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Artigo
A economia do esporte em tempos de Copa do Mundo
Por Marcelo Weishaupt Proni
10/04/2014

A dimensão econômica do esporte tem despertado o interesse do grande público à medida que se aproxima a realização da Copa do Mundo de 2014. Creio ser oportuno explicar os principais conceitos usados no campo da “economia do esporte” tendo como referência o futebol e seu mais importante torneio.

Primeiro, quero esclarecer que há três tipos básicos de “produtos esportivos”: 1) equipamentos e artigos (tênis, bola, raquete, bicicleta, maiô etc.); 2) serviços especializados (iniciação esportiva, orientação no treinamento, uso de instalação) e 3) espetáculos. Cada produto tem seu próprio mercado, com uma oferta e uma demanda. O “consumo esportivo” é feito por modalidade: vôlei, automobilismo, surfe, judô... As modalidades mais populares são as mais relevantes do ponto de vista econômico.

No caso do futebol, há vários mercados, onde atuam diferentes tipos de empresa. Por exemplo: fábricas de material esportivo fornecem chuteiras, bolas e uniformes oficiais; ambulantes vendem bandeiras do time e camisas estilizadas na frente do estádio; escolinhas franqueadas treinam meninos e meninas de forma lúdica; grupos informais alugam campos e quadras para a prática semanal; times profissionais tentam atrair torcedores para o estádio; federações negociam o direito de transmissão do campeonato; jornais e revistas veiculam notícias e crônicas.

Além dos mercados voltados para o consumidor, é importante esclarecer que há também os mercados “secundários” (contratos entre empresas), tais como os associados com o marketing (propaganda, patrocínio, licenciamento etc.), que propicia receitas expressivas para as empresas de comunicação e para os times e federações.

O termo “indústria do esporte” se refere ao conjunto de atividades econômicas relacionadas com a produção e o consumo do esporte e de atividades físicas similares, englobando tanto os mercados primários como os secundários. No cálculo do volume de receitas geradas pelo esporte (seja este uma atividade de lazer, amadora ou profissional) também se incluem aquelas relacionadas com a construção de instalações esportivas, com o transporte e hospedagem de atletas, ou com outros serviços de apoio. Quando os economistas falam em “PIB do esporte”, estão se referindo à renda gerada em um conjunto diversificado de ramos econômicos.

No Brasil, o PIB do esporte teve um crescimento superior ao do PIB global, nos últimos dez anos. As estimativas do volume de dinheiro que gira em função da indústria esportiva têm variado entre 1,5% e 2% do Produto Nacional Bruto (algo entre R$ 75 bilhões e R$ 100 bilhões, atualmente). Acrescento que o futebol ainda responde por mais de 50% do valor adicionado proveniente da indústria do esporte (especialmente no ano da Copa), sendo importante esclarecer que os mercados primários apresentam faturamento bem maior que os secundários.

A realização de torneios esportivos pode ter efeitos positivos sobre a economia de um município ou mesmo de um país (no caso de um megaevento como a Copa). Tais efeitos são gerados principalmente pelos estímulos à demanda agregada. Para estimar os impactos econômicos do Mundial, é preciso considerar diversos fatores, tais como: 1) os gastos na construção ou reforma das arenas; 2) os investimentos em obras de infraestrutura urbana relacionados com o torneio; 3) os empregos diretos e indiretos propiciados por tais atividades; 4) o impulso no fluxo de turistas durante o torneio e nos anos seguintes; 5) o aumento na dívida pública e/ou na arrecadação fiscal. Os efeitos sobre a taxa de inflação e a taxa de câmbio costumam ser pontuais e temporários. Os benefícios são maiores quando o gasto provém majoritariamente do setor privado ou quando o gasto público deixa um legado de valor. O dinheiro movimentado pelo Comitê Organizador Local e pela Fifa – responsável pela produção do espetáculo e pela comercialização do torneio – não produz impactos econômicos significativos no país, mas podem favorecer algumas poucas empresas (nacionais e estrangeiras).

Por sua vez, o termo “negócio do futebol” se refere à atividade econômica dos clubes de futebol profissional. Nessa perspectiva, entram em foco cinco frentes principais de comercialização: a) venda do espetáculo (bilheteria e direito de transmissão); b) negociação da marca (patrocínio, fornecimento de material esportivo e merchandising); c) direitos federativos (transferência de atletas); d) exploração do estádio; e) programa sócio-torcedor. Também há outras fontes de receita para os times brasileiros, como as loterias e as que provêm do clube social. E não posso deixar de mencionar que, além dessas formas comerciais de ganhar dinheiro, o negócio do futebol também implica estratégias de valorização patrimonial. Na Europa, os times podem inclusive recorrer à abertura do capital na bolsa de valores ou à associação com grupos de investidores para potencializar a capacidade de gerar receitas e elevar a rentabilidade operacional.

A expansão do negócio do futebol contou com avanços na área do “marketing esportivo”, especialmente na adoção de estratégias criativas para conquistar novos clientes, cultivar a simpatia do público e obter uma posição privilegiada no mercado. A finalidade de tais estratégias pode ser resumida em dois pontos: a valorização da marca e a diversificação e ampliação das fontes de receita.

