A produção tradicional de vinhos no mundo está situada em regiões de clima temperado, entre os paralelos 30-45º no Hemisfério Norte, onde estão os Estados Unidos, o Canadá, todos os países tradicionais da Europa, como França, Espanha, Itália, Portugal e Alemanha, e entre 29-42º no Hemisfério Sul, onde estão o Chile, a Argentina, os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a África do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia (Tonietto; Carbonneu, 1999). O Brasil é um dos países que produz vinhos em região de clima tropical semiárido, no Vale do Submédio São Francisco, nordeste do país. Outros países como Índia, Tailândia, Mianmar, Vietnam e Bangladesh, no Hemisfério Norte, e a Venezuela, no Hemisfério Sul, também estão produzindo vinhos tropicais, sem ainda contar com o apoio de Instituições públicas no desenvolvimento de pesquisas científicas (Tonietto; Camargo, 2006; Pereira et al., 2011).
No Nordeste do Brasil, o Vale do Submédio São Francisco está situado entre os paralelos 8-9º do Hemisfério Sul, é uma região de clima tropical semiárido, com características edafoclimáticas que possibilitam o escalonamento da produção de uvas para vinhos ao longo do ano, sendo que uma planta de videira pode produzir duas safras por ano, devido às altas temperaturas, altos índices de insolação e água disponível em abundância para a irrigação, proveniente do rio São Francisco. Este fato permite com que os investimentos em estrutura física sejam menores que aqueles realizados em regiões de clima temperado, onde a colheita de uvas se concentra em três ou quatro meses do ano, dependendo do ciclo de cada variedade.
Dependendo do mês em que ocorre a colheita e a elaboração os vinhos apresentam grandes variações em composição, qualidade e tipicidade, principalmente devido à variabilidade climática intra-anual (Tonietto; Teixeira, 2004; Araújo et al., 2010a e b e 2011; Pereira; Guerra, 2010a e b; Pereira et al., 2011; Tonietto; Pereira, 2011 e 2012).
Atualmente o Vale possui aproximadamente 500 ha de vinhedos, produzindo cerca de 6 milhões de litros de vinhos finos, o que representa cerca de 15% da produção nacional, sendo a segunda área em produção do país, atrás apenas do Rio Grande do Sul. A atividade vitivinícola emprega cerca de 6.000 pessoas, direta e indiretamente, chegando a 30.000 se for incluída a produção de uvas de mesa. A temperatura média anual é de 26ºC, com índice pluviométrico médio anual de 550 mm, concentrado entre os meses de janeiro a abril, 3.000 horas de insolação por ano, a 350 m de altitude.
As principais variedades utilizadas para a produção de vinhos tintos na região do Vale do Submédio São Francisco são syrah, tempranillo, touriga nacional, cabernet sauvignon, alicante bouschet, ruby cabernet e petit verdot, sendo que syrah representa cerca de 65% dos vinhos tintos. No caso dos brancos, as uvas utilizadas são chenin blanc, sauvignon blanc, moscato canelli e viognier, sendo que a chenin representa cerca de 60% dos vinhos brancos tranquilos (Camargo et al., 2011; Pereira et al., 2011).
Os vinhos, de maneira geral, apresentam características interessantes. Os brancos são leves, com aromas florais, fáceis de serem consumidos; e os tintos são variados, desde vinhos leves, jovens, até os mais encorpados, que passam por algum período em barricas. Os espumantes são a maioria, entre secos, demi-secs e moscatéis, a partir das uvas moscatos Itália e canelli, além de vinhos rosados, licorosos e brandy.
O Brasil é pioneiro no desenvolvimento de pesquisas sobre vinhos em regiões tropicais no mundo, contando com instituições públicas de pesquisa, como a Embrapa Semiárido, localizada em Petrolina-PE, onde foi inaugurado em 2006 o Laboratório de Enologia, além do Instituto Federal-IF Sertão Pernambucano, que tem a Escola do Vinho, também em Petrolina-PE, e ambas as instituições vêm desenvolvendo pesquisas sobre os vinhos tropicais do Brasil (Pereira et al., 2011).
Alguns trabalhos científicos estão sendo desenvolvidos para a caracterização analítica e sensorial dos vinhos tropicais elaborados no Vale do Submédio São Francisco a partir dos primeiros projetos de pesquisa aprovados e executados. Dentre eles, foram realizados diversos estudos de avaliação dos efeitos do potencial de adaptação de diferentes cultivares e clones, de porta-enxertos, da época de produção, de diferentes estratégias de irrigação e sobre as características físico-químicas e sensoriais dos vinhos brancos e tintos (Araújo et al.; 2012; Barros et al., 2012; Tonietto; Pereira, 2012; Oliveira et al., 2012a, 2012b e 2012c; Terra et al., 2012; Andrade et al., 2013). Estes trabalhos permitiram mostrar que os fatores ligados à viticultura e à enologia, podem influenciar significativamente a composição química e sensorial dos vinhos. O fator clima, por meio da variabilidade climática intra-anual nos diferentes períodos de produção, tem sido o fator predominante nas mudanças da qualidade e tipicidade dos vinhos. Conceitos foram desenvolvidos e propostos a partir da experiência do grupo sobre os vinhos tropicais do nordeste do Brasil.
Mais recentemente, alguns trabalhos vêm sendo realizados sobre os efeitos do consumo de vinhos no sistema cardiovascular. Duas teses desenvolvidas em 2010, na UFPE e Univasf, mostraram que os vinhos tintos do Vale do Submédio São Francisco apresentam maior concentração de resveratrol e outros fenólicos, quando comparados a vinhos de outras regiões do Brasil e mesmo do mundo. Este fato pode ser explicado pelas altas temperaturas durante a maturação das uvas na região, visto que o resveratrol é um estilbeno e uma fitoalexina, ou seja, é produzido pelas videiras em situação de estresse. Com isso, os vinhos apresentam teores bem mais elevados de fenólicos. Este fato está sendo estudado para verificar se o consumo de vinhos tintos do Nordeste poderá fazer mais bem à saúde que vinhos de outras regiões. Mas os trabalhos estão em andamento e os resultados devem ser divulgados até o final do ano
Pelo fato de a região vitivinícola do Vale do Submédio São Francisco ser muito recente, em comparação as regiões tradicionais localizadas na Europa, Américas do Sul e do Norte, bem como África do Sul e Oceania, muito ainda deve ser feito em termos de pesquisas científicas. Deverão ser estudados com mais detalhes os fatores agronômicos das videiras, bem como fatores enológicos durante a elaboração dos vinhos, de maneira a melhorar os conhecimentos dos processos e a qualidade e a estabilidade dos produtos. A região está em busca da certificação dos vinhos comerciais, por meio da implementação da Indicação Geográfica de Procedência-IP. Este projeto está sendo elaborado para captar recursos e possibilitar a execução dessas ações, que permitam chegar à certificação dos vinhos do Vale. Com isso, o setor vitivinícola terá melhores condições mercadológicas para seus produtos, com maior divulgação e notoriedade, garantindo a sustentabilidade das empresas vinícolas, bem como os empregos gerados para a população envolvida na cadeia produtiva da uva e do vinho no nordeste do Brasil.
Giuliano Elias Pereira é pesquisador em viticultura e enologia da Embrapa Uva e Vinho/Semiárido, Petrolina-PE.
Referências bibliográficas
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