Semiologia
e semiótica são termos freqüentemente abordados
nos estudos da comunicação e, especialmente, nos
estudos de linguagem publicitária. Normalmente, os
conhecimentos referentes a tais áreas criam uma grande
confusão na cabeça de alunos da graduação
e da pós-graduação em comunicação
social. Isso acontece por algumas razões que aqui busco
sintetizar.
A
primeira grande dificuldade, se estabelece no ranço histórico
de conformação do campo da comunicação,
pelo entendimento que se tem da área como uma subárea
das ciências sociais, que busca a reflexão sobre as
questões da influência midiática nas sociedades,
excluindo desse processo social midiatizado, a condição
de linguagem que estrutura os processos de comunicação
que, por sua vez não podem ser compreendidos apenas como
meios, mas sim como elementos que dão a conformação
tecno-discursiva dos ambientes socioculturais, não sendo
simplesmente o meio, mas o próprio ambiente organizador das
relações sociais.
Ou seja, os estudos
da sociologia não dão conta do objeto, o ambiente
discursivo de textos/mensagens veiculados nas mídias, no qual
estamos inseridos e que chegam até nós por meio de
signos, produções de linguagens, carregadas de
significados e sentidos, e que precisam ser estudados por uma
perspectiva das linguagens midiáticas e não de uma
sociologia da comunicação.
É
aí que entram em cena a semiologia e as semióticas.
Digo semióticas porque estas teorias não têm uma
única matriz e possuem percursos e visões metodológicas
distintas, sobre as questões de linguagem e nas suas
aplicações sobre os estudos dos discursos midiáticos.
Isso
instaura a segunda problemática, pois quando se estuda
semiologia e semiótica é preciso se perguntar sobre
qual semiótica estamos falando? Grosso modo, existem
três matrizes de estudos semióticos, que surgiram quase
que sincronicamente no período entre o final do século
XIX e início do século XX, a partir da necessidade de
se compreender os novos fenômenos de linguagem e suportes
midiáticos que começavam a tomar conta do mundo com o
desenvolvimento das comunicações em cartazes, revistas,
jornais, rádios, fotografias e cinema.
A primeira dessas
matrizes é a semiótica formulada pelo americano Charles
Sanders Peirce. Esta teoria faz uma abordagem lógico-filósófica
da linguagem, tendo o signo, a unidade mínima de representação
(entendendo que toda linguagem é uma forma de representação
do mundo), como referência para se pensar os níveis de
percepção sobre o mundo (primeiridade, secundidade e
terceiridade), e desses níveis, decorrem tipos de
signos/representações (ícones, índices e
símbolos) que levam, em suas infinitas recombinações,
a uma dimensão, sintática, semântica e pragmática
das linguagens de qualquer natureza. De todas as teorias semióticas
essa é a única que, em sua origem, não tem
referência nos estudos lingüísticos.
Tal
aspecto, dá a esta formulação teórica um
papel desbravador nos estudos das linguagens midiáticas, tendo
aplicações no universo do discurso das mensagens
publicitárias, pois a análise gramatical dos tipos de
signos, como uma das possibilidades de utilização da
teoria peirciana, permite a avaliação do impacto
perceptivo das mensagens, logomarcas, logotipos e embalagens, entre
outros suportes de comunicação publicitária, o
que torna essa semiótica uma aliada para os estudos da
linguagem publicitária e para o trabalho e formação
de designers e profissionais da área de criação
publicitária.
Grande
parte da obra desse filósofo e matemático encontra-se
na publicação americana denominada Collected papers
e suas obras de referência traduzidas para o português
são Semiótica e filosofia e Semiótica,
respectivamente editados pela Cultrix e pela Perspectiva.
A segunda
matriz, não menos complexa que a primeira, é
fundamental para desdobramentos científicos da lingüística,
ganhando uma amplitude maior a partir da segunda metade do século
XX. Trata-se da semiologia postulada por Ferdinand Saussure em 1906,
na Universidade de Genebra, em seu famoso Curso de lingüística
geral, que gerou obra homônima, uma publicação
póstuma ao seu autor, organizada por seus discípulos.
