Em 1984, o escritor canadense William Gibson publicou o livro Neuromancer. Nesse livro, em que o autor cunhou o termo ciberespaço, ele descreve uma sociedade que se vê imersa em um mundo tecnológico e utiliza um espaço digital de interação e comunicação entre as pessoas. A ficção daquela época, hoje é fato. O espaço digital descrito por Gibson, a internet, hoje é acessado por 1,5 bilhões de usuários e cresce exponencialmente, tanto em número de servidores quanto em número de pessoas que os acessam.
Para se ter uma dimensão desse crescimento, o número de servidores ligados à internet, em 1984, era mil; em 1992, era um milhão; e em 2008, um bilhão. Hoje, estima-se que quatro exabytes (4 vezes 10 19 bytes) de informações novas serão geradas neste ano. Isso é mais informação do que a quantidade gerada nos últimos cinco mil anos. Em termos de audiência, enquanto o rádio demorou 38 anos para atingir 50 milhões de pessoas, a world wide web demorou apenas quatro anos e o iPod – tocador de música em formato digital –, apenas três anos. O gráfico a seguir mostra o tempo para algumas tecnologias atingirem a audiência de 50 milhões de usuários
Com o crescimento exponencial da busca por informação, as empresas descobriram que integrar diversos serviços de comunicação em um único dispositivo poderia tornar esse aparelho mais atrativo comercialmente. Essa integração de tecnologias e serviços, compartilhando o mesmo meio – a internet –, é o que se chama convergência digital. Acesso à internet pela televisão, uso de telefonia e transmissões de rádio pela internet e até o uso de celulares para assistir TV são alguns exemplos de convergência digital. “Quando se fala de convergência digital, normalmente estamos pensando na integração de tecnologias como computação, telefonia, celular, rádio, televisão, internet etc, e não em um equipamento específico”, destaca João Antônio Zuffo, do Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Aspectos técnicos
A palavra “digital” é essencial para entender a convergência. No modelo analógico, a transmissão de dados e a convergência entre diferentes plataformas era difícil de acontecer. Por outro lado, no modelo digital, tudo se resume a um conjunto de bits (unidade que pode assumir apenas dois valores, 0 ou 1), que pode ser facilmente sincronizado e compartilhado entre vários aparelhos digitais. Portanto, no modelo digital, essa linguagem binária é comum a todos os aparelhos.
No entanto, o adjetivo “digital” não é suficiente para implementar a convergência. É preciso ter uma largura de banda suficiente para comportar tantos dados trafegando ao mesmo tempo. A largura de banda é uma medida da quantidade de bits por segundo que uma rede pode transmitir. Atualmente, há redes de fibra óptica capazes de transmitir 14 trilhões de bits por segundo. Isso significa aproximadamente 2.660 CDs ou 210 milhões de chamadas telefônicas por segundo. Estima-se, ainda, que essa velocidade esteja triplicando a cada seis meses.
Além da velocidade de transmissão, outro fator que permitiu a convergência de tecnologias digitais foi a adoção de padrões abertos para comunicação, os chamados protocolos. Esses protocolos de comunicação são a base para a internet e estabelecem regras que definem a sintaxe, a semântica e a forma de sincronização dos vários elementos comunicantes. Essas regras podem ser estabelecidas através de software (programas) ou hardware (equipamentos). Assim, todo equipamento ligado à internet adota vários protocolos para se comunicar com diversos outros dispositivos.
Somem-se todos esses aspectos ao aumento do poder de processamento, à redução do tamanho dos microchips que realizam o processamento da informação, ao baixo consumo de energia e à baixa relação entre custo e benefício do aparelho. Sem esses aspectos, os dispositivos não seriam tão portáteis e, certamente, não atrairiam a atenção do consumidor. “Sei que é apenas uma questão de tempo para que o laptop seja indistinguível do celular”, observa Zuffo.
Aspectos econômicos
Não se pode negar que, com o advento da convergência digital, um novo paradigma surge também na área econômica. A começar pela forma com a qual novos produtos e serviços serão divulgados e comercializados. Tome-se como exemplo a compra de vídeos e músicas pela internet, além dos e-books ou livros digitais. A compra e o consumo desses produtos ou serviços podem ser feitos de qualquer dispositivo conectado à rede.
Também nasce um novo conceito de marketing com a convergência das tecnologias de comunicação. Nesse novo conceito, não importa somente o que a empresa divulga sobre um produto ou serviço, mas também o que os demais consumidores dizem a respeito. Portanto, isso impulsiona ainda mais a necessidade de inovação, tanto nos produtos como nos serviços que utilizam as tecnologias convergentes.
