Para se ter uma dimensão do impacto dessas metas, e mesmo sem entrar no
mérito de sua adequação (por exemplo: por que reduzir apenas à metade o
analfabetismo funcional?), basta dizer que somente as metas indicadas nos itens
entre 1 e 8 implicariam a inclusão de mais de 33 milhões de pessoas no sistema
educacional. Metas como aquelas indicadas nos itens de números 10 e 11, por sua
vez, representam um grande impacto financeiro, em especial se observarmos que a
expansão de vagas, noBrasil, deve ocorrer
essencialmente na rede pública, como é o pressuposto deste artigo. Por fim, tem
um impacto financeiro significativo a meta indicada no item 14, que possui enorme
potencial para alterar definitivamente a qualidade da educação brasileira, uma
vez que a qualidade do professor é o grande fator responsável pela qualidade do
ensino. Dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2009,
indicam que um professor dos anos finais do ensino fundamental, com formação em
nível superior, cujo salário médio mensal era de R$ 1.603,00, ganhava menos que
um caixa de banco (profissão que não exige nível de formação mínimo), ou que um
técnico em química (formação em nível médio). Também representava 3/4 do que
ganhavam os jornalistas e menos da metade do rendimento de economistas,
administradores ou advogados (Alves e Pinto, 2011). Como os salários dos
professores e demais profissionais do magistério (diretores, coordenadores
pedagógicos) representam cerca de 2/3 dos gastos com educação, colocá-los no
patamar de remuneração dos profissionais com nível de formação equivalente (ou
seja, nível superior, particularmente considerando a meta constante no item
13), implica praticamente dobrar os seus salários, com impacto diretamente
correspondente a esta participação nos investimentos educacionais que devem ser
feitos pelo país.
Construindo um cenário que garanta expansão com qualidade
Tendo como diretriz geral a ampliação da oferta com
melhoria progressiva do gasto por aluno como forma de assegurar padrão básico
de qualidade de ensino para todos e remuneração docente equivalente a
profissionais com nível de formação equivalente, e tendo por base os
indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre as
condições da oferta educacional no país, construímos um modelo que trabalha com
dois horizontes: 2016 e 2020, o que não acontece com a proposta do Executivo.
Como se sabe, a definição de metas intermediárias é fundamental para o sucesso
de qualquer plano. Neste artigo, optou-se por trabalhar com dois anos de
referência, mas o ideal seria a fixação de metas intermediárias a cada dois
anos. Outra questão importante: no modelo proposto, a expansão da oferta será
dada essencialmente através das redes públicas de ensino. Vejamos agora o
desenho do cenário para os próximos 10 anos.
A- Metas de expansão do atendimento:
1- Na educação infantil:
a- Creche:
mantendo-se a matrícula privada nos níveis de 2010; atingindo-se 30% de
atendimento da faixa de 0 a 3 anos, em 2016 e 50%, em 2020.
b-
Pré-escola: 100% de atendimento na faixa 4 e 5 anos em 2016; com 90% da
matrícula pública.
2-No ensino fundamental e
médio: atendimento de 100% da população de 6 a 17 anos (até 2016), com 90% da matrícula na
rede pública.
3-Educação especial: atendimento
do equivalente a 3% da matrícula da educação básica (2016) e 5% em 2020.
4- Ampliação do tempo integral
na educação básica:
a- Creche:
60% em 2016 e 80% em 2020
b-
Pré-escola, ensino fundamental e ensino médio: 30% em 2016 e 50% em 2020.
5- Expansão da educação de jovens
e adultos (EJA) na rede pública:
a- No ensino fundamental (EF): dobrar a matrícula até
2016 e crescer 2,5 vezes até 2020;
b- Ensino médio
(EM): triplicar a matrícula até 2016 e quintuplicar até 2020;
c- EJA com formação
profissional: 25% da matrícula dos anos finais do ensino fundamental e do
ensino médio de EJA integrada à formação profissional;
6- Educação profissional: ampliar
a matrícula pública em 2,5 vezes até 2016, chegando a 2 milhões de alunos em
2020.
