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O espetáculo midiatizado |
Por Vera Regina Toledo Camargo
10/08/2006
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A parceria entre o futebol e os meios de
comunicação no Brasil é muito antiga.
As primeiras notícias foram divulgadas no Jornal do
Comércio de São Paulo, na
edição de 17 de outubro de 1901, e tinham um
caráter bastante elitista, assim como o próprio
futebol praticado na época. Eram poucos os que tinham acesso
às informações. O custo dos jornais
era elevado e a população tinha dificuldades para
compreender a mensagem que traziam, por falta de
instrução ou porque os termos esportivos na
época faziam referência às
línguas estrangeiras, mais especificamente à
língua inglesa, como corner
ou penalty, tão usuais. O futebol era praticado
somente pela elite da sociedade que tinha acesso à
prática esportiva nos clubes ou escolas. Embora hoje o
futebol seja o esporte mais explorado pela mídia, em 1894,
quando foi trazido para o Brasil por Charles Miller, não foi
muito valorizado pela imprensa brasileira.
A primeira partida foi transmitida oficialmente pelo rádio
em novembro de 1927. Mas o fenômeno da
massificação no futebol aconteceu, efetivamente,
com a colaboração da mídia
radiofônica, por volta dos anos 40 e 50. Esse artefato de
comunicação possibilitou a
criação de um universo muito interessante em
relação ao futebol. Muitas gírias e
jargões do jornalismo esportivo ascenderam a partir dessa
época, porque o radialista esportivo tinha a
função básica de criar a imagem da
disputa para aqueles que estavam distantes dos jogos. Também
no campo estava presente, uma vez que os torcedores levavam o radinho
de pilha aos estádios para acompanhar as
narrações.
Outra transformação importante desencadeada pelo
futebol midiático, que repercutiu na sociedade e que merece
destaque, data dos anos 50 e 60, com o surgimento da mídia
audiovisual, que trouxe as imagens dos jogos, mas as
narrações continuavam iguais às do
meio radiofônico. A primeira reportagem filmada para a
televisão ocorreu em 15 de outubro de 1950, no jogo entre
Palmeiras e São Paulo, diretamente do estádio do
Pacaembu em São Paulo.
Nesse cenário surge outro elemento importante, que desde seu
surgimento deixou tentáculos, que são os aspectos
mercadológicos, na figura do patrocinador e do marketing
esportivo, alterando dessa maneira o comportamento e a cultura da
sociedade futebolística.
Não podemos esquecer que os anos 90 também
contribuíram para a divulgação das
informações esportivas, através da
internet. Todo esse panorama histórico tem o objetivo de
resgatar a trajetória do “esporte-rei”
veiculado pela mídia.
As relações do futebol com a sociedade passam por
transformações importantes promovidas pelos meios
de comunicação. O esporte foi assimilado pelas
massas, e é apreciado como espetáculo por meio
das imagens veiculadas pela televisão, num
fenômeno produzido com as mais altas tecnologias,
incorporando beleza ao gesto técnico, buscando a imagem mais
que espetacular. Tornou-se também um grande
negócio, em termos econômicos e
ideológicos. Dessa forma, ao estabelecer
relações mercadológicas e promover a
espetacularização das imagens, ganha
características de um show de entretenimento.
Outro aspecto que merece destaque é proporcionado pelas
ações da indústria cultural que, ao
veicular o futebol, acentua o fenômeno da
identificação entre os que praticam e os que
observam. Os torcedores gritam de alegria, suspiram e silenciam com uma
certa unanimidade, parecem ser conduzidos por um maestro de orquestra.
Grande parte dessas características deve-se à
televisão, porque esta, ao veicular essas imagens, as
espetaculariza. É um ingrediente fundamental ao esporte,
pois mostra e incentiva toda a emoção na partida,
do vitorioso ao vencido. Nesse contexto, também é
enfatizada a atuação das torcidas, nas
arquibancadas. As expressões, gritos e até o
silêncio traduzem a emoção do
espetáculo. Os fenômenos midialógicos
relacionados com o futebol nos mostram o poder dessa
indústria cultural que consegue até mesmo
manipular as regras dos jogos, para veicular seus valores,
crenças e ideologias, buscando a audiência e os
lucros, como elementos de sustentação.
Dentre tantas alterações importantes ocorridas na
nossa sociedade durante o século XX, podemos compreender o
futebol também como mercadoria de consumo. Até os
anos 70, os recursos envolvidos com os clubes de futebol brasileiros
eram formados por três fontes principais:
- A arrecadação das bilheterias dos
jogos;
- A receita vinda do quadro social;
- A venda do passe de jogadores.