Eduardo Morgado, coordenador do Laboratório de Tecnologia da Informação Aplicada, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, afirma que as empresas de dispositivos móveis e as prestadoras de serviços de telecomunicações estão em uma “guerra de ocupação” de um mercado feroz, com seus produtos. “Todos eles atuam como celular, SMS, acessador de páginas web e e-mail, baixam filmes, e alguns estão se preparando para receber o sinal da futura TV digital brasileira”, diz Morgado.
A Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), publica anualmente o Índice Brasil para Convergência Digital (IBCD), um relatório que analisa aspectos da inovação e convergência digital no país. Na última publicação, o IBCD aponta que já existem mais de 10 milhões de conexões em banda larga fixa, com cerca de 40% dos municípios brasileiros atendidos por essa tecnologia. Isso mostra o aumento expressivo na utilização da convergência digital.
Apesar desse aumento, a convergência não atinge todas as classes sociais. “Se considerarmos a renda média da família brasileira, que na classe C chega a R$ 768, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Propaganda (Abep), quem está consumindo a convergência digital são as classes A e B. O que me faria estimar que cerca de 2% a 5% dos brasileiros já estejam com acesso à convergência”, afirma Morgado.
Aspectos sociais
Observando a revolução propagada pela convergência digital, Arno Penzias, laureado com o Prêmio Nobel de Física em 1978, afirmou que “a internet ignora os três conceitos básicos da física: o tempo, a massa e o espaço”. Como tudo no mundo digital é representado em bits, a massa, isto é, a quantidade de matéria, deixa de ocupar espaço físico e passa a ocupar o espaço cibernético. A informação deixa de ocupar páginas de livros, revistas ou quaisquer outras publicações para ocupar um lugar no mundo virtual. O tempo também adquire outra conotação. O tempo que se gasta para ter acesso à informação no mundo virtual é relativizado e substituído pela largura de banda necessária para acessar o material.
A convergência digital também ressaltou alguns aspectos sociais que merecem destaque. Antes, porém, cabe ressaltar alguns números.
• A primeira mensagem de texto comercial foi enviada em dezembro de 1992. Hoje, o número de mensagens enviadas excede a população do planeta.
• Estima-se que hoje, a quantidade de informação veiculada em uma semana no site do New York Times é maior do que a quantidade de informações que uma pessoa obtinha ao longo de toda a sua vida no século XVIII.
• A quantidade de novas informações técnicas está dobrando a cada dois anos. Isso significa que para estudantes que estão fazendo um curso técnico de quatro anos, metade do que eles aprenderam no primeiro ano estará obsoleto no final do terceiro ano.
• Existem mais de 200 milhões de pessoas cadastradas no MySpace – um site de relacionamentos –, ou seja, se fosse um país, seria o 5º maior do mundo em população (entre Indonésia e Brasil).
• O site YouTube apresenta 100 milhões de vídeos por dia.
Esses e outros números gigantescos, além da velocidade com a qual a informação flui em diversas mídias – texto, áudio, vídeo e software – mostram o quanto a convergência digital torna as pessoas cada vez mais impacientes, ávidas pelo acesso à informação no menor tempo possível. Importa lembrar, no entanto, que acesso à informação não significa aquisição de conhecimento. Portanto, nesse mundo digital, três habilidades tornam-se necessárias para os cidadãos transformarem informação em conhecimento: 1- lidar com quantidades massivas de informação; 2- ter capacidade de comunicação ubíqua, ou seja, ao mesmo tempo e em toda parte; e 3- organizar seu próprio modo de aprendizado.
Outro aspecto social importante é a facilidade com que a convergência digital permite a criação de comunidades virtuais que, por sua vez, criam um ambiente favorável para a troca de experiências através de diversos meios. Essas comunidades virtuais nascidas na era da convergência digital criaram o “prosumidor”, um cidadão que produz e consome as informações publicadas na internet através dos blogs.
Por fim...
A convergência digital, como toda tecnologia, não é boa ou ruim, mas é uma ferramenta. O uso que se faz dessa tecnologia é o que determina suas características. Por ora, o que se pode constatar é que dispositivos que implementam a convergência digital estão cada vez mais presentes nos lares e na vida das pessoas. Que tipo de problemas essa nova tecnologia pode causar – tais como obesidade, excesso de trabalho, síndrome de pânico ou outras consequências –, ninguém ainda pode predizer.
No entanto, usando as palavras de Albert Einstein, “não podemos solucionar problemas usando o mesmo tipo de raciocínio que usamos quando os criamos”. A convergência digital é uma nova realidade, mas como a arte imita a vida, saberemos lidar com ela da mesma forma que a sociedade descrita por William Gibson em Neuromancer soube.
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