A semiologia postulada por Saussure era uma
ciência maior que estudava os signos no seio da vida social, ou
seja, propunha o estudo de outras linguagens não-verbais,
tendo como referência a lingüística, que estuda os
mecanismos gerais de todas as línguas (linguagem verbal). E
rompendo com a tradição positivista, esse lingüista
afirmava que a língua é um produto social, cuja unidade
mínima de comunicação, o signo (a palavra) é
dotada de um significado (o conceito/função) e de um
significante (a parte material), interessando-se metodologicamente
pelo que constitui o signo e excluindo de sua proposta teórica
a realidade que dá origem aos signos, já que esses
constituem o modo de representação de uma dada
realidade.
Saussure inaugura uma tradição de
pesquisas que se caracterizou como Lingüística
imanente, centrada nos estudos dos textos, na organização
e no sentido das obras em si, desconectadas de seus contextos de
produção discursiva. Sua teoria, muito criticada no
momento de sua apresentação, foi quase esquecida, mas
foi resgatada no final dos anos 40, início dos anos 50, quando
célebres pesquisadores europeus como o dinamarquês
Hjelmslev, o russo Roman Jakobson e o francês Roland Barthes
ressignificam a obra saussureana, instaurando momento teórico
conhecido como estruturalismo e que trabalhou a proposta de
uma semiologia estrutural, partindo da mesma noção
de signo dado em Saussure, mas com alterações sobre a
idéia original do autor.
Esta semiologia estrutural tinha como
referência a língua como sistema de linguagem maior para
os estudos das outras linguagens não-verbais. Nessa referência
a língua, em seu conjunto de normas, para a utilização
das palavras (unidades paradigmáticas) de um falante, combina
tais elementos para a constituição de uma mensagem
(seqüências sintagmáticas), a frase no sistema
verbal de linguagem oral ou escrita.
Na perspectiva dos paradigmas (signos) que
constituem sintagmas (mensagens) temos, a partir dos anos 60,
contribuições francesas obrigatórias aos estudos
de linguagem publicitária, como o artigo Réthorique
de l´image publicado na revista Communication de
Paris, por Roland Barthes, também autor da obra Sistema da
moda, que formulou estudos pioneiros sobre o código do
vestuário; a obra de Gustave Péninou La
sémiotique de la publicité; as publicações
de Jacques Duran entre outros autores.
A publicidade, com estas publicações,
ganha lugar, por seu discurso mediatizador das sociedades de consumo,
no âmbito das pesquisas acadêmicas e seu estudo torna-se
modelar na referência teórica da Semiologia.
Contudo, a teoria semiológica é
revista em meados dos anos 60, gerando o movimento teórico
conhecido como pós-estruturalismo e gerando uma teoria,
pautada na apropriação do signo saussuriano, realizado
no trabalho intelectual de Hjelmslev, que ao transformar a noção
de signo constituído por significado e significante, por
conteúdo e expressão, para libertar o signo do seu
viés lingüístico, possibilitou a criação
de uma teoria gerativa que estudava todo e qualquer tipo de texto, a
partir de seus conteúdos independentemente de suas
expressões/significantes.
O grande expoente desse movimento é
pesquisador Algirdas Julien Greimas e a partir daí o nome
semiologia cai em desuso, sendo encampado pela chamada semiótica
narrativa e discursiva que pode ser melhor compreendida nas obras
greimasianas intituladas Du sense: essais sémiotiques e
Du sense II: essais sémiotiques.
A publicidade brasileira também foi, e
ainda é, bastante estudada nessa perspectiva teórica
que vai da semiologia estrutural à semiótica narrativa
e discursiva, destacando-se as pesquisas brasileiras realizadas
principalmente no âmbito dos programas de pós-graduação
da Comunicação e Semiótica da PUC-SP; dos
Estudos Literários na Unesp de Araraquara-SP; da ECA/USP e do
Departamento de Lingüística da FFLCH-USP.
