O
último relatório do IPCC (International Panel on Climate Change),
divulgado em fevereiro de 2007, evidenciou que as mudanças climáticas
decorrentes de atividades humanas já estão ocorrendo em uma escala
global e que as previsões para o século XXI são preocupantes.
Em decorrência da concentração dos
gases de efeito estufa, a temperatura média da atmosfera aumentou em
0,74ºC (1906 – 2005) e o nível dos oceanos em 30 cm. Foram ainda
observados incrementos nas temperaturas das águas oceânicas até 3.000m
de profundidade, acarretando aumento na evaporação, sendo hoje a
umidade relativa do ar acima das observadas historicamente. Esse
aumento da temperatura e da umidade explica as tendências observadas em
fenômenos mais dinâmicos da atmosfera, que resultam na ampliação da
freqüência e da intensidade de eventos extremos, como furacões,
tempestades, ondas de calor, secas etc.
As causas dessas alterações do
equilíbrio dinâmico milenar do planeta estão ligadas principalmente a
duas atividades humanas: o uso de combustíveis fósseis (carvão mineral
e petróleo) e o desmatamento. As condições climáticas futuras
dependerão do comportamento da humanidade frente ao uso desses recursos.
Tendo em vista que a redução do
crescimento geral da economia e da população é impossível a curto
prazo, dificilmente se poderá alterar de forma rápida e contundente a
fonte de energia baseada nos combustíveis fósseis. Assim, a tendência
até o fim do século XXI é que existam ampliações nas mudanças
climáticas globais, atingindo a temperatura média do planeta valores de
até 6,4ºC em relação à média observada atualmente e o nível do oceano
subindo até 59 cm no mesmo período.
Dentre as atividades humanas que podem contribuir para o controle dessas variações climáticas, estão as seguintes:
• Uso de energias alternativas, como solar, eólica, nuclear e bio-combustíveis;
• Melhoria na eficiência do uso de energia;
• Seqüestro de carbono nas atividades de manejo florestal e no reflorestamento.
Para enfrentar o problema das
mudanças climáticas globais a comunidade internacional estabeleceu
metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GHG) que
abrangem todos os países desenvolvidos, listados no anexo 1 da
Convenção do Clima e cujas metas estão fixadas no anexo B do Tratado de
Quioto. Os países em desenvolvimento, como o Brasil, apesar de
signatários de ambos, estão isentos de qualquer obrigação, pelo menos
até 2012. As metas de redução podem ser alcançadas das seguintes formas:
• Redução direta através de
investimentos, principalmente nos processos produtivos e na geração de
energia, nos próprios países anexo 1;
• Utilização de mecanismos de flexibilização previstos pela Convenção e regulamentados pelo Tratado de Quioto.
A primeira hipótese listada acima
constitui-se indubitavelmente na forma mais direta, eficaz e permanente
para redução das emissões de GHG. Entretanto, o alto custo ou
dificuldades tecnológicas podem inviabilizar a implementação desses
investimentos. Nesses casos, existem três mecanismos de flexibilização
que podem ser utilizados, quais sejam:
• Comércio de allowances (somente entre países anexo 1);
• Joint Implementation (somente entre países anexo 1);
• Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL (englobando países não anexo 1, como o Brasil).
Tais mecanismos de flexibilização
partem do pressuposto, cientificamente comprovado, que não importa em
que localização geográfica os GHG sejam emitidos, ou tenham suas
emissões reduzidas, ou sejam capturados. Seus efeitos sobre as mudanças
climáticas globais serão os mesmos. Tal fato diferencia em muito esse
problema ambiental de tantos outros, que possuem impactos apenas locais
ou regionais. Dessa forma, uma maior emissão de uma empresa localizada
na Europa, por exemplo, pode ser compensada com reduções de emissões
(além das que já ocorreriam em circunstâncias normais) em países como o
Brasil, Angola, Índia, ou qualquer outro lugar do mundo.
