Ao longo do século XX e início do século XXI, os processos de urbanização, industrialização e os progressos da tecnologia acarretaram mudanças nos perfis do mercado de trabalho e da formação profissional de forma intensa.
Já no século XIX podem ser observados os embriões desse processo de formação. “Uma instituição exemplar foi o Colégio das Fábricas, criado em 1809 no Rio de Janeiro para abrigar os órfãos da Casa Pia de Lisboa, trazidos na frota que transportou a família real e sua comitiva para o Brasil. Eles aprendiam diversos ofícios com artífices que vieram na mesma frota. Se o Colégio das Fábricas não foi o primeiro estabelecimento de ensino profissional no Brasil, nem mesmo o que primeiro abrigou órfãos com esse propósito, ele foi a referência para os outros que vieram a ser instalados”, descreve Luiz Antônio Cunha, sociólogo, doutor em educação pela PUC-SP e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro em seu artigo “O ensino industrial-manufatureiro no Brasil”.
Uma série de outros estabelecimentos semelhantes surgiu nas décadas seguintes, de modo peculiar e incipiente. “No período do Império, tanto as iniciativas do Estado voltadas para o ensino de ofícios, quanto as das sociedades civis, eram legitimadas por ideologias que pretendiam: a) imprimir a motivação para o trabalho; b) evitar o desenvolvimento de ideias contrárias à ordem política, de modo a não se repetirem no Brasil as agitações que ocorriam na Europa; c) propiciar a instalação de fábricas que se beneficiariam da existência de uma oferta de força de trabalho qualificada, motivada e ordeira; e d) favorecer os próprios trabalhadores, que passariam a receber salários mais elevados, na medida dos ganhos de qualificação”, elenca Cunha.
A formação de mão de obra no Brasil só começa oficialmente em 1909, com um decreto sancionado pelo então presidente Nilo Peçanha que instituía a educação profissional brasileira. Foram criadas 19 Escolas de Aprendizes Artífices para atender a demanda criada pelo desenvolvimento industrial e urbanização. Já no ano seguinte, cursos técnicos de tornearia, mecânica, eletricidade e carpintaria foram oferecidos. Porém, é a década de 1930 que se tornou referencial histórico para a educação profissional do Brasil. A crescente industrialização resultou na institucionalização de escolas superiores para a formação de recursos humanos necessários ao processo produtivo.
Salto importante foi dado nos anos 1940 com a criação do Senai. “Com o surgimento do Sistema S, tomou impulso em amplitude de atendimento”, escreve Lidiane Soares Wittaczik em artigo publicado na Revista E-Tech ”Educação profissional no Brasil: histórico”. “Atualmente, a formação profissional, no Brasil, ocorre em escolas de educação profissional públicas e privadas, sendo que alcança mais sucesso aquela que oferece ao mercado de trabalho trabalhadores que, ao mesmo tempo, conheçam as tecnologias utilizadas pelas empresas, quanto apreendam as novas tecnologias que surgem. Neste contexto, encontram-se as escolas de educação profissional, com a responsabilidade de gerar saberes coletivos e flexíveis, sintonizados com as novas bases e novas formas de organização produtiva, fundadas na produção e difusão de inovações de cunho tecnológico, marca presente no fechamento do século XX e identidade deste novo século”.
Trabalho rural
É consenso que a atividade agrícola continua a ser uma das mais importantes para a economia brasileira, e a exportação de produtos primários foi um dos principais alicerces do crescimento econômico na década passada. Porém, foi também onde ocorreu a maior alteração no mercado de trabalho. “A principal mudança observada na estrutura de ocupações no Brasil nas últimas décadas foi a expressiva redução do número e percentual de trabalhadores agrícolas, resultado da mecanização e do êxodo rural”, aponta Alexandre Gori Maia, pesquisador e professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas.
Foi gerado um grande excedente de mão de obra. O processo de mecanização na nova frente agrícola brasileira, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Norte, substituiu o trabalhador rural pela máquina. Nas áreas menos desenvolvidas, a baixa produtividade e baixa remuneração levou milhões de trabalhadores rurais às cidades, onde ingressavam em ocupações de baixa qualificação.
A ocupação agrícola representava quase 30% da mão de obra no Brasil no início dos anos 1980 e atualmente esse número beira os 11%. A área de serviços, por outro lado, é a responsável hoje pelo maior percentual de ocupação de mão de obra no país.
Mão de obra cada vez mais qualificada
Outra importante mudança no mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas foi o crescimento, embora lento, da participação de profissões que exigem maior qualificação, como professores, advogados, analistas e programadores de sistemas. Há 30 anos, profissionais com nível superior, técnicos e trabalhadores do suporte administrativo representavam 15% dos ocupados no Brasil, e atualmente são mais de 20%. Nos Estados Unidos, para comparação, essa classe representa 40% dos ocupados. “De certa forma, a distribuição das ocupações reflete o estágio de desenvolvimento da economia e da sociedade”, diz Maia. “Porém, acredito que a tendência de lento crescimento das ocupações mais qualificadas continue, sobretudo no setor de serviços, com redução gradual das ocupações menos qualificadas”, completa.
Devido à maior oferta, o aumento de mão de obra qualificada pode resultar em uma queda no rendimento médio desses profissionais se os outros setores da economia não acompanharem esse crescimento. Na primeira década do século XXI, por exemplo, esse fenômeno foi observado em cargos de gerência, técnicos e de suporte administrativo. Já entre as ocupações que exigem menor qualificação foi possível observar um aumento substancial no rendimento médio. Isso aconteceu devido à valorização do salário mínimo, maior formalização dos contratos e redução do excedente de mão de obra pouco qualificada. Porém, segundo Maia, a economia cresceu absorvendo mão de obra, com pouco incremento da produtividade. A produtividade brasileira cresceu, em média, cerca de 15% nos últimos 30 anos. Nos Estados Unidos, o crescimento nesse mesmo período foi superior a 50%.
Um crescimento sustentado da renda no Brasil depende do aumento da produtividade. A solução para esse problema é um desafio aos gestores, porém há pontos fundamentais que merecem melhorias urgentes. A infraestrutura, por exemplo, é um deles. O deslocamento da produção, no caso da soja, por exemplo, da região Centro-Oeste até os portos, gera altos custos devido às péssimas condições de escoamento. O transporte é lento, encarece a produção e afeta a eficiência do setor.
A educação e formação de qualidade também são essenciais para o aumento da produtividade e para um melhor e maior desenvolvimento. Apenas por meio de uma educação de qualidade, não apenas no ensino superior, mas principalmente no ensino fundamental e médio, é que se pode formar profissionais qualificados. Maia conclui: “Acredito que o mais emergencial neste momento seja a correção do nosso sistema básico de ensino público, que é muito ruim. Não prepara a pessoa para a sociedade e tampouco para o mercado de trabalho. Temos boas universidades e colégios técnicos, mas nós que lecionamos sabemos muito bem que, se o aluno não teve um bom ensino básico, qualquer tentativa de oferecer um ensino profissional de qualidade será pouco eficiente”.
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