você descobrirá que eles consideram o sistema muito mais
valioso,” diz Quinn. “Nós não teríamos os
produtos de cuidado com a saúde de hoje se não fosse
pelo sistema de patentes que dá direitos exclusivos. E, em
certo ponto na indústria de biotecnologia, eles se sentirão
da mesma forma, que o sistema de patentes relacionadas aos genes está
para sua vantagem. Eu acho que você descobrirá que
aqueles da indústria de biotecnologia são grandes
partidários do sistema”.
Quinn também acrescenta que, “Nós
não vimos qualquer evidência que mostre que o
patenteamento de invenções relacionadas a genes está
impedindo o progresso”.
Enquanto não está claro como as
questões se resolverão, o que parece certeza é
que um percentual crescente da comunidade científica está
ficando preocupado que se não houver algumas mudanças
no sistema de patenteamento, ele irá cada vez mais emperrar a
pesquisa baseada em DNA nos próximos anos.
“É uma preocupação, e se
continuar, como irá parecer em dez anos?” pergunta Heinig.
“As pessoas não podem argumentar que isso irá se
resolver por si mesmo”.
Lee Drutman
é co-autor do livro The People’s Business: Controlling
Corporations and Restoring Democracy (Berrett-Kohler).
* Este texto foi
publicado originalmente no Multinational
Monitor, em julho de 2004. Tradução: Vanessa Sensato
link
para:
http://multinationalmonitor.org/mm2004/07012004/july-aug04corp2.html.
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