As estratégias relacionadas com o marketing no futebol podem ser diferenciadas conforme o tipo de produto. Certamente, as metas e ações mercadológicas de um fabricante de material esportivo são muito distintas das definidas pelo departamento de marketing de uma equipe ou federação. Uma das principais ferramentas de marketing é o patrocínio, que fornece suporte financeiro a um torneio ou equipe em troca da exposição do patrocinador. Para valorizar o espetáculo e obter contratos vantajosos de patrocínio, os clubes mais populares procuram reunir os melhores atletas. Ao mesmo tempo, para serem competitivos dentro de campo, as equipes precisam das receitas geradas pelo marketing. É um processo que se retroalimenta.

A transmissão pela TV e a presença crescente de patrocinadores tornaram o espetáculo esportivo um produto bastante disputado e rentável, o que exigiu a profissionalização da gestão e a adoção de métodos empresariais no planejamento dos grandes torneios. No início, a gestão empresarial era vista como uma necessidade para sustentar o esporte-espetáculo; mas, com o tempo, a veiculação e a comercialização do espetáculo passaram a ser consideradas quase como um fim em si mesmo. E essa mudança acarretou alterações profundas na organização do futebol.

Há diferentes modelos de gestão empresarial no esporte. O modelo das ligas profissionais norte-americanas é distinto da organização esportiva baseada no sistema federativo, que predomina na Europa. E há diferenças entre os modelos de gestão empresarial no âmbito do futebol europeu (basta comparar os times da Inglaterra, da Itália e da Espanha), diferenças associadas com a legislação esportiva e com as estruturas de propriedade. Mesmo a Fifa – uma federação internacional, entidade sem fins lucrativos – teve de adotar um modelo próprio de gestão empresarial, com adoção de métodos de comercialização sofisticados para viabilizar a passagem para um nível organizacional mais complexo, semelhante ao de uma corporação multinacional. O relatório financeiro da Fifa para 2013 indica um faturamento de US$ 1,386 bilhão e um lucro de US$ 72 milhões.

A Copa do Mundo é um ótimo exemplo de como um projeto de marketing pode ampliar o faturamento de uma instituição esportiva. É verdade que a Copa é um produto especial, um espetáculo único, cujo direito de exploração é monopólio da Fifa. Esse negócio bilionário vem se valorizando e esteve imune à crise econômica internacional: no ciclo de quatro anos da Copa da África do Sul (entre 2007 e 2010) a receita total da Fifa alcançou US$ 4,189 bilhões – contra US$ 2,634 bilhões no ciclo anterior –, proporcionando um resultado financeiro de US$ 631 milhões. Esclareço que quase 90% das receitas da Fifa vêm do Mundial masculino.

Sem dúvida, a Copa do Mundo é um negócio altamente lucrativo. Além disso, o megaevento impulsiona a indústria do futebol no mundo todo. O s melhores jogadores das seleções nacionais se tornaram garotos-propaganda que ajudam a difundir a prática da modalidade e o consumo de bens e serviços. Mas ainda não sabemos ao certo quais serão os impactos da Copa de 2014.

De um ponto de vista mais geral, embora as projeções oficiais tentem demonstrar que ficará um legado bastante positivo, tem ficado evidente que os benefícios serão bem mais modestos, em alguns casos podendo haver mais prejuízo do que benefício. O gasto federal para viabilizar a preparação da infraestrutura necessária é relativamente pequeno, mas algumas cidades-sede estão se endividando para construir arenas modernas que, provavelmente, se tornarão “elefantes brancos”. Grandes empresas do ramo da construção e diversos grupos do setor de turismo estão sendo beneficiados, mas outros segmentos podem ser prejudicados pela indisponibilidade de recursos públicos ou pelo deslocamento do consumo para produtos ligados ao futebol.

Da perspectiva do desenvolvimento do negócio e das estratégias de marketing, há muitos especialistas que afirmam que o futebol brasileiro está transitando para uma nova etapa, em grande medida, graças à construção ou reforma dos estádios. A suposição é que vai se consolidar uma nova relação entre o clube e o torcedor, que hoje já é tratado como cliente. O lado positivo dessa transição diz respeito ao combate à violência e ao enquadramento das torcidas organizadas. O lado negativo se refere à possível exclusão de parcela significativa dos torcedores, que não têm renda suficiente para frequentar as novas arenas.

É provável que o futebol brasileiro, depois da Copa, continue avançando em direção a uma gestão estritamente empresarial, com profissionais de marketing altamente qualificados. Certamente, os grupos privados que têm o controle do negócio no país desejam que a economia brasileira mantenha-se crescendo de forma sustentada, o que permitirá que o consumo de artigos esportivos continue se expandindo e que o espetáculo seja mais valorizado. Portanto, que o negócio do futebol se torne cada vez mais rentável. Contudo, é provável que esse desempenho virtuoso do futebol-empresa acarrete uma desigualdade regional ainda maior, aumentando a distância entre os times grandes e pequenos em termos de poder de mercado.

Marcelo Weishaupt Proni é professor e diretor associado do Instituto de Economia da Unicamp.