7- Educação superior: Ampliação
da taxa bruta de matrícula para 31% em 2016 e para 50%, em 2020, garantindo-se 50%
do atendimento público (hoje é de apenas 25%), o que implica em mais do que
quadruplicar a matrícula pública no período de dez anos;
8- Pós-graduação: matrícula
de 150 mil, em 2016, e de 300 mil, em 2020, para garantir a titulação anual de
60 mil mestres e 25 mil doutores no final da década (hoje á matrícula é de 81
mil).
B- Metas de ampliação no gasto por aluno
Como já observado, a única forma
de ampliar significativamente a remuneração dos profissionais da educação e dar
um salto no padrão de qualidade das condições de oferta do ensino – condição
necessária, embora não suficiente, para a melhoria sua qualidade –, é uma
ampliação no valor gasto por aluno no país. O gráfico 1, construído a partir de
dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),
indica que o valor investido por ano em um estudante dos Estados Unidos corresponde
a seis anos de um estudante brasileiro. No caso da média dos países da OCDE, esse
fator é de quase quatro vezes. Mesmo comparado ao Chile e México, nosso gasto
por aluno é cerca de 25% inferior.
Gráfico 1- Gasto por
aluno no ensino fundamental em 2006 (US$ PPC*)
* US$ PPC (Poder de Paridade de Compra) que padroniza as moedas pelo poder de compra
Fonte: Elaborado a
partir de dados de OCDE (Alves e Pinto, 2011)
Portanto, não há como melhorar a
atratividade da carreira e as condições de oferta sem uma ampliação
significativa no gasto por aluno. A tabela 1, a seguir, apresenta os valores considerados
neste modelo, para as diferentes etapas e modalidades de ensino, considerando
ainda as jornadas em tempo integral e parcial. Os valores do gasto por aluno
são apresentados como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) per capita
(colunas 2 e 3) e em reais, estimados para os anos de 2016 e 2020 (colunas 4 e
5). Esses valores de gasto por aluno, considerando o PIB per capita,
colocam o Brasil em patamares equivalentes ao esforço dos países desenvolvidos
(cujo gasto por aluno na educação básica situa-se entre 20 e 30% do PIB per
capita por aluno). Contudo, como o PIB per capita desses países é
muito maior, o mesmo esforço de gasto em relação ao PIB per capita,
implica, em moeda corrente, valores muito menores. Por exemplo, considerando
valores de 2010, 20% do PIB per capita dos Estados Unidos equivale a US$ 9.400,
enquanto 20% do PIB per capita do Brasil corresponde a R$ 3.800.
Tabela 1
Estimativa de
ampliação do gasto médio por aluno no PNE
Fonte: Elaboração própria
Sobre a tabela 1, cabe comentar
algumas considerações feitas. Em primeiro lugar, considerou-se que os gastos
por aluno realizados na educação de jovens e adultos (EJA) são equivalentes àqueles
feitos no ensino chamado regular, pois, do ponto de vista dos custos, não há
justificativa para as atuais diferenças presentes, por exemplo, nos fatores de
ponderação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb). Com
relação à educação profissional, estimou-se um gasto por aluno 50% acima do
ensino médio em tempo integral. Quanto à educação especial, estimou-se um
adicional de 50% acima do gasto por aluno do ensino fundamental integral (anos
iniciais), levando-se em conta que o aluno deficiente é também contado para
efeito de gasto na etapa de ensino em que ele se encontra. Assim, para cada
aluno do ensino médio integral em processo de inclusão seriam investidos, em
2016, 54% do PIB per capita (24% +
30%). Por fim, para a EJA profissionalizante, considerou-se um adicional de 50%
em relação, respectivamente, ao ensino fundamental integral (anos finais) e ao
ensino médio integral. Embora haja certa arbitrariedade nessas estimativas,
podemos afirmar que os valores são coerentes com os estudos que temos feito, no
âmbito da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para estimar os custos de
uma educação em tempo integral que assegure padrões básicos de qualidade. A
educação superior é a única etapa em que se prevê uma progressiva queda no
gasto por aluno, coerente com um ganho de escala do sistema, mas preservando a
qualidade.
