A primeira
observação da colisão e fusão de um par de buracos negros foi efetuada no dia 14
de setembro de 2015 (sigla do evento: GW150914) às 6h51, horário de Brasília,
pelos dois detectores do Observatório de Ondas Gravitacionais por
Interferometria Laser (sigla Ligo em inglês).
No dia 26
de dezembro de 2015, ondas gravitacionais foram observadas pela segunda vez
(GW151226) à 1h38, horário de Brasília, marcando o começo de uma nova era em
astronomia e abrindo uma nova janela de observação do universo sob a forma de
ondas gravitacionais.
Os
observatórios Ligo são financiados pela Fundação Nacional de Ciências dos Estados
Unidos (sigla NSF em inglês) e foram originalmente propostos como meio de
detectar ondas gravitacionais nos anos 1980 por Rainer Weiss, professor emérito
de física do MIT; Kip Thorne, professor emérito na cátedra Richard P. Feynman
de física teórica da Caltech, e Ronald Drever, professor emérito de física,
também da Caltech.
As
descobertas, aceitas para publicação no jornal científico Physical Review Letters, foram feitas pela Colaboração Científica Ligo
(que inclui a Colaboração GEO600 e o Consórcio Australiano de Astronomia
Interferométrica Gravitacional) e a Colaboração Virgo, utilizando dados dos
dois detectores Ligo.
A
pesquisa no Ligo é realizada pela Colaboração Científica (sigla LSC em inglês),
um grupo de mais de mil cientistas de universidades espalhadas nos Estados
Unidos e em 14 outros países. Mais de 90 universidades e institutos de pesquisa
na LSC desenvolvem tecnologia de detecção e analisam dados; aproximadamente 250
estudantes são fortes membros contribuintes da Colaboração.
Existem
dois grupos no Brasil, ambos no estado de São Paulo, que participam
oficialmente da LSC. O primeiro está na Divisão de Astrofísica do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, órgão do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação, e conta com seis membros; o segundo, no
Instituto de Pesquisa Fundamental da América do Sul, filiado ao Centro
Internacional de Física Teórica (sigla ICTP-SAIFR em inglês), localizado no IFT/Unesp,
na cidade de São Paulo.
As ondas
gravitacionais são oscilações do espaço-tempo causadas por alguns dos fenômenos
mais violentos do cosmos, como colisões e fusões de estrelas massivas
compactas, cuja existência foi prevista por Einstein em 1916, quando ele mostrou
que objetos massivos acelerados distorciam o espaço-tempo causando a irradiação
de ondas na forma de radiação gravitacional. Essas oscilações viajam à velocidade
da luz através do universo, levando informações sobre suas origens e sobre a
natureza da gravidade.
Nas últimas
décadas, os astrônomos têm acumulado fortes evidências de que as ondas
gravitacionais existem, principalmente por estudar seu efeito em órbitas próximas
de pares de estrelas de nêutrons em nossa galáxia. Os resultados desses estudos
concordam muito bem com a teoria de Einstein – com exatamente o mesmo
decaimento orbital previsto pela teoria e que é devido à perda de energia
transportada por ondas gravitacionais. No entanto, a detecção direta de ondas
gravitacionais tem sido amplamente desejada pela comunidade científica, já que
essa descoberta forneceria maneiras novas e mais robustas para testar a Relatividade
Geral sob condições extremas, abrindo uma nova maneira para explorar o
universo.
No mesmo
ano em que Einstein previu a existência das ondas gravitacionais, o físico Karl
Schwarzschild mostrou que o trabalho de Einstein deu suporte teórico à existência
de buracos negros: objetos estranhos tão densos e compactos que nem mesmo a luz
poderia escapar de sua atração gravitacional. Embora não possamos “ver” a luz
de um buraco negro, desde então astrônomos reuniram uma importante coleção de
evidências de sua existência, estudando os efeitos desses candidatos a buracos
negros na área circundante a eles. Por exemplo, acredita-se que a maioria das
galáxias, incluindo a Via Láctea, contém um buraco negro supermassivo no seu
centro – com massas milhões ou até bilhões de vezes maiores que a do Sol. Também
existem evidências de buracos negros com massas muito menores (de poucas vezes
até uma dúzia de vezes a massa do Sol), restos de estrelas mortas que sofreram
uma explosão cataclísmica chamada de colapso do núcleo supernova.
