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Artigo
Ética na avaliação dos cientistas
Por José Daniel Figueroa Villar
10/04/2013

Um dos assuntos que tem melhorado intensamente no Brasil é o desenvolvimento científico. O número e a qualidade dos pesquisadores e seus trabalhos estão em pleno aumento a cada momento, contribuindo fortemente para a evolução positiva do país. Esse efeito está relacionado às ações das agências de fomento, que têm feito um excelente trabalho por muitos anos. Apesar de tudo, ainda temos sérios problemas, especialmente na avaliação de cientistas e pesquisadores.

Atualmente a avaliação de cientistas é baseada principalmente na sua produção científica, com foco no número de artigos publicados, no índice de impacto das revistas em que publicam e no número de citações nas publicações. 1,2 Esses tópicos são importantes e positivos no crescimento científico nacional, sendo fundamentais e necessários no processo de avaliação, mas infelizmente existem vários problemas relacionados com essas ações.

O principal problema é o pouco valor concedido a muitas ações importantes que os cientistas devem fazer, e um exagerado valor a outros tópicos. As atividades mais importantes que têm que ser muito bem consideradas na avaliação dos professores e cientistas são: formar recursos humanos; ministrar aulas de graduação e pós-graduação; participar de bancas de graduação, mestrado e doutorado; organizar eventos científicos; participar de concursos públicos; realizar processos administrativos institucionais; publicação e avaliação de artigos científicos, livros e capítulos; participação em eventos científicos; editoria de revistas; montagem e manutenção de laboratórios. Todos esses assuntos são de interesse científico e deveriam ser apreciados corretamente na avaliação de cientistas, mas muitas dessas ações não são bem valorizadas nem analisadas. O que atualmente é considerado mais importante na avaliação dos cientistas são as publicações científicas, que também é uma ação importante, mas que é um procedimento feito com vários erros e até com incentivos à falta de ética. Atualmente a produção de artigos de cada cientista é avaliada olhando o número de artigos, o índice de impacto das revistas e a quantidade de citações. Todos esses números são certamente importantes, mas se fixar principalmente nisso nos processo de avaliação é completamente errado.

Publicar muitos artigos é necessário, contribui para o desenvolvimento do Brasil e isso confirma dedicação às atividades científicas. A maior parte dos nossos pesquisadores produzem um bom número de excelentes artigos por ano, sendo pessoas de alta competência e dedicação e com boa contribuição para o avanço científico do nosso país. O problema é que também existem alguns pesquisadores que realizam ações antiéticas, para conseguirem muitos artigos publicados por ano e serem, assim, altamente valorizados. Algumas dessas pessoas não participam cientificamente dos trabalhos que publicam, pois se introduzem nos trabalhos de outros cientistas de forma irregular, como infiltradores. Por exemplo, as pessoas que somente contribuíram no artigo revisando o texto ou tendo pagado a revisão da linguagem, devem somente ser mencionadas nos agradecimentos do artigo e não colocadas como coautores. Isso é parte das instruções para autores de várias revistas, mas há várias pessoas que, sem ter nenhuma contribuição científica válida, conseguem aparecer como coautores em diversos artigos porque fizeram essas ações não aceitas nas revistas para que sejam considerados como coautores. Isso é antiético.

Pesquisadores que são responsáveis por laboratórios e equipamentos, normalmente, contribuem cientificamente de forma correta na obtenção de resultados que levam a publicações, o que justifica serem coautores nesses artigos. A maior parte deles não é de infiltradores, e somente aceitam serem incluídos como coautores em publicações quando fazem contribuições verdadeiramente importantes. No entanto, existem outros cientistas que obrigam todas as pessoas que obtêm dados nos seus equipamentos a colocar seu nome como coautores nos artigos que publicam, mesmo sem ter participado corretamente nos trabalhos. A permissão para o uso dos equipamentos por outras pessoas merece agradecimento e apoio na sua manutenção, mas não a sua inclusão como coautor nos artigos, pois isso é antiético.

