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Entrevistas
Ciência, arte e comunicação
Na edição de número 100 a ComCiência traz três entrevistas com destacados nomes que atuam no campo da divulgação científica: o sociólogo italiano Massimiano Bucchi, o artista catarinense Walmor Corrêa e o biólogo argentino Diego Golombek.
10/07/2008

1Massimiano Bucchi

Por Germana Barata






Sociólogo da ciência, professor associado da Universidade de Trento (Itália), autor de livros e artigos sobre os temas ciência, sociedade, percepção pública da ciência e biotecnologia,  Massimiano Buchi também possui um blog sobre a comunicação da ciência. Seu interesse pela ciência se iniciou na infância, quando perguntar e explicar o funcionamento da vida fazia parte de suas ansiedades. Para Bucchi, "não podemos conceber a contemporaneidade sem a ciência. Ciência e tecnologia são forças enormes que moldam a sociedade contemporânea, e vice-versa".

ComCiência - Quais são os principais obstáculos que a comunicação científica enfrentará nos próximos anos?
Massimiano Bucchi – As mesmas questões podem ser obstáculos ou oportunidades: por exemplo, a mudança de um modelo paternalista de comunicação para modelos de engajamento mais democrático. Por paternalista quero dizer um modelo difusionista de comunicação da ciência, baseado na noção do público como passivo, cuja ignorância e hostilidade em relação à ciência possam ser neutralizadas por uma injeção apropriada de comunicação científica do tipo top-down (de cima para baixo); por modelos democráticos e engajados quero dizer modelos de comunicação nos quais o público é visto não como um receptor passivo da informação, mas como contribuinte (com suas  opiniões, valores, expectativas, preocupações)  no diálogo e de uma forma participativa para o debate sobre a ciência e seu papel social. Isso também está conectado à mudança de atividades científicas de um contexto mais tradicional, Europa e Estados Unidos, de 1600-1950, para países como a Índia e China, com uma cultura e estrutura política um pouco diferentes. Isso apresentará novos desafios à comunicação da ciência e à ciência na sociedade de uma maneira geral, por exemplo, a necessidade de repensarmos, em novos contextos, a relação entre ciência e democracia, ciência e negócios, e toda a questão da responsabilidade social na ciência e na inovação; uma mudança de uma administração nacional da ciência para uma administração global.

ComCiência – Vivemos na chamada sociedade da informação, na qual o acesso à informação é mais fácil e democrático. Como este fato mudou ou melhorou a percepção pública da ciência?
Bucchi – O acesso à informação é um aspecto importante, mas não é o único aspecto relevante em relação à percepção da ciência. Devemos também olhar para mudanças nos valores e na confiança em relação às instituições. Há quem argumente que a mídia eletrônica contribuiu para formatar a percepção da ciência e tecnologia, como sendo capazes de lidar e resolver qualquer problema (fome, envelhecimento, e até a morte), alimentando as expectativas do público em um nível sem precedentes. Isso, no meu ponto de vista, pode ser um processo muito perigoso para a própria ciência em longo prazo.

 

2Walmor Corrêa

Por Susana Dias






Reconhecido nacional e internacionalmente por suas ilustrações precisas, delicadas e fabulosas de seres estranhos e, ao mesmo tempo, familiares, Walmor Corrêa cria "uma natureza fantástica que desconhece a própria impossibilidade". Nesta entrevista, o artista catarinense, que na infância já ilustrava seus cadernos de ciências e biologia com desenhos feitos a partir das aulas, conta como pensa a interação entre arte e ciência numa aposta em recriar a idéia do que é, ou não é, científico. Suas obras já fizeram parte de exposições coletivas nos EUA ("Cryptozoology"), Argentina, Áustria, Equador, Uruguai, Alemanha, Espanha e Brasil. A última participação foi na exposição "Os Trópicos: visões a partir do centro do globo", com curadoria de Alfons Hug, Viola König e Peter Jung, que irá para o Museu Martin-Gropius-Bau, em Berlim, em setembro deste ano. No início deste ano, realizou a exposição individual Memento Mori na galeria Laura Marsiaj Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro.

