08/02/2013
A obesidade deixou de ser um problema exclusivo de adultos para se tornar também uma realidade pediátrica. Em uma sociedade onde as facilidades de transportes e atrações virtuais fazem meninos e meninas se exercitarem cada vez menos, o excesso de peso ganha contornos preocupantes. Aos poucos medidas em diversas esferas vão tentando reverter o cenário. Um dos esforços recentes foi a tentativa de aprovar um projeto de lei no estado de São Paulo que restringiria a publicidade de alimentos não saudáveis dirigida a crianças. A proposta não foi aprovada devido à inconstitucionalidade do projeto. No entanto, para a endocrinologista e membro da diretoria da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), Maria Edna de Melo, este tipo de atitude reflete sobre esforços da sociedade em prol de suas crianças. Nesta entrevista à ComCiência, a médica fala dos riscos da obesidade infantil, a influência dos pais na dieta infantil, relacionamentos pessoais e desafios que as novas tecnologias impõem.
Falamos muito sobre obesidade e sobrepeso, mas como é feito o diagnóstico para saber se uma criança é obesa?
Maria Edna de Melo – Existe um limiar numérico para o diagnóstico da obesidade. O elemento norteador é o Índice de Massa Corporal (IMC). A Organização Mundial de Saúde – disponibiliza curvas de IMC para idade, que são específicas para cada gênero (curvas de crescimento para crianças a partir dos 5 anos e adolescentes). Assim, cruzando idade com IMC de meninos e meninas podemos diagnosticar quando é sobrepeso e quando é obesidade.
Sobre obesidade, o que apontam as pesquisas mais atuais em relação ao universo infantil?
Maria Edna de Melo - O número de crianças com obesidade tem aumentado muito nos últimos anos. Atualmente, no Brasil, cerca de metade da população adulta está acima do peso, enquanto que em crianças de 5 a 9 anos mais de 30% estão acima do peso, e entre os adolescentes este valor é em torno de 20%. (O artigo “ Diagnóstico da obesidade infantil” trata da questão com profundidade).
O sobrepeso e a obesidade já são considerados pandemias que atingem qualquer idade. Como a senhora analisa tal situação?
Melo – A obesidade mata quase tanto quanto o tabagismo, mas a qualidade de vida do obeso é muito mais comprometida. Os eventos das doenças relacionadas com tabagismo são rápidos – enquanto para as pessoas obesas é algo que vai se arrastar pela vida toda.
Quais têm sido as principais preocupações da comunidade médica nesse sentido?
Melo - A obesidade está associada a um maior risco cardiovascular e mortalidade. Assim, as crianças obesas serão adultos mais doentes (diabetes melito, hipertensão arterial etc.), com pior qualidade de vida. Por exemplo, o risco cardiovascular é determinado com o tempo. Assim, um indivíduo que desenvolve algum tipo de problema de saúde com 50 anos e falece aos 70 conviveu 20 anos com a doença. Já as crianças que são obesas tendem a antecipar a doença – ficando mais tempo, em média, com o problema. No curto prazo temos a ocorrência de esteatose hepática, que é acúmulo de gordura no fígado, pressão alta, aumento de triglicérides e diminuição do colesterol bom.
E a questão psicológica, como fica?
Melo – As crianças são muito sinceras e até mesmo cruéis. Existe uma tendência ao bullying que é agravada. Os mais gordinhos têm os laços sociais prejudicados, a criança não quer sair de casa, não quer jogar bola – e acaba não saindo e se exercitando, ou seja, uma coisa prejudica a outra.
Existe alguma doença que seja relacionada com obesidade, mas que as mães confundam e achem que é um comportamento da criança?
Melo - Uma confusão frequente é o escurecimento da região do pescoço e da axila, uma doença chamada acantose. É comum a mãe mandar a criança lavar aquela parte escura da pele acreditando ser sujeira. No entanto, o problema está relacionado com o aumento da produção de insulina e prognóstico para o desenvolvimento de diabetes.
Um dos principais determinantes do sobrepeso infantil é a alimentação inadequada, com excesso de gordura, sal e açúcar. Parte da alimentação da criança é determinada pelo Estado, nas merendas escolares. Como a senhora avalia as merendas nas escolas?
Melo - A Secretaria de Educação da prefeitura de São Paulo possui o Departamento de Merenda Escolar e o cardápio é publicado no Diário Oficial. O cardápio é elaborado por nutricionistas, é equilibrado nutricionalmente e saudável. Não conheço o cardápio da merenda escolar das escolas estaduais mas, de uma forma geral, existe uma tendência a mudanças nos cardápios hipercalóricos e pouco nutritivos para um mais balanceado nutricionalmente, realizado com a participação de nutricionistas.