O MDL é uma excelente oportunidade
para o Brasil e para as empresas brasileiras contribuírem para a
melhoria da qualidade ambiental do planeta, através da mitigação das
mudanças climáticas e, concomitantemente, fomentar novos investimentos
e projetos que, de outra forma, seriam inviáveis. Esta é, aliás, a
principal exigência estabelecida pelo Tratado de Quioto para o
reconhecimento dos chamados créditos de carbono (CER- Certified
Emissions Reductions) gerados por um determinado projeto: que ele se
enquadre nos critérios de adicionalidade que, em última instância,
descartam empreendimentos “business as usual”. Segundo esses critérios,
o projeto deve:
• Ser voluntário, ou seja, não decorrente de qualquer exigência legal ou normativa;
• Demonstrar, de forma clara e mensurável, benefícios ao meio ambiente com relação à emissão ou captura de GHG;
• Ser adicional ao que seria realizado na ausência do suporte financeiro do MDL.
Cada proposta de projeto MDL deve ser
cuidadosamente analisada no que diz respeito a esses critérios, sob
pena de provocar efeitos danosos, ao invés de benéficos ao meio
ambiente. A aprovação e venda de créditos de carbono de um determinado
projeto MDL está, de fato, permitindo que uma empresa de um país anexo
1 continue emitindo acima do seu limite. Dessa forma, se o suposto
projeto MDL fosse ser realizado de qualquer forma, independentemente do
Tratado de Quioto (por exemplo, para cumprir exigência legal ou por ser
um empreendimento lucrativo per si), estaria falsamente compensando as
referidas emissões adicionais com créditos de carbono não adicionais.
Quando bem conduzido, o processo MDL é um win-win-win game, trazendo
benefícios para o meio-ambiente e para as duas partes envolvidas.
O Brasil está muito bem situado no
mercado de carbono de Quioto. Até janeiro do corrente ano, estava em
segundo lugar no mundo em número de projetos registados (88 de um total
de 491 projetos, representando 18% do total), superado apenas pela
Índia. Em volume potencial de recursos gerados, expressos em CER, o
Brasil detém 14% do total, atrás apenas da China. Os principais
projetos brasileiros são relativos a aterros sanitários (metano),
eficiência energética em processos industriais (dióxido de carbono),
geração de energia renovável (dióxido de carbono) e destruição de óxido
nitroso em indústrias.
Os Estados Unidos da América não
aderiram ao Tratado de Quioto, porém estão desenvolvendo um mercado
voluntário de redução de emissões denominado Chicago Climate Exchange –
CCX. Tal mercado possui regras próprias de funcionamento, similares
porém não idênticas ao Tratado de Quioto, permitindo a participação de
empresas da região do Nafta e da América Latina. Por se tratar de um
mecanismo sem as características compulsórias de Quioto, esse mercado
apresenta menores níveis de liquidez e preços para os créditos de
carbono (CFI – Carbon Financial Instrument) ali negociados. Por outro
lado, apresenta algumas vantagens interessantes, dentre as quais
merecem destaque:
• Maior flexibilidade com relação aos
critérios de adicionalidade, aceitando diversos tipos de projetos não
enquadráveis em Quioto;
• Simplificação nos processos
burocráticos, permitindo a finalização de todo o processo aprobatório
num prazo médio de 4 a 6 meses (cerca de um terço do tempo demandado
por um projeto Quioto);
• Dispensa de qualquer tipo de aprovação ou interferência governamental.
Também nesse mercado, a presença
brasileira merece destaque, somente sendo superada em número de
empresas/projetos pelos Estados Unidos. Os principais empreendimentos
brasileiros são referentes a florestas comerciais e eficiência
energética. A FBDS – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável é a instituição brasileira encarregada da identificação,
seleção e análise técnica (incluindo proposição de metodologia) dos
projetos brasileiros a serem submetidos à aprovação do CCX.
Os efeitos ambientais, econômicos e
sociais das mudanças climáticas, de acordo com todos os modelos
desenvolvidos até a presente data, serão no mínimo severos, podendo
alcançar proporções catastróficas antes do final do presente século. A
humanidade começa a ter consciência desse perigo iminente e se mobiliza
cada vez mais fortemente para enfrentar os problemas dele decorrentes.
A solução deverá surgir através de diferentes iniciativas que conduzam
a uma matriz energética mais limpa, legislações mais severas com
relação à conservação dos ecossistemas naturais, maior racionalidade e
eficiência nos sistemas de transporte, etc. É dentro desse contexto que
o comércio de créditos de carbono se coloca como um instrumento valioso
de viabilização das profundas e urgentes mudanças, necessárias para
assegurarmos condições mínimas de sustentabilidade às futuras gerações.
Walfredo Schindler é diretor
superintendente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável (FBDS) e Eneas Salati é diretor técnico da mesma Fundação.
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