ComCiência – Em suas criações a ciência está muito presente. Por que trabalhar com ciência? Como arte e ciência interagem em seus diversos trabalhos?
Walmor Corrêa – Cientificamente é impossível o vôo do besouro. De acordo com o número de Reynolds – que faz a correlação do tamanho da asa com a viscosidade do ar, mais o cálculo de sustentação – o inseto jamais voaria e, no entanto, voa. Esse aspecto da ciência foi o que me levou a pensar até que ponto o saber abraça a enorme diversidade de fenômenos do mundo natural. Trabalho como um investigador cuja pesquisa mescla ferramentas do território científico, não para produzir mais ciência, mas para "renegociar" a própria idéia do que é, ou não, científico. Durante o meu processo de trabalho, existe sempre a observação criteriosa e a pesquisa a partir de diferentes fontes científicas, como livros de ciências e anatomia, compêndios e manuais de zoologia. Primeiramente, eu formulo uma hipótese sobre a espécie e então estudo como ela poderia ser cientificamente descrita nas suas características mais gerais, como anatomia e fisiologia. A partir das minhas perguntas, questiono-me o que, afinal, significa "saber". "Sei" porque adquiri noções sobre os elementos que me circundam por dentro e por fora, ou porque posso abrir os olhos e realizar o mundo como penso que ele se apresenta? O que construo é uma natureza fantástica que desconhece a própria impossibilidade.

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ComCiência – Como o senhor pensa a ficção em suas criações? Quais os desafios que as ciências contemporâneas – vidas inventadas, microchips implantados, híbridos, utilidades práticas, antecipação do futuro – colocam para os artistas?
Walmor Corrêa É inegável que os avanços e as "curiosidades" da ciência tenham sobre o meu trabalho um desencadeador relevante. Estou sempre atento às novas possibilidades, mas com o olhar investigativo e poético, para seguir respondendo questões da minha inquietude particular. Tudo precisa ser explicado, descrito. Só que o texto também pode se modificar, rebelando-se contra a rigidez científica e abdicando de seu status de decodificador. Ele pode decidir brincar, perguntar o que não tem resposta, despistar – ou, simplesmente, não ser lido e ainda assim, significar. Exemplifico com um trabalho recente que desenvolvi, "a sereia mata por que não pode ser mulher". Baseado em cirurgias atuais, implantes, no uso de microchips localizados que possibilitariam a capacidade de um paraplégico caminhar, sugeri implantes de endopróteses totais de membros inferiores e cirurgia de neovagina em uma mulher-peixe, possibilitando, poeticamente, a realização do sonho de uma sereia...

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ComCiência – Corpos dissecados, vísceras aparentes, ossadas impossíveis, bichos que morrerão. Memento mori. Que morte é essa que traz, desde dentro, uma aposta vitalista, que quer dar vida aos mitos brasileiros (Ondina, Curupira, Capelobo e Cachorra da Palmeira), aos heróis dos quadrinhos (Homem-aranha e Cheetah)?
Walmor Corrêa – Desloquei os meus questionamentos dos postulados da teoria evolucionista para pintar uma descrição detalhada de aspectos anatômicos e fisiológicos de animais que habitam o universo do folclore brasileiro há mais de 500 anos e que nunca antes haviam sido descritos em termos médicos, considerando que "imagens são geralmente feitas para empregos radicalmente diferentes na arte e na ciência, mas eles possuem sinais claros do modelo estrutural de visão que compartilham como ponto de partida, desde que saibamos como e onde procurar por eles" (Prof. Dr. Martin Kemp). Tomemos como exemplo do meu processo de trabalho a história da Ondina, parte da série "Unheimlich" (2005). Ao pensar essa descendente das sereias no Brasil, primeiro me veio à mente trabalhar no sentido de comprovar a existência desse animal que habita água e terra. Então, perguntava-me como eu poderia "justificar" a existência desse ser, explicando, por exemplo, os efeitos da alta pressão no seu cérebro. Afinal de contas, ela desce a grandes profundidades da água. Como ela suportaria essa pressão? Depois de estudos mais aprofundados e de alguns encontros com um neurologista, criei uma válvula jugular que abre ou fecha de acordo com a mudança de pressão atmosférica, o que permite que o animal passe do meio terrestre para o aquático automaticamente, encerrando o sangue no cérebro e permitindo, assim, que habite os dois ambientes sem maiores problemas. Dessa forma, cada animal tem a sua fisiologia analisada e suas características descritas de forma também médica. Em "Memento mori" (lembra-te que vais morrer) também não tenho como objetivo dialogar com a morte, mas, sim, com a possibilidade dela.

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ComCiência – Em sua opinião, quais são os maiores desafios atuais da divulgação científica (seja em revistas, filmes, produções teatrais, quadrinhos, obras de arte, etc)?
Walmor Corrêa – Acredito que os interesses decorrentes da "falta de ética" e os motivos "religiosos" impossibilitam muitas vezes o caminhar de pesquisas para um futuro imensamente mais esclarecedor e saudável. Aproveito para agradecer aos pesquisadores pelos seus sonhos que, quando realizados, tornam as nossas vidas tão melhores. Agradeço, ainda, à permissão legada a nós, artistas, quanto ao direito de sonhar com eles!