No período em que as crianças estão de férias há aumento do peso?
Melo - Existem alguns dados que indicam que as crianças podem ganhar peso nas férias. Isto porque, em alguns casos elas podem ficar um período maior realizando atividades sedentárias, como jogar videogame ou assistir televisão e ainda com maior acesso a alimentos, muitas vezes, hipercalóricos. O que vai determinar se a criança vai ganhar ou perder peso nas férias é a programação que ela vai ter!
E como encantar a criança a fazer exercícios? Existem iniciativas como exercícios em grupos ou até mesmo dança para os alunos. Isso funciona?
Melo – O tempo que a criança fica na escola e tem dedicado para a atividade física é curto, devendo ser bem aproveitado com atividades estimulantes e que agradem os alunos. Novos projetos sempre são bem vindos. A atividade física é algo muito individual. Vai de cada um procurar aquilo que gosta e, se for possível, apresentar para a criança. Se ela gostar irá praticar o esporte, de preferência durante bastante tempo.
Quais os desafios dos pais para ensinar os filhos a comer bem?
Melo - O principal desafio é que eles próprios modifiquem hábitos inadequados de vida, como alimentação hipercalórica e sedentarismo, proporcionando um exemplo a ser seguido pelos filhos. A influência vem das pessoas com quem a criança convive. Temos que pensar que crianças imitam muito. Isso vale para alimentação e atividades físicas: amigos e familiares mais ativos interferem. Quem está em um grupo que joga bola não vai ficar em casa sozinho jogando videogame.
Como a publicidade interfere nesse processo?
Melo - Existem estudos que mostram que adolescentes expostos a propagandas de alimentos hipercalóricos (junk food) têm mais gordura corporal, quando comparados com adolescentes não expostos à propaganda.
Crianças mais magras praticam mais exercícios ou crianças que praticam mais exercícios são mais magras?
Melo - Crianças ou adultos com peso normal ou magras tendem a se movimentar mais, pela facilidade, uma vez que elas carregam uma carga corporal mais leve. O contrário também ocorre: indivíduos obesos tendem a ter menor movimentação corporal. Este achado é observado até mesmo nos modelos animais de obesidade. Além do fator “peso”, os magros tendem a ser naturalmente mais agitados e os obesos mais calmos.
Isso tem a ver com o funcionamento do metabolismo? Essa tendência permanece no indivíduo quando adulto ou fatores ambientais podem mudar essa tendência?
Melo - É um preceito que é quem tem menos peso tem hábitos diferentes. Animais magros tendem a se movimentar mais, vai pela busca de seu “drive”, tem uma espécie de pré-disposição espontânea. Isso é nato, vem no pacote.
Há pesquisas que mostram que estocar gordura é parte de uma evolução natural. Então temos essa capacidade embutida em nós?
Melo – Claro que não somos exatamente iguais, mas quando olhamos em termos populacionais podemos notar que ela a população foi geneticamente selecionada para superar a fome e adversidades. No entanto, existem pessoas que buscam alimentos que dão gorduras e pessoas que buscam comidas diferentes, ou seja, fatores individuais determinam a evolução do peso.
Em que medida as novas tecnologias ajudam a aumentar o peso das crianças? Ou elas ajudam a diminuir, no caso dos jogos com interação corporal?
Melo - Como colocado, as novas tecnologias podem influenciar negativa ou positivamente. Cabe aos pais cultivar os melhores hábitos desde cedo nas crianças. Um bom exemplo é a quantidade de tempo que muitas crianças com menos de dois anos ficam assistindo televisão. Não tenho o dado preciso, mas mesmo que a criança esteja com peso normal o hábito de realizar atividades através de brincadeiras deve ser cultivado. É bom lembrar que a Sociedade Americana de Pediatria recomenda o limite de zero horas de TV para crianças abaixo de 2 anos de idade.
Equipamentos como videogame, tablets, celulares interferem na vida das crianças?
Melo - Estamos de frente para uma nova geração, que se mexe menos, que se comunica menos pessoalmente e tende a ser mais sedentária. Acredito que além do ganho de peso, a redução do convívio social, da conversa olhando nos olhos, administrando a reação emocional do outro no momento da exposição das suas ideias é uma perda irreparável!
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