Por fim, chego à última matriz
semiótica, que se refere aos estudos russos. O primeiro ramo
de estudos sígnicos na Rússia, refere-se a uma
semiótica da cultura, construída a partir dos trabalhos
de Yurij Lótman na Escola de Tartut, anos 60, que buscou a
compreensão da cultura como linguagem. E se a publicidade é
um produto cultural, ela é passível de uma abordagem
via semiótica da cultura. Esta vertente ganha maior
interdisciplinaridade associada aos estudos de antropologia, ao se
fundir à noção antropológica de artefato
cultural, para uma análise mais rica das representações
culturais da humanidade. Este ramo da semiótica estudou
contos, folguedos do folclore russo e guarda uma forte herança
das pesquisas formalistas, que também influenciaram a
semiologia estrutural, a partir dos trabalhos de Roman Jakobson
(autor de formação formalista).
Há ainda, na Rússia, a produção
de uma teoria semiótica pautada na dialética dos
processos de enunciação verbal, que se fazem marcar nos
enunciados. Trata-se da Teoria Polifônica formulada por Mikhail
Bakhtin. Para este autor o signo reflete e refrata a realidade que
representa, trazendo em si, cargas subjetivas em conflitos. Esses
conflitos gerados por vozes/sujeitos, representados no discurso,
criam os efeitos de polifonia. Tal polifonia cria um jogo
constitutivo de redes discursivas que ele denominou de dialogismo e é
nesses dois grandes conceitos que a teoria semiótica desse
autor está pautada.
Sua teoria dialógica, postulada no final
da segunda década do século XX, foi levada à
França pelo trabalho da pesquisadora Júlia Kristeva,
mas ela simplificou o conceito de dialogismo à idéia de
intertextualidade, quando o dialogismo se torna mais visível,
marcado. Contudo, esse conceito em Bakhtin tem uma dimensão
muito maior para o funcionamento dos processos enunciativos.
Nem precisa dizer que esta vertente semiótica,
assim como as outras mencionadas, tem dado grandes contribuições
aos estudos da linguagem publicitária, principalmente na
análise de discursos políticos e de campanhas
eleitorais, bem como nos estudos intertextuais da publicidade.
Bem, com este panorama e sem me prender aos
rigores da escrita acadêmica, tentei mostrar as características
gerais das abordagens semióticas, mas nem de longe conseguiria
esgotá-las nessas poucas linhas. As teorias semióticas
são um arsenal poderoso que, via linguagem, podem propiciar
uma porta de entrada para o exercício da pesquisa
interdisciplinar da comunicação, como eu acredito. Mas
as semióticas sozinhas não dão conta de tudo,
embora entenda que o uso delas na construção de uma
teoria das linguagens midiáticas é fundamental. E aos
que pretendem ingressar nos estudos da linguagem midiática e
da redação publicitária, eu diria que esses
conhecimentos são essenciais, pois eles fazem a diferença
e aumentam a capacidade crítica de leitura sobre o
texto/discurso que produzimos.
Aqui estão sintetizados conhecimentos de
uma década de estudos. Leva um bom tempo para se entender o
que é semiótica peirciana, semiologia, semiologia
estrutural, semiótica narrativa e discursiva, polifonia e
dialogismo, semiótica da cultura e as novas vertentes que hoje
surgem e colocá-las nos seus lugares. A pesquisa nessa área
não pára e para os que pretendem se aventurar, eu
recomendaria começar a estudar desde já.
Eneus Trindade é
professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, do
Curso de Publicidade e Propaganda e membro do Núcleo
Interdisciplinar de Estudos da Linguagem Publicitária (Nielp),
do Departamento de Relações Públicas, Propaganda
e Turismo da ECA/USP.
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