Esse cenário ampliou-se muito nestes últimos
anos. Os empresários descobriram que o marketing poderia
ajudar o futebol, que estava em declínio, assim como os
negócios nos clubes e nas transmissões
esportivas. Com o desenvolvimento tecnológico dos
equipamentos midiáticos e o aumento dos investimentos nas
transmissões dos eventos esportivos, houve uma melhora
substancial na qualidade das imagens geradas e na receita dos clubes.
As novas tecnologias e a colocação de
câmeras de vídeo em pontos
estratégicos, assim como a utilização
de recursos gráficos e digitais, garantem o melhor
ângulo de cada lance dos jogos, possibilitando uma
edição mais competente, permitindo
também diminuir as dúvidas dos lances incertos.
Além disso, existe uma competição
acirrada fora dos gramados entre as emissoras de televisão,
pela conquista da audiência, dos anunciantes, e dos
patrocinadores. O telespectador também é
envolvido, pois sofre diretamente a influência dessas
ações e reproduz as falas dos narradores e
comentaristas.
Mas, afinal, o futebol
midiatizado é informação ou
espetáculo?
A espetacularização da
informação já foi detectada por
inúmeros autores da área comunicacional, entre
eles Adorno, Barthes e Baudrillard. Acrescento a esta
informação os estudos de Tubino, Bracht,
Carvalho, Betti e Camargo. A espetacularização
das informações é encontrada em
algumas situações importantes como, por exemplo,
nos programas populares que atingem grandes índices de
audiência com temáticas que enfatizam
anormalidades físicas ou conflitos existentes entre os
casais e famílias. Essas situações de
sensacionalismo e emoção, através da
imagem, também ocorrem nos esportes. Mais recentemente,
notamos que cenas esportivas aparecem como
espetaculares em imagens sensacionalistas. Não podemos
deixar de citar as cenas de violência e morte nos
estádios de futebol, dentro e fora dos gramados, enquadradas
em detalhes pelas câmeras de televisão. Imagens
que entram nas casas das pessoas sem pedir licença, e que
trazem retorno financeiro e de aumento de audiência. Em
contrapartida, o jornalismo mais sóbrio e investigativo
acaba perdendo espaço.
Nesse novo cenário midiático verificamos algumas
tendências: nas mídias impressas, em
relação aos padrões de jornalismo da
mídia televisiva, a atitude sensacionalista foi desencadeada
pela concorrência com a televisão, visando
sobreviver. A mídia impressa está buscando ser
mais interpretativa e menos descritiva, trabalhando com textos que
refletem as ações dos fatos. Algumas matérias veiculadas no
rádio fogem, muitas vezes, dos padrões
básicos de comunicação. Encontramos,
nesse meio, a necessidade de produzir informações
que remetam à publicidade e à
promoção da audiência e, desse modo, os
aspectos jornalísticos mais relevantes são
menosprezados. No universo interativo da web encontramos um
cenário perfeito para novas possibilidades de
comunicação, pois permite desde a leitura e
compreensão superficial de um determinado assunto, a buscas
mais profundas e elaboradas. Dessa forma, somente com o conjunto de
mídias o futebol poderá ser bem retratado em sua
essência.
Concluindo, sugerimos aos profissionais que atuam na área
da comunicação esportiva a necessidade de conhecerem a filosofia,
a cultura e o significado antropológico do futebol para a
sociedade. Falta, e muito, oferecer,
através da informação educacional
sobre o esporte, perspectivas de uma vida mais saudável.
Seria importante também proporcionar uma
informação mais cultural sobre o futebol e suas
relações com a sociedade.
Ao realizar um estudo comparativo sobre as
narrações e descrições das
competições, nas diferentes épocas,
compreendemos que antigamente essas eram mais brilhantes, criativas e
poéticas. Hoje, os comunicadores buscam transmitir as
informações, criando uma terminologia
própria, gírias e jargões, querendo
diferenciar-se do outro colega. Seria importante
uma maior separação entre jornalismo e
publicidade nos veículos de
comunicação proporcionando mais
independência e a possibilidade de permitir que o
público tenha seu próprio juízo a
respeito dos limites do espetáculo e da
informação.
Vera Regina Toledo Camargo é doutora em
comunicação e pesquisadora do Labjor/Unicamp.
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