Normalmente, os infiltradores aparecem em grande número de artigos como coautores, o que os leva a serem considerados superiores a muitos outros cientistas criadores e responsáveis pelas ideias, honestos e éticos, simplesmente porque eles publicaram menos artigos. Os verdadeiros cientistas são aqueles responsáveis pela criação das ideias, pelos resultados das pesquisas e pela orientação dos alunos que executaram os trabalhos. Outros cientistas, mesmo não sendo os orientadores, contribuem de forma apropriada nos trabalhos e ajudam a obter resultados, e por isso devem ser incluídos como coautores. A participação como coautor em artigos de outros pesquisadores é totalmente válida se existe contribuição científica no trabalho. Ainda assim, sua contribuição pode ser grande ou pequena, o que deveria ser analisado em todas as avaliações. Se um cientista publica dez artigos por ano, sendo verdadeiro coautor, mas com contribuições científicas pequenas, nas avaliações ele é considerado melhor que outro cientista que publica dois artigos por ano em que ele é o autor principal e teve uma forte contribuição científica. Isso é uma avaliação errada. Por outro lado, o cientista infiltrador, que não forneceu nenhuma contribuição científica decente como autor em 20 artigos, é considerado melhor que aquele que contribui, ainda de forma leve, em dez artigos. Essa forma de avaliação, além de ser errada, incentiva muitas pessoas a se converterem em infiltradores, o que é um grave problema na ética científica. Para melhorar essa avaliação, a solução é solicitar uma carta oficial do autor principal de cada artigo descrevendo corretamente a contribuição de cada um dos coautores.

Outro problema sobre o número de publicações é proveniente da fragmentação dos artigos. Em geral, os que fazem fragmentações podem ser ótimos cientistas, mas seguindo as regras de avaliação, tentam obter um maior número de artigos publicados. Para isso, mudam um trabalho que poderia ser publicado completo em uma única revista e transformam em dois ou três artigos de menor qualidade em várias revistas. Essas atitudes devem mudar, o que agora está acontecendo nos processos de avaliação dos órgãos de fomento.

O maior problema sobre artigos é descrever falsos resultados para garantir que sejam aceitos em revistas de bom impacto, o que é uma atitude completamente fora da ética científica e um mal para a humanidade. Publicar resultados falsos pode levar outros pesquisadores a investirem em assuntos sem potencial, o que é um crime. Felizmente quase não temos cientistas desse tipo de no Brasil.

Um aspecto importante para o avanço científico é a colaboração entre grupos de pesquisa, o que leva a trabalhos de alto valor e excelente qualidade, sendo muito importante para uma maior integração científica nacional. Normalmente artigos preparados dessa forma incluem um grande número de autores, o que é correto quando essas pessoas contribuíram significativamente na obtenção dos resultados publicados. Infelizmente isso nem sempre acontece dessa forma. Pessoas que não fizeram nada ou pouco fizeram ainda podem ser colocadas como autores por diversos motivos. Muitas vezes pessoas são colocadas em artigos porque existem pactos mútuos para a inclusão dos seus nomes ou porque são os chefes administrativos. Isso não é correto.

Nem sempre é o caso, mas autores principais que publicam mais artigos com mais coautores muitas vezes tiveram menos trabalho e menos responsabilidade nessa ação. Já quem publicar com menos coautores normalmente tem maior responsabilidade e mais trabalho. Ainda assim, os que publicam mais artigos com mais coautores são sempre considerados superiores àqueles outros somente porque publicam menos artigos, ainda se o fizeram com mais trabalho e dedicação. Na avaliação sempre deve ser analisado o trabalho de cada pessoa, inclusive do autor responsável. Isso também deve ser modificado nos procedimentos de avaliação de cientistas.

Outro aspecto da avaliação de cientistas é o índice de impacto das revistas onde publicam seus artigos. É evidente que publicar em revistas de maior impacto requer melhor qualidade e maior força científica. As revistas de maior impacto são muito importantes e publicar nelas é excelente. Ainda assim, existem vários problemas. Por exemplo, as pessoas que possuem maior fama e influência têm maior possibilidade de aceitação dos seus artigos em revistas mais fortes, inclusive por serem cidadãos dos países nos quais as revistas são controladas.

