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Artigo
Impactos e medidas econômicas relacionados a desastres
Por Juliano Costa Gonçalves
10/04/2010

O que é um desastre? Como os desastres afetam a economia de um país? Quais medidas econômicas podem ser e estão relacionadas à gestão dos desastres? Essas perguntas se tornam extremante relevantes e atuais, dado o contexto do último um ano e meio. Esse artigo tem o objetivo de apresentar um breve debate sobre o tema desastres e economia.

Um desastre ocorre devido ao encontro no tempo e no espaço de um perigo com uma vulnerabilidade, sendo um evento que já ocorreu. O perigo faz referência ao grau de ameaça potencial para um lugar ou assentamento humano e pode ser natural, tecnológico ou social. A vulnerabilidade, por sua vez, é a propensão em que um sistema ou população humana pode, em virtude de sua relação com um perigo, vir a sofrer danos. A vulnerabilidade pode ser física – quando se trata de sistemas construídos pelo homem, como prédios, estradas entre outros – ou social – quando faz referência aos seres humanos. Isso significa, por exemplo, que se a ameaça é a chuva que cai sobre barrancos expostos e provoca deslizamentos, o desastre ocorre quando há moradias nesses barrancos que estão vulneráveis (fisicamente e socialmente) a tal ameaça, sendo, portanto, atingidas, podendo ocasionar mortes e deixar famílias desabrigadas.

Os desastres podem ser conceituados como eventos que ocasionam danos, perdas e paralisação temporária de atividades de certas áreas e afetam uma parte importante da população. Os danos ocasionados podem ser materiais (como perda de infraestrutura, perda de bens, interrupção de serviços básicos) ou imateriais (como perda de vidas, desestruturação social das comunidades afetadas, alterações orgânicas e emocionais das pessoas afetadas).

A intensidade de um perigo advém da magnitude do evento que o originou. Significa dizer, por exemplo, que a quantidade de chuva medida em milímetros (mm) por dia vai determinar a intensidade do perigo, ou melhor dizendo, quanto maior a chuva, maior a intensidade de um perigo e maior a sua área de influência. Tal magnitude é o que vai influenciar, em conjunto com a vulnerabilidade existente, a dimensão dos danos e perdas envolvidos, implicando diretamente no número de pessoas que são afetadas e no impacto sobre a economia local ou nacional. O impacto econômico de um desastre se constroi na relação entre a magnitude do desastre e o tamanho da economia de um país. Os desastres podem atrasar, consideravelmente, os esforços para a melhoria das condições de vida da população de países em desenvolvimento ou daqueles não desenvolvidos. Grandes desastres, como os terremotos no Haiti e no Chile, são exemplos de eventos de grande magnitude que provocaram danos em vastas áreas desses países. No Haiti, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) estima os danos e perdas ocasionados pelo terremoto de janeiro de 2010 em US$ 7,754 bilhões o que corresponde a 121% do PIB daquele país (que em 2009 alcançou US$ 6,390 bilhões). Significa dizer que tudo o que foi produzido pela economia do Haiti, em 2009, é inferior às perdas e danos ocasionados pelo terremoto. No Chile, os dados preliminares apresentados pelo presidente Sebastián Piñera indicam o dano patrimonial provocado pelo terremoto em US$ 30 bilhões, ou cerca de 20% do PIB chileno. Mesmo que a magnitude do terremoto no Chile tenha sido cerca de 800 vezes superior ao terremoto no Haiti, os impactos econômicos em relação ao PIB são inferiores no Chile, posto que a economia chilena é muitas vezes maior que a haitiana.

A necessidade de reconstrução e reabilitação das áreas atingidas por um desastre implica, de acordo com a intensidade do desastre, em um grande esforço financeiro que pode exceder a capacidade de muitas economias. Muitas vezes, os desastres conduzem, no plano financeiro, a um maior endividamento das economias afetadas, aumento de impostos ou crescimento do déficit público para fazer frente à necessidade de recursos para a reconstrução e para remediar uma possível queda da arrecadação tributária devido à interrupção de atividades econômicas. Pode haver queda nas exportações devido à destruição de colheitas ou da infraestrutura necessária para transportar a produção, por exemplo. Outro efeito econômico é a ameaça de inflação pela escassez de produtos e pela especulação.

A busca de ajuda humanitária por meio de doações financeiras é um expediente muito utilizado para ajudar na reconstrução de países pobres. As doações são oriundas de diversas partes do mundo. O caso do Haiti é um exemplo interessante. A comunidade internacional se comprometeu a doar um montante de US$ 5,3 bilhões nos próximos dois anos, superando os US$ 3,9 bilhões solicitados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Houve também o compromisso de doação de mais US$ 3,7 bilhões a longo prazo, totalizando quase os US$ 11,6 bilhões que a ONU julga necessários para a reconstrução e reabilitação do Haiti nos próximos 10 anos. O presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, solicitou o cancelamento da dívida externa do Haiti. Trata-se de uma medida para melhorar a capacidade de investimento do governo haitiano. No Chile, há a expectativa da utilização de empréstimos e de utilizar recursos economizados nos últimos anos para realizar a reconstrução e a reabilitação pós-terremoto.

