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Reportagem
Voluntariado, gratuidade e integração de conhecimentos na Olimpíada de Robótica
Por Sarah Schmidt
10/10/2015
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Aos 17 anos, a estudante Milena Soares montou um grupo com mais três colegas para participar de uma das etapas regionais da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR) que ocorreu neste ano em São Carlos, no interior de São Paulo. Com o robô “Pantera Cor de Rosa”, a equipe foi a primeira do Colégio Técnico de Campinas (Cotuca) a participar da competição com um grupo formado exclusivamente por meninas. “A grande maioria que geralmente participa é formada por meninos. Escolhemos o nome do nosso robô e utilizamos tudo em rosa para marcar presença”, contou ela, sentada próxima a uma das árvores do pátio do colégio público.

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“Pantera Cor de Rosa” em construção. Foto: Raquel Cardoso.

Milena estava rodeada por dois colegas do terceiro ano do curso de mecatrônica: João Victor Matoso, de 18 anos, e Raquel Cardoso, de 17 (que também integrou a equipe de Milena). João Victor, por sua vez, participou pelo segundo ano da OBR. “No ano passado, foi muito ruim, erramos várias coisas. Neste ano, já foi melhor, conseguimos prever o que daria errado e o que poderia melhorar”, avaliou.

A vontade das meninas de ter mais representatividade na competição se justifica pelos números de 2015: dos quase 10 mil alunos presentes nas etapas regionais e estaduais da modalidade prática, na qual a equipe precisa construir seu próprio robô, apenas 28% eram meninas. Esses percentuais “são praticamente iguais no nível 1 do ensino fundamental e no nível 2 do ensino médio”, explica o professor Flávio Tonindandel, representante do estado de São Paulo na OBR e coordenador do curso de ciência da computação do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI).

Na competição, o desafio de todos os estudantes é construir um pequeno robô que se locomove sozinho por uma arena que simula um cenário de destruição. Intitulada como categoria “rescue” (resgate), o objetivo é que a criação robótica siga uma trajetória determinada, desvie de obstáculos, suba uma rampa e resgate um objeto (em edição anterior, uma lata de refrigerante; neste ano, bolinhas de isopor) que representa seres humanos. Para isso, o robô precisa pegá-los e levá-los a uma marcação na arena, que seria a área segura para as “vítimas”. Todo esse processo ocorre dentro de algumas rodadas. Os desafios vencidos contam pontos. Os robôs são construídos pelas equipes de no máximo quatro estudantes.

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Robô na arena de competição. Foto: OBR.

A olimpíada em dados

A OBR tem as modalidades teórica e prática. A primeira corresponde à realização de provas envolvendo a temática da área, com aplicação dos conteúdos aprendidos na escola. São seis níveis de prova, sendo cinco no ensino fundamental e um no ensino médio e técnico. As provas ocorrem nas próprias escolas, em um único dia nacionalmente definido, geralmente no mês de agosto. Os alunos que têm melhor desempenho são premiados com medalhas de mérito.

Essas provas são aplicadas e corrigidas por um professor da própria escola, que faz isso de forma voluntária. É o caso da professora Cintia Aihara, do curso de mecatrônica do Cotuca. “Eu aviso aos alunos quando será a prova e faço as inscrições dos interessados. Sou eu quem aplico, corrijo e encaminho os resultados. O professor é responsável por todo esse processo. Começamos nossa participação na prova teórica em 2009”, comenta. A adesão do colégio rendeu destaque: em 2013, a equipe Regulus recebeu o prêmio de Melhor Equipe de Escola Pública na etapa estadual, realizada na FEI, em São Bernardo do Campo (SP).



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Alunos do Cotuca na OBR. Foto: Cintia Aihara.

Já a modalidade prática “é essencialmente voltada a escolas e alunos que possuam kits de robótica ou que queiram construir um robô especificamente para este fim”, informa Tonidandel, que foi coordenador nacional da OBR entre em 2013 e 2014. Nessa modalidade, existem dois níveis de competição: ensino fundamental e ensino médio. As escolas precisam formar equipes de no máximo quatro e no mínimo dois alunos para participar de seletivas regionais e estaduais. Os campeões estaduais de cada nível representam o estado na competição nacional. Ela ocorre geralmente no mês de outubro, junto com a Competição Brasileira de Robótica/RoboCup, cujos campeões representam o país no mundial da RoboCup. Em 2016, ela será na Alemanha. A final nacional da OBR neste ano ocorrerá no dia 28 de outubro em Uberlândia (MG). A participação na OBR é gratuita: nenhum aluno ou professor precisa pagar pela inscrição.

A participação nas duas categorias tem crescido nos últimos anos, após ter passado por uma queda, segundo o professor da FEI. Em 2012, eram 30 mil alunos participantes; em 2013, pulou para 50 mil; em 2014, foram 75 mil e em 2015 chegou a 98 mil estudantes. Se forem levadas em conta as duas modalidades juntas, a participação feminina aumenta: sobe para aproximadamente 45%. “Este percentual já é histórico. Ocorreu na OBR de 2013 e de 2014, quando eu fui coordenador nacional, e ocorre agora em 2015 também”, explica o professor Tonidandel.

O crescimento no número total de participantes é maior se olharmos apenas para a etapa prática: em 2012, foram 300 equipes inscritas; em 2013, 800 equipes; em 2014, foram 1.800 e em 2015 chegou ao número de 2.500 equipes. Contando que a média por grupo é de 3,5 estudantes, são quase 10 mil alunos. “O crescimento da prática está acima dos 100% e está aumentando mais do que a teórica. A gente acredita que há esse efeito, os alunos saem da modalidade teórica e vão para a prática. Mas é um passo grande, tem que comprar kit de robô, o que a gente não fornece”, esclarece Tonidandel. Os kits de robótica custam em média R$ 2 mil.

Muitos alunos, principalmente do ensino médio, têm abandonado os kits prontos e optado por utilizar Arduíno, uma pequena placa utilizada como plataforma de prototipagem eletrônica, muito utilizada para fins robóticos. Vários confeccionam as próprias peças do robô com uma impressora 3D e compram os demais componentes. “O Arduíno já está tomando conta do ensino médio e dos últimos anos do fundamental, o que é muito legal. Estudantes de 13, 14 anos já estão mexendo no Arduíno, tentando projetar algo com usinagem. Os kits (de robótica) têm ficado mais com a meninada, quase como kits infantis”, conta Tonidandel.

Este foi o caso dos estudantes Milena, Raquel e João Victor, do Cotuca. A equipe de João Victor, por exemplo, utilizou Arduíno e o mesmo carrinho feito para o robô do ano passado. “Algumas partes do nosso carrinho foram impressas na impressora 3D da escola, o que era uma novidade. E a gente fez tudo em acrílico. Assim você testa na hora, vê as dificuldades, compra as coisas, liga de novo”, conta ele, explicando que o robô deste ano foi batizado de “Patinho Feio”.

O estudante informou que as peças foram compradas pela própria equipe e algumas foram emprestadas pela escola e pela professora Cintia Aihara. “O robô se movimenta com base só no sensor. É preciso deixar ele se mover sozinho. Nossa equipe comprou uma placa, mas ela não funcionou e a gente pegou uma emprestada da professora”, conta a estudante Raquel Cardoso.

Na base do voluntariado

O preço dos kits e peças é um dos fatores que pode explicar o número menor de escolas públicas participando das etapas práticas da OBR, de acordo com Tonidandel. Em números gerais, foram 1.550 instituições participantes