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Artigo
A questão atual da criação de novos estados no Brasil
Por Herbert Toledo Martins
10/11/2011

Os movimentos para criação de novos estados constituem uma das tendências mais recentes do federalismo brasileiro. Atualmente, existem espalhados pelo território nacional diversos movimentos, com diferentes graus de articulação, para criação de novas unidades federativas a partir da fragmentação de estados existentes. Ao todo, contam-se 13 regiões reivindicando o status de estado membro da federação: Tapajós (PA), Carajás (PA), Araguaia (MT), Solimões (AM), Maranhão do Sul (MA), Gurgueia (PI), São Francisco (BA), Santa Cruz (BA), Planalto Central (DF, MG, GO), Triângulo (MG), São Paulo do Sul (SP), Iguaçu (PR, SC) e Minas do Norte (MG).

Argumento, neste artigo, que a ação de criar ou não novos estados ou territórios deve ser analisada no âmbito do processo mais amplo da construção do Estado nacional brasileiro. Os casos de demandas por autonomia político-administrativa existentes no Brasil corroboram a visão de que a construção do Estado não é um evento discreto no tempo, um fenômeno realizado no passado e que estaria pronto e acabado por toda a vida de uma sociedade. Deste ponto de vista, as demandas por autonomia demonstram claramente que o Estado brasileiro está em pleno processo de construção, bem como a nossa federação e o nosso federalismo. Tais demandas autonomistas são consequências não previstas do processo de construção do Estado no Brasil. No entanto, elas surgem sem que os atores as tivessem planejado, a partir de um nível básico, qual seja, o das relações e interligações entre indivíduos e grupos radicados em determinadas regiões dentro de uma província ou estado e, a partir desse nível, estabelecem relações com os governos regionais e central, relações essas que, dentro da moldura político-institucional de um Estado unitário no período imperial e do federalismo na República, via de regra, são marcadamente conflitivas e competitivas.

No jogo federativo é preciso considerar não somente a competição por uma maior participação na distribuição do poder entre os estados, mas, também, a competição entre as diferentes regiões que um mesmo estado comporta, isto é, quando indivíduos e grupos radicados numa determinada região se sentem estigmatizados ou deslocados dos processos centrais de desenvolvimento estadual, passam a ver na autonomia administrativa a salvação para as suas reivindicações, de modo que o separatismo ou a fragmentação aparece como o único meio realista de combater ou de anular os efeitos da dominação exercida pelos poderes centrais.

É a partir dessa perspectiva que se pode compreender os sentimentos regionalistas existentes dentro do território brasileiro. O regionalismo aponta para as diferenças que existem entre regiões, com os indivíduos e grupos utilizando-se dessas diferenças na construção de identidades próprias. As relações com os governos centrais (federal e estadual), de um modo geral, são conflitivas, pois raramente a promoção de interesses pelo poder central coincide com a promoção dos interesses de todos os grupos. Essa é a raiz dos movimentos seccionistas de caráter regional como os que estão em pauta no momento.

A pergunta que se impõe, portanto, é a seguinte: que fatores e condições favorecem o sucesso ou o fracasso de tais demandas? E o que podemos aprender com elas para a compreensão do plebiscito em curso que divide o estado do Pará? Tomemos como exemplo as demandas autonomistas do norte de Goiás e do Triângulo Mineiro na Constituinte de 1987/88. Minha análise indica que ao chegar ao plenário da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), a proposta em prol da criação do estado do Tocantins já havia derrubado um dos maiores obstáculos que impede as propostas de criação de novos estados no país, a partir do desmembramento de uma região de estados já existentes, que é a oposição das elites centrais ao pleito. Nesse aspecto, a ANC foi mero instrumento de confirmação de uma decisão costurada entre as elites da região Norte, favoráveis ao pleito, as elites centrais do estado de Goiás e o governo federal.

Ao contrário da demanda do norte goiano, para o movimento em prol do Triângulo Mineiro a vitória deveria ser conquistada dentro da ANC, o que tornou as coisas mais difíceis para o movimento, visto que o mesmo chegou à Constituinte internamente dividido e, sobretudo, sem o apoio e aquiescência das elites centrais do estado de Minas Gerais.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar, em caráter prospectivo, que a aquiescência das elites centrais às demandas autonomistas, a unanimidade das bancadas estaduais, são condições necessárias, mas não são suficientes para se alcançar a vitória de um movimento autonomista, visto que o mesmo pode esbarrar na resistência do governo federal, sobretudo, fora do âmbito de uma ANC, quando o presidente pode vetar as decisões da Câmara e do Senado.

Quanto às consequências políticas da vitória da demanda autonomista do norte goiano e da derrota do Triângulo Mineiro, pode-se afirmar que o governo federal saiu fortalecido com esse resultado, visto que não se indispôs com a segunda maior bancada de deputados do país e, muito menos, com a bancada do estado de Goiás, posto que o número de representantes do estado não sofreu alteração com a criação do Tocantins. Além disso, há que se considerar que a criação de um novo estado coloca o mesmo na dependência financeira do poder central. O que significa uma bancada pequena, mas fiel ao governo. Daí, portanto, o Estado ter garantido a sua centralidade e territorialidade com o resultado estabelecido pela Constituinte.

Do ponto de vista do federalismo brasileiro, a sobrerrepresentação dos estados da região Norte é um fenômeno inegável e deveria ser matéria de uma reforma política, algo que nem a presidência de Fernando Henrique Cardoso, e nem de Luis Inácio Lula da Silva, fizeram. Evidentemente que a criação desses novos estados aumentaria as bancadas (Câmara e Senado) da região Norte, dessa maneira aumentando o poder de barganha da mesma no jogo da federação brasileira. Se lembrarmos que nas últimas eleições o país ficou dividido entre norte e sul, talvez encontremos aí uma das chaves para a compreensão do que está em pauta.

Herbert Toledo Martins é sociólogo, professor do programa de pós-graduação em ciências sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)