O problema que eu considero mais importante nesse aspecto do impacto das revistas na avaliação de cientistas é sobre ousadia. Por exemplo, imaginem se dois cientistas sem interação escrevessem separadamente um artigo idêntico. O autor mais ousado publica na Nature. O mais tímido publica em uma revista de impacto mais baixo. Se os dois cientistas fossem comparados com o método de avaliação atual, quem publicou na Nature seria nota dez, entanto o outro teria uma nota bem mais baixa. Como é possível dar notas diferentes aos autores se cientificamente o artigo é o mesmo? É pelo índice de impacto da revista. Se estivéssemos avaliando coragem isso seria correto, mas estamos avaliando qualidade científica e não ousadia. É claro que ter coragem e ousadia é bom, mas vários cientistas tímidos fizeram trabalhos mais importantes e com mais influência que muitos dos ousados, de forma que essa avaliação científica estaria errada. Eu pessoalmente admiro artigos publicados em revistas de alto impacto. Somente não deprecio bons artigos publicados em revistas de baixo impacto, até porque muitas vezes isso é necessário para que nossos artigos sejam lidos pelas pessoas interessadas no assunto.

Mais um aspecto importante é que o índice de impacto das revistas varia muito em função da área de pesquisa. Eu vejo que importantes áreas de pesquisa na química, como a química de produtos naturais e de compostos heterocíclicos, são relativamente depreciadas por possuírem revistas de relativo baixo impacto, o que é completamente errado. Um exemplo é a revista Journal of Magnetic Resonance, onde são publicadas novas técnicas de ressonância magnética nuclear (NMR). Essas técnicas são usadas por muitos pesquisadores, que quando publicam artigos, muitas vezes, não citam os artigos que lhes forneceram a nova metodologia de NMR, motivo pelo qual essa revista, que deveria ter impacto bem acima de dez, atualmente possui somente 2,344. Mas isso não significa que seja uma revista de baixo impacto. Isso acontece com muitas revistas.

Outro assunto forte na avaliação de cientistas é o índice H, que corresponde ao maior número de artigos com um número igual ou superior de citações. Por exemplo, se uma pessoa tem 25 artigos publicados, organizados de acordo com o número de citações, de forma que o artigo número dez possui dez citações, e os artigos de um a nove possuem dez ou mais citações, mas os artigos de 11 a 25 possuem menos de dez citações, isso implica que o índice H dessa pessoa é dez. Para ter índice H mais alto, temos que possuir mais artigos publicados e maior número de citações em cada um. Realmente, valores maiores de índice H indicam que o autor faz um trabalho com maior influência e apreciação científica, o que é uma coisa muito importante e valiosa. Por outro lado, é possível aumentar nosso índice H sem sermos grandes cientistas e sem produzir trabalhos realmente impactantes. Por exemplo, muitos autores ficam citando sempre seus próprios artigos publicados, mesmo quando têm pouca relação com os novos artigos. Isso leva a um aumento significativo das citações e do seu índice H, sem realmente estarem publicando artigos com impacto científico valioso. Por esse motivo, várias pessoas ficam focadas em um único assunto de pesquisa para poderem autocitar seus artigos o tempo todo e aumentar seu índice H. Por outro lado, também existem pactos entre autores para citar mutuamente seus trabalhos, de forma que cada um ajuda o outro a aumentar seu índice H. Muitas pessoas possuem mais de 60% de autocitações, o que pode ser bom e válido ou não. Um autor com 400 citações totais e 20% de autocitações é muito melhor que outro com 600 citações totais e 50% de autocitações. Isso deve ser considerado nos processo de avaliação científica.

Outro ponto sobre o índice H é que se alguém quer aumentar suas citações, pode buscar publicar trabalhos em áreas da moda, que são mais atrativas, independente de sua verdadeira importância. Publicar em áreas populares leva a mais citações. Publicar uma nova teoria normalmente leva anos para que o trabalho seja apreciado e citado, independente do seu impacto no desenvolvimento científico, de forma que seu número de citações deverá ser relativamente baixo. Um exemplo é o trabalho de Albert Einstein “Generalization of the relativistic theory of gravitation”, 3 que em 66 anos teve somente 119 citações, ou seja, 1,8 citações por ano. Esse artigo importante na teoria gravitacional é menos citado que muitos artigos atuais que não têm nem 1% da significância dele. Por isso, Einstein poderia ser mal avaliado.