C- Estimando os valores
necessários para a implementação das metas
Chegado a este ponto do trabalho,
e tendo por base as metas de expansão estabelecidas no item “A” e os gastos por
aluno constantes na tabela 1, elaborou-se a tabela 2 que estima o custo total
da implementação dessas metas para os anos de 2016 e de 2020. A evolução do PIB foi
estimada tendo por base os cálculos da Secretaria do Tesouro Nacional (Brasil,
2010) e, para a evolução da população, foram utilizadas as estimativas do IBGE.
Tabela 2
Planilha síntese de
estimativa de impacto financeiro da proposta (redes públicas):
Fonte: Elaboração própria.
Os dados apontam para uma
estimativa de gastos da ordem de 7,2% do PIB, em 2016 e de 10,1% do PIB, em
2020, índices bem próximos daqueles constantes no documento final da Conae. Cabe
comentar que, não obstante a grande demanda de recursos necessários para uma
expansão com qualidade da educação superior pública (graduação e pós-graduação),
os gastos com essa etapa representam 23% do total, índice bem próximo da média praticada
pelos países desenvolvidos. Resta a pergunta: é possível o Brasil investir
percentuais crescentes do PIB até atingir 10% do PIB, em 2020? Para um país
cuja carga tributária, nas últimas duas décadas, saiu de 24% do PIB e foi para
35% do PIB, sem que a educação em quase nada se beneficiasse desse crescimento,
entendemos que seja factível, embora politicamente complexo, dar esse salto nos
investimentos educacionais. Destinar à educação, um pouco mais da quarta parte
de tudo que se paga de tributos no país é uma meta que, com certeza, encontra
respaldo junto à população. Para viabilizá-la, é fundamental que haja uma
redução nos atuais gastos com pagamentos de juros e encargos da dívida pública
e um corte dos incentivos fiscais, além do combate à sonegação e à guerra fiscal
entre entes federados. Além disso, é fundamental que a União amplie
significativamente sua participação no financiamento da educação no país.
Embora ela fique com mais da metade do que arrecada, sua participação nos gastos
com educação corresponde a cerca de um quarto do total. Por fim, a necessidade
de investimentos da ordem de 10% do PIB decorre do pequeno valor do PIB
brasileiro e dos anos de subinvestimento educacional. Espera-se que o próprio desenvolvimento
do país, potencializado por esse maior investimento na educação básica e
superior, permita, ao longo dos anos após 2020, uma progressiva queda no
investimento total em relação ao PIB, sem perda de qualidade, corrigidos os
atrasos históricos, em especial no que se refere à educação de jovens e adultos,
até que o país estabilize seus investimentos educacionais em patamares entre 6%
e 7% do PIB, como ocorre hoje com os países ricos.
José Marcelino de Rezende Pinto é docente da
Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da Universidade de São Paulo, campus
de Ribeirão Preto, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em
Financiamento da Educação (Fineduca) e membro da Campanha Nacional pelo Direito
à Educação.
Referências:
Alves,
T.; Pinto, J.M.R. “Remuneração e características do trabalho docente no Brasil:
um aporte dos dados do Censo Escolar e da PNAD”. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), v.41, n.143, 2011.
Brasil.
Relatório resumido da execução
orçamentária – demonstrativo da projeção atuarial do regime geral de
previdência social – orçamento da seguridade social - 2010 a 2044 - SPS/MPS e
SPE/MF. Disponível em www.tesouro.fazenda.gov.br,
último acesso set de 2011.
CNDE. Nota Técnica. “Por que 7% do
PIB para a educação é pouco?” São Paulo, Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, 2011. Disponível em http://arquivo.campanhaeducacao.org.br/noticias/NotaTecnica_10PIB_Campanha_17ago2011.pdf
, último acesso set de 2011.
Conae.
Construindo um sistema articulado de educação. O Plano Nacional de Educação,
diretrizes e estratégias de ação. Documento Final. Brasília, 2010.
Pinto,
J.M.R. ; Alves, T . O impacto financeiro da ampliação da obrigatoriedade
escolar no contexto do Fundeb. Educação e Realidade, v. 36, p. 605-624, 2011.
¹A numeração a seguir é meramente didática e não coincide com a
numeração das metas constante no PL 8035/2010.