 

3Diego Golombek

Por Germana Barata






A ciência motiva o trabalho de Diego Golombek porque pode ser comunicada a partir das questões que se escondem na vida cotidiana e permite compartilhar o “incrível sentimento” da descoberta científica. Biólogo e diretor do Laboratório de Cronobiologia da Universidade Nacional de Quilmes (Argentina), Golombek é autor de uma série de livros sobre divulgação científica, atuou como diretor de teatro, jornalista e músico, e atualmente faz um programa de ciência na TV educativa da Argentina, que traz um quadro dedicado à ciência na cozinha. Ele afirma que divulgar a ciência na TV é ter acesso a uma ampla audiência e a múltiplos recursos de linguagem, embora seja sempre um desafio conseguir patrocínios e convencer os produtores da importância de tratar desses temas em programas geralmente pouco lucrativos.

ComCiência - Quais são os principais obstáculos que a comunicação da ciência tem que superar? Você acredita que a sociedade tem se interessado e engajado mais em relação às questões de ciência? E em que sentido a comunicação da ciência contribuiu para isso?
Diego Golombek – No meu país a comunicação científica certamente melhorou muito nos últimos anos, por causa de mudanças ocorridas nos três principais atores envolvidos. De um lado, os comunicadores científicos e jornalistas se tornaram mais profissionais e a mídia (jornais, canais de TV, etc) perceberam, pelo menos parcialmente, a importância de publicarem notícias e histórias de ciência. Por outro lado, o público começou a demandar este tipo de informação em certas questões-chave relacionadas com a sua vida e decisões cotidianas. E por último, mas não menos importante, os cientistas se abriram para esta questão, depois de considerarem esse tipo de atividade uma perda absoluta de tempo, eles também perceberam que comunicar suas atividades para um público mais amplo é fundamental para a sua própria sobrevivência. Podemos dizer que houve um aumento infinito na comunicação científica. Há duas décadas não havia nada e nada dividido por zero é infinito... Nós temos muitos desafios: fazer essas atividades parte da vida e dos relatórios dos cientistas para garantir a máxima qualidade na comunicação da ciência, para conectar todas as atividades à educação e a programas nacionais de alfabetização que sejam realmente inclusivos, etc. Sim, a sociedade está mais interessada em ciência (eu não diria que está mais envolvida com a ciência), e a comunicação tem muito a ver com isso. Talvez não seja a melhor estratégia, mas os grandes temas que chamam atenção são as catástrofes, doenças, problemas éticos como a clonagem levanta, etc. Talvez esses possam ser bons ganchos para atrair a atenção das pessoas para que outras questões possam ser consideradas – e a ciência lida exatamente com perguntas.

ComCiência - Em muitos países, como no Brasil, os canais de TV são obrigados a exibir programas de educação, onde se inserem os de divulgação científica. Os raros programas que existem passam em horários pouco acessíveis ao público. Como esses programas não costumam ser muito lucrativos, não despertam interesse de produtores e redes de TV. Sendo a TV, muitas vezes, o principal meio de comunicação disponível, há esperança de que bons programas sobre temas científicos comecem a ser exibidos em curto prazo?
Golombek – Na Argentina, embora tenhamos tido poucos programas sobre ciência na última década, a situação mudou dramaticamente um ano atrás, quando o Ministério da Educação abriu um sinal próprio de TV que inclui um bom número de programas científicos excelentes (tanto internacionais quanto locais, incluindo o meu próprio). Claro que alguns canais populares de documentários, como a Discovery e a NatGeo, são bem conhecidos, mas apenas na TV a cabo, logo eles não são inclusivos para a população em geral. O canal educativo é também exibido na TV a cabo, mas esperamos que ele esteja logo disponível na TV aberta. É verdade que os canais comerciais não querem investir em ciência e quando há programas desse tipo eles estão nas grades "educacionais", às 7 horas da manhã ou à meia-noite. Há duas razões para isso: a) os programas de ciência não são tão populares, logo não atingem a cota de audiência necessária à maioria dos sinais comerciais. No entanto, esses canais também devem considerá-los como uma obrigação outra, além de ganhar dinheiro; e b) isso nos obriga a sermos mais criativos e a imaginarmos programas que possam realmente atrair a atenção do público e há vários exemplos a serem seguidos. Essa é minha esperança, claro!