Um ponto final que considero importante discutir são as atividades gerais dos pesquisadores e seu efeito na produção de artigos. Como as agências de fomento dão maior importância à publicação de artigos científicos, muitos professores fazem todo o possível para evitar todas as atividades que tiram tempo para publicar. Essas pessoas rejeitam participar como membros de bancas de avaliação de dissertações de mestrado, teses de doutorado e exames de qualificação e também recusam atuar como membros de bancas de concursos públicos. Não se envolvem na organização de eventos científicos e até evitam participar em congressos e fazem tudo para ministrar o menor número de aulas possível. Eles não valorizam apropriadamente nenhumas dessas outras atividades importantes para nosso progresso científico e tecnológico. Especialmente, desconsiderar a importância de formar recursos humanos dando aulas, geração de eventos científicos e participação em bancas é um grave erro dos sistemas de avaliação científica. Existem locais onde a média de aulas ministradas pelos seus professores é menor que 3 horas por semana, enquanto em outras instituições a média de aulas de cada professor por semana é acima de oito ou 12 horas. Independente desse tempo de trabalho, todos os professores são avaliados com base no número de artigos publicados. Não é justo comparar dois professores somente pelo número de publicações se um dá três e o outro 12 horas de aula por semana, especialmente porque aquele que ministra 12 horas de aulas por semana contribui quatro vezes mais na formação de recursos humanos que o outro. Vários pesquisadores que executam outras dessas atividades científicas são prejudicados no método de avaliação. É claro que conheço muitos cientistas com alta ética, que fazem muitas dessas outras atividades e ainda publicam muitos artigos em revistas de alto impacto e com excelente número de citações, pessoas que eu admiro profundamente. Mas também existem outros que publicam muito, sendo infiltradores antiéticos, e que fogem de outras atividades importantes. Pelo número de artigos, eles são considerados melhores que aqueles que realmente fazem todas suas obrigações e por causa disso publicam menos trabalhos. É por isso que acredito que nossa atual condição para avaliar cientistas e pesquisadores é ainda injusta e pouco acreditável. É necessário que esse processo seja modificado.

Todos nós temos uma grande responsabilidade de atividades e compromissos profissionais, incluindo ministrar aulas; dar parecer em projetos de pesquisa; atuar como revisores de artigos para revistas científicas; leitura, avaliação e correção de dissertações e teses; ministrar seminários e palestras; orientar alunos; escrever artigos; organizar eventos; solicitar financiamento de projetos; realizar prestações de contas e preparação de relatórios; atuar em processos administrativos como chefes de departamento, coordenadores de graduação ou pós-graduação, chefes de laboratórios e membros administrativos de associações científicas, representantes em agências de fomento, editores de revistas etc. Tudo isso é importante, sendo parte da nossa função de pesquisadores, cientistas e professores, e deve ser apreciado nos processo de avaliação científica.

Sei que minha opinião pode causar várias irritações, mas quero afirmar que esse não é meu objetivo, e sim abrir uma discussão para tentar sermos mais justos e compreensivos uns com outros, pois todos nós somos humanos, cometemos erros e falhas em nossas atividades, mas também temos êxitos e sucessos valiosos. O ideal é pensarmos nos problemas e apreciar uns aos outros, com compreensão e respeito entre todos, visando fazer da ciência a atividade mais pura e honesta possível.

José Daniel Figueroa Villar é químico, professor associado IV da Seção de Engenharia Química do Instituto de Militar de Engenharia, onde foi coordenador de pós-graduação de 2005 a 2007. É atual presidente da Associação de Usuários de Ressonância Magnética Nuclear. Foi diretor da Divisão de Química Medicinal e Química Biológica da Sociedade Brasileira de Química na gestão 2006-2007.

Referências bibliográficas

Molinié, A.; Bodenhausen, G. Chimia 64, 78, 2010.
Ernst, R. R. Chimia 64, 90, 2010.
Einstein, A. Ann. Math. 46, 578, 1945