A vinculação entre cinema e ciência é antiga. Antes mesmo
de Lumiére encantar o público parisiense, em 1895, com a projeção de cenas
impressionantes que inauguraram o cinema como uma fabulosa forma de
entretenimento, as técnicas de criar imagens em movimento com sequência de
fotografias serviram a propósitos científicos. Duas décadas antes, o astrônomo francês
Jules Janssen já usava um “revólver fotográfico” para reproduzir o registro da
trajetória do planeta Vênus. E fazia isso inspirado pela experiência do
fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, que montara uma incrível sequência de
fotografias da corrida de um cavalo, reproduzindo seu movimento em detalhes.
Isso foi logo percebido como um grande recurso para estudo de fisiologia do
movimento. O vôo dos pássaros de Etienne Marey foi publicado em 1890, a
partir das análises propiciadas por esse novo instrumento de pesquisa.
Cientistas de outras áreas não tardaram a perceber as vantagens desse recurso e
utilizá-lo. Algumas dessas experiências com “rolos de cronofotografias” foram
mostradas na Academie de Sciences
da França, no início da década de 1890. Cientistas de outras áreas não tardaram
a perceber as vantagens desse recurso e utilizá-lo. Algumas dessas experiências
com “rolos de cronofotografias” foram mostradas na Academia de Ciências da
França, no final da década de 1880.
Embora tenha se tornado uma forma de
entretenimento e galgado o status de um gênero artístico próprio, a
sétima arte, o registro cinematográfico continuou a servir como instrumento
científico. Uma ferramenta que possibilitava vários tipos de experimentos e o
registro de ocorrências em condições inóspitas ou não discerníveis a olho nu,
permitindo observações repetidas e análises detalhadas, com a separação de
instantes.
A vivacidade das imagens e sua
reprodutibilidade facilitaram sua aceitação como representação da realidade.
Mesmo sabendo que são montadas, a magia e o encantamento do fluxo de imagens
fazem o espectador reagir como se fosse a própria realidade. Cenas filmadas
foram rapidamente aceitas como provas materiais, testemunhos insuspeitos e até
evidências científicas.
Muito além de instrumento científico, o cinema foi um
grande veículo de divulgação dos avanços da ciência e formação de uma audiência
que entrevia nas telas o uso ilimitado de suas possibilidades. Não apenas
documentários e ficções científicas retratam os conhecimentos desejados e os
alcançados, mas até mesmo os dramas (profundos ou tolos) e as comédias revelam
a penetração da ciência em nossa cultura.
A transposições e as vivências que a linguagem
cinematográfica possibilitam são tão marcantes que, muitas vezes, elas se
tornam as referências profundas e comuns pelas quais a ciência e a técnica são
percebidas por grande parte da sociedade. Mais do que aprendizagens derivadas
das práticas educativas formais, as experiências vivenciadas nos filmes acabam
compondo boa parte do arsenal simbólico no qual a opinião pública vislumbra o
alcance dos empreendimentos científicos e tecnológicos. Mesmo assim, essas vivências
não tinham, até bem recentemente, o reconhecimento em ambientes acadêmicos.
A comunicação audiovisual sempre foi fundamental – não só
para a cultura geral, como também para o conhecimento científico – porém sem o
status cognitivo de um registro escrito. A escrita possibilitou uma relação
mais intelectual com as ideias. Mais preciso e perene, o registro escrito
propiciou a circulação de conhecimentos em outros contextos, muito além do que
os ambientes em que foram produzidos. Já as sensações – mesmo a visual e sonora
– eram vistas com desconfiança, como algo que distrai a concentração e
atrapalha o pensamento. Em narrativas míticas de diversos povos, o cego já aparecia
como sábio, que não se deixa levar pelas aparências nem pelas imagens que
ofuscam a percepção da realidade.
Sobretudo na cultura acadêmica, o conceito foi sempre mais
valorizado porque, sendo mais abstrato, permite delimitar significados e
desenvolver raciocínios e argumentos com maior rigor. Ainda que as imagens e
sons falem mais diretamente, eles o fazem de forma imprecisa, conjugando diversas
significações. Assim, o cinema era reconhecido como uma experiência vívida e intensa, porém uma forma
menos séria de conhecimento do que a leitura de livros ou artigos.
Por isso é curioso que, na
sociedade atual, a escrita (livros, jornais ou textos digitais) venha perdendo rapidamente
terreno para os vídeos. A comunicação audiovisual é cada vez mais preponderante,
não só pelas TVs, mas também em computadores e smartphones. Os aplicativos
incorporam mensagens de vídeos; inscrições em congressos científicos e editais
começam a demandar a inscrição com Pitch (vídeo de curta duração que pode ser feito por
celular, no qual o pesquisador apresenta seu tema de estudo, impactos e
resultados) e a divulgação cientifica se vale cada vez mais do videocast,
com “bibliotecas” de conferências como o TED (acrônimo de technology,
entertainment, design)ou
debates.
A ideia e o argumento, que
num texto almejava ser impessoal, passam nesses novos formatos a ter um rosto,
uma voz, um figurino, uma ambientação, um roteiro, uma encenação. Alguns
estudiosos da história e sociologia da ciência consideram que o “teatro da
prova” sempre teve um papel fundamental na prática científica e que os diversos
artifícios que compõem a imagem pública da ciência sempre interferiram no
debate e na produção do conhecimento. Mas o que ocorre atualmente é diferente.
Além de vários recursos novos, que dão mais projeção e alcance, a linguagem
audiovisual é reconhecida oficialmente como forma de comunicação não só válida,
mas imprescindível.
Bernardo Oliveira é doutor em filosofia, associado da Sociedade
Brasileira de História da Ciência e professor da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais.
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