Há evidente necessidade de se realizar um esforço financeiro para a reconstrução e reabilitação das áreas atingidas por um desastre. Duas direções, então, se abrem nesse processo, que são: 1) reconstruir as estruturas danificadas da forma como eram antes; e, 2) reconstruir as estruturas danificadas para resistir a outros perigos semelhantes. A segunda alternativa implica em custos extras, mas permite, por sua vez, a diminuição do processo de vulnerabilidade. A adoção dessa possibilidade nos conduz à questão da gestão de riscos, ou seja, a adoção de medidas que atuem na atenuação dos perigos e das vulnerabilidades como forma de diminuir o impacto dos desastres. Se o desastre significa que o evento já ocorreu, o risco se apresenta como algo que ainda não aconteceu, mas que existe probabilidade de ocorrer. A gestão de riscos se propõe a alterar essa probabilidade, ao tentar diminuir as vulnerabilidades de uma população, por exemplo.

A gestão de riscos se divide em dois elementos chave, que são:

•  Pré-desastre: é composta por um conjunto de elementos tais como identificação dos riscos, mitigação dos riscos, transferência dos riscos e prevenção.

•  Pós-desastre: resposta à emergência; reabilitação ou recuperação; e reconstrução.

A fase pré-desastre exige uma série de medidas que desejam aumentar o conhecimento científico acerca dos desastres, patrocinando estudos e pesquisas a respeito dos perigos e das vulnerabilidades física e social de áreas e populações, visando construir um conjunto de dados que permitam melhorar sistemas de alertas e prevenção de desastres, ajudando a mitigar os riscos. A transferência dos riscos implica em prever mecanismos que possam prover recursos para cobrir perdas diretas (danos ao patrimônio sofridas durante o evento) e indiretas (bens e serviços que deixam de ser produzidos). A prevenção se refere às atividades que evitam frontalmente o impacto adverso de desastres. Trata-se da realização de investimentos nas áreas frequentemente atingidas por desastres. O exemplo são as enchentes na região metropolitana de São Paulo. A construção de piscinões, a limpeza de bueiros, entre outros, são exemplos da tentativa de prevenção de desastres.

As medidas pós-desastre implicam na resposta à emergência, ou seja, como os órgãos que são responsáveis por atuar diretamente em cenários de desastres se comportam nas situações mais críticas. A fase de reabilitação pretende reparar instalações, infraestruturas e ativos sem modificar suas características principais. Já a reconstrução é o processo em que os recursos financeiros são mais necessários, devido à sua relevância social, econômica e ambiental. Os planos de reconstrução devem ser priorizados de acordo com os recursos financeiros disponíveis. Os investimentos originados no processo de reconstrução ajudam a proporcionar aumentos na quantidade de produtos e serviços de um país, ou seja, permite o incremento do Produto Interno Bruto (PIB). Ainda há discordância na literatura especializada sobre os efeitos de um desastre e sua correlação com o PIB, ou seja, como um desastre afeta o conjunto de bens e serviços produzidos por um país durante um ano, não só no curto-prazo (relativo a cinco anos após o desastre), mas, também no longo-prazo (mais de cinco anos após os desastre).

No Brasil, existem recursos orçamentários disponíveis para projetos de reconstrução. Porém, esses recursos costumam ficar aquém do necessário. A cada verão, enquanto a magnitude dos desastres se mantiver alta e não forem realizados esforços para a gestão de desastres no seu momento pré-desastre, não será possível financiar todos os projetos de reconstrução. Nesse ponto, há a necessidade de um esforço maior, no que tange o investimento para conduzir operações pré-desastre mais efetivas, com medidas de prevenção mais robustas nas áreas de enchentes e deslizamentos, os dois principais desastres no Brasil. A possibilidade de financiamento maior para o desenvolvimento de etapas do período pré-desastre é, portanto, essencial no atual contexto de aumento dos eventos extremos, nesse caso, chuvas, devido ao processo de aquecimento global. Trata-se de uma exigência da atual conjuntura que não pode mais ser desprezada na gestão de riscos no Brasil.

Juliano Costa Gonçalves é doutor em ciências – engenharia ambiental – pela USP, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (Neped) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professor da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) em Araraquara-SP.

Cepal (Comisión econômica para América Latina y Caribe). El impacto de los desastres naturales em el desarrollo: documento metodológico básico para estúdios nacionales de caso. Cepal, México, 2005.

Cepal, informação disponível em: http://www.eclac.cl/noticias/paginas/4/35494/2010-193-Terremoto-Rev1.pdf

Arantes, S. Chile usará empréstimos e economias na reconstrução”. Folha de S. Paulo, Caderno Mundo, Caderno Mundo, 13 de março de 2010.

Fibe, C. “Doações ao Haiti superam meta em reunião”. Folha de S. Paulo, Caderno Mundo, 01 de abril de 2010.

Iglesias, S. “No Haiti, Lula pede perdão da dívida e elogia missão do Brasil”. Folha de S. Paulo, Caderno Mundo, 26 de fevereiro de 2010.

Arantes, S. Chile usará empréstimos e economias na reconstrução”. Folha de S. Paulo, Caderno Mundo, Caderno Mundo, 13 de março de 2010.