Além desses
progressos substanciais na observação indireta de buracos negros, a nossa compreensão
teórica desses estranhos objetos foi drasticamente melhorada – incluindo, na última
década, alguns avanços notáveis em nossa capacidade de simular em computador as
várias órbitas muito próximas até a fusão de um sistema binário (composto por
um par) de buracos negros. Esses modelos nos permitiram criar formas de ondas
gravitacionais muito precisas – ou seja, os padrões de ondas gravitacionais
emitidas por buracos negros e como eles evoluem à medida que os buracos negros
ficam mais próximos até finalmente se fundirem em um único buraco negro, mais
massivo – de acordo com as previsões da Relatividade Geral. Assim, a observação
direta de uma fusão de buracos negros ofereceria um poderoso laboratório cósmico
para testar a teoria de Einstein.
Ligo é o maior
observatório de ondas gravitacionais e um dos mais sofisticados experimentos de
física do mundo. Composto por dois grandes interferômetros a laser localizados
a milhares de quilômetros de distância, um em Livingston, Louisiana, e outro em
Hanford, estado de Washington, o Ligo usa as propriedades físicas da luz e do
espaço para detectar ondas gravitacionais – um conceito que foi proposto pela
primeira vez nas décadas de 1960 e 1970. Um primeiro conjunto de detectores foi
concluído no início de 2000, incluindo o TAMA300 no Japão, o GEO600 na
Alemanha, o Ligo nos Estados Unidos e o Virgo na Itália. Em seguida, e usando
combinações desses detectores, foram feitas observações conjuntas entre 2002 e
2011, sem se obter qualquer detecção de ondas gravitacionais. Depois de
progressos significativos realizados, os detectores Ligo começaram a operar em
2015 como Ligo Avançado: os primeiros de uma rede global de detectores
significativamente mais sensíveis.
Um
interferômetro como o Ligo consiste de dois braços perpendiculares (no caso do Ligo,
esses braços são de 4 km) em que um feixe de laser é enviado e refletido pelos
espelhos (massas teste suspensas) no final dos braços. Quando uma onda
gravitacional passa, a ampliação e o encolhimento do espaço faz com que os braços
do interferômetro se alonguem e encolham alternadamente, um fica menor enquanto
o outro fica maior e vice-versa. Como os braços alteram de comprimento, os
feixes de laser viajam distâncias diferentes através dos braços – o que
significa que os dois feixes não estão mais em fase e produzindo o que chamamos
de padrão de interferência. É por causa disso que nos referimos aos detectores
Ligo como “interferômetros”. A diferença entre o comprimento dos dois braços é
proporcional à intensidade da onda gravitacional que está passando, chamada de
amplitude de deformação da onda gravitacional, sendo essa amplitude de deformação
extremamente pequena. Em uma onda gravitacional típica, supõe-se que essa
amplitude de deformação deva ser, aproximadamente, dez mil vezes menor que o diâmetro
de um próton! Ainda assim os interferômetros Ligo são tão sensíveis que eles
podem medir esses valores extremamente pequenos.
Para
detectar com sucesso uma onda gravitacional como a GW150914, os detectores Ligo
precisam combinar uma grande sensibilidade com a capacidade de isolar os sinais
reais das fontes de ruído instrumental: pequenas perturbações devido, por
exemplo, a efeitos ambientais ou ao próprio instrumento, poderiam imitar – ou
simplesmente superar – os padrões de ondas gravitacionais que estamos buscando.
Essa é uma das principais razões pelas quais há dois detectores Ligo Avançados,
o que nos permite distinguir as ondas gravitacionais dos efeitos ambientais e
instrumentais acima mencionados: só um sinal de onda gravitacional real
apareceria em ambos os detectores – que, sem dúvida, estariam separados por alguns
milésimos de segundo, considerando o tempo que a luz (ou uma onda
gravitacional) leva para se deslocar entre os dois detectores.
