Os
movimentos para criação de novos estados constituem uma das tendências mais
recentes do federalismo brasileiro. Atualmente, existem espalhados pelo
território nacional diversos movimentos, com diferentes graus de articulação,
para criação de novas unidades federativas a partir da fragmentação de estados
existentes. Ao todo, contam-se 13 regiões reivindicando o status de estado membro da federação: Tapajós (PA), Carajás (PA),
Araguaia (MT), Solimões (AM), Maranhão do Sul (MA), Gurgueia (PI), São
Francisco (BA), Santa Cruz (BA), Planalto Central (DF, MG, GO), Triângulo (MG),
São Paulo do Sul (SP), Iguaçu (PR, SC) e Minas do Norte (MG).
Argumento,
neste artigo, que a ação de criar ou não novos estados ou territórios deve ser
analisada no âmbito do processo mais amplo da construção do Estado nacional
brasileiro. Os casos de demandas por autonomia político-administrativa
existentes no Brasil corroboram a visão de que a construção do Estado não é um
evento discreto no tempo, um fenômeno realizado no passado e que estaria pronto
e acabado por toda a vida de uma sociedade. Deste ponto de vista, as demandas
por autonomia demonstram claramente que o Estado brasileiro está em pleno
processo de construção, bem como a nossa federação e o nosso federalismo. Tais
demandas autonomistas são consequências não previstas do processo de construção
do Estado no Brasil. No entanto, elas surgem sem que os atores as tivessem
planejado, a partir de um nível básico, qual seja, o das relações e
interligações entre indivíduos e grupos radicados em determinadas regiões
dentro de uma província ou estado e, a partir desse nível, estabelecem relações
com os governos regionais e central, relações essas que, dentro da moldura
político-institucional de um Estado unitário no período imperial e do
federalismo na República, via de regra, são marcadamente conflitivas e
competitivas.
No jogo
federativo é preciso considerar não somente a competição por uma maior
participação na distribuição do poder entre os estados, mas, também, a
competição entre as diferentes regiões que um mesmo estado comporta, isto é,
quando indivíduos e grupos radicados numa determinada região se sentem
estigmatizados ou deslocados dos processos centrais de desenvolvimento estadual,
passam a ver na autonomia administrativa a salvação para as suas
reivindicações, de modo que o separatismo ou a fragmentação aparece como o
único meio realista de combater ou de anular os efeitos da dominação exercida
pelos poderes centrais.
É a partir
dessa perspectiva que se pode compreender os sentimentos regionalistas
existentes dentro do território brasileiro. O regionalismo aponta para as
diferenças que existem entre regiões, com os indivíduos e grupos utilizando-se
dessas diferenças na construção de identidades próprias. As relações com os
governos centrais (federal e estadual), de um modo geral, são conflitivas, pois
raramente a promoção de interesses pelo poder central coincide com a promoção
dos interesses de todos os grupos. Essa é a raiz dos movimentos seccionistas de
caráter regional como os que estão em pauta no momento.
A pergunta que se impõe, portanto, é a seguinte: que fatores e
condições favorecem o sucesso ou o fracasso de tais demandas? E o que podemos
aprender com elas para a compreensão do plebiscito em curso que divide o estado
do Pará? Tomemos como exemplo as demandas autonomistas do norte de Goiás e do
Triângulo Mineiro na Constituinte de 1987/88. Minha análise indica que ao chegar
ao plenário da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), a proposta em prol da
criação do estado do Tocantins já havia derrubado um dos maiores obstáculos que
impede as propostas de criação de novos estados no país, a partir do
desmembramento de uma região de estados já existentes, que é a oposição das
elites centrais ao pleito. Nesse aspecto, a ANC foi mero instrumento de
confirmação de uma decisão costurada entre as elites da região Norte,
favoráveis ao pleito, as elites centrais do estado de Goiás e o governo
federal.
Ao contrário da demanda do norte goiano, para o movimento em prol do
Triângulo Mineiro a vitória deveria ser conquistada dentro da ANC, o que tornou
as coisas mais difíceis para o movimento, visto que o mesmo chegou à Constituinte
internamente dividido e, sobretudo, sem o apoio e aquiescência das elites
centrais do estado de Minas Gerais.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar, em caráter prospectivo, que a
aquiescência das elites centrais às demandas autonomistas, a unanimidade das
bancadas estaduais, são condições necessárias, mas não são suficientes para se
alcançar a vitória de um movimento autonomista, visto que o mesmo pode esbarrar
na resistência do governo federal, sobretudo, fora do âmbito de uma ANC, quando
o presidente pode vetar as decisões da Câmara e do Senado.
Quanto às consequências políticas da vitória da demanda autonomista do
norte goiano e da derrota do Triângulo Mineiro, pode-se afirmar que o governo
federal saiu fortalecido com esse resultado, visto que não se indispôs com a
segunda maior bancada de deputados do país e, muito menos, com a bancada do
estado de Goiás, posto que o número de representantes do estado não sofreu
alteração com a criação do Tocantins. Além disso, há que se considerar que a
criação de um novo estado coloca o mesmo na dependência financeira do poder
central. O que significa uma bancada pequena, mas fiel ao governo. Daí,
portanto, o Estado ter garantido a sua centralidade e territorialidade com o
resultado estabelecido pela Constituinte.
Do ponto de vista do
federalismo brasileiro, a sobrerrepresentação dos estados da região Norte é um
fenômeno inegável e deveria ser matéria de uma reforma política, algo que nem a
presidência de Fernando Henrique Cardoso, e nem de Luis Inácio Lula da Silva, fizeram.
Evidentemente que a criação desses novos estados aumentaria as bancadas (Câmara
e Senado) da região Norte, dessa maneira aumentando o poder de barganha da
mesma no jogo da federação brasileira. Se lembrarmos que nas últimas eleições o
país ficou dividido entre norte e sul, talvez encontremos aí uma das chaves
para a compreensão do que está em pauta.
Herbert
Toledo Martins é sociólogo, professor do programa de pós-graduação em ciências
sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
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