Ondas gravitacionais
levam informações sobre a própria origem e sobre a natureza da gravidade que não
podem ser obtidas de outro jeito. A comparação dos dados de amplitude com as
previsões teóricas permite testar que a Relatividade Geral é realmente a teoria
correta para descrever o evento e estimar características físicas específicas
de GW150914: aconteceu a uma distância da Terra de mais de 1 bilhão de anos-luz
da Terra e os dois buracos negros se fusionando têm massas aproximadamente 36
vezes e 29 vezes a do Sol. O buraco negro remanescente teria uma massa ao redor
de 62 vezes a do Sol; a coalescência converteu aproximadamente três vezes a
massa do Sol em energia na forma de ondas gravitacionais, a maioria emitida em
uma fração de segundo. Além disso, conclui-se que o buraco negro remanescente
está girando – estes buracos negros em rotação foram formulados de maneira teórica
em 1963 pelo matemático Roy Kerr. Desde a evolução da frequência do sinal pode-se
concluir que os dois componentes estiveram separados por algumas poucas
centenas de quilômetros imediatamente antes de se fundirem, ou seja, quando a
frequência da onda gravitacional era de aproximadamente 150 Hz.
No caso
do GW151226, físicos concluíram que essas ondas gravitacionais foram produzidas
durante os últimos instantes da fusão de dois buracos negros de massa
respetivamente 14 e 9 vezes o nosso Sol – produzindo um buraco negro só, mais
massivo, 21 vezes mais pesado que o Sol. A partir do tempo de chegada dos
sinais, o detector do Livingston mediu as ondas 1,1 milissegundos antes do detector
de Hanford. A posição da fonte no céu pode ser aproximativamente determinada,
mas com menos precisão que no caso do GW150914, por causa da menor intensidade
do sinal. O sinal detectado foi originado das últimas 55 órbitas dos buracos
negros antes da colisão. É muito significativo que o segundo par de buracos
negros foi muito menos massivo que o observado na primeira detecção: graças a
suas massas menores, comparadas com aquelas da primeira detecção, passaram mais
tempo – cerca de um segundo – na banda sensível dos detectores.
Ambas as
descobertas foram possíveis graças às capacidades avançadas do Advanced Ligo,
um melhoramento radical que acrescentou sensibilidade aos instrumentos na comparação
com a primeira geração dos detectores Ligo, permitindo acrescentar bastante o
volume do universo observado. A segunda detecção legitimou a “0”: com as detecções
de dois eventos fortes nos quatro meses de tomada de dados, pode-se começar a fazer
predições sobre quantas vezes poderíamos escutar ondas gravitacionais no
futuro. Ligo está permitindo o tipo de informações astrofísicas que só podem
vir desde as detecções das ondas gravitacionais.
A próxima
tomada de dados do Advanced Ligo começará nos últimos meses do 2016. Até então,
ulteriores melhoramentos na sensibilidade dos detectores são esperados,
permitindo que Ligo atinja de 1,5 até 2 vezes mais volume do Universo. Espera-se
que o detector Virgo possa tomar dados junto com os Ligo’s na segunda metade da
próxima tomada de dados.
Os
projetos futuros incluem melhorias nos detectores Ligo Avançados e a extensão da
rede global de detectores para incluir o Virgo Avançado, o Kagra e um possível
terceiro detector Ligo na Índia, o que vai melhorar significativamente nossa
capacidade de localizar posições de fontes de ondas gravitacionais no céu e
estimar suas propriedades físicas.
O novo
campo da astronomia de ondas gravitacionais parece ter um futuro brilhante pela
frente!
Riccardo Sturani é
mestre (1997) e doutor (2000) em física pela Scuola Normale Superiore (SNS,
Itália), com ênfase em física das ondas gravitacionais. É bolsista jovem
pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT) da Universidade Estadual
Paulista (Unesp).
Informações
adicionais
A página
da Colaboração Científica Ligo:
http://www.ligo.org
Página do
Virgo Avançado:
http://public.virgo-gw.eu/language/en/
Ligo Open
Science Center (com os dados do GW150914 e do GW151226):
https://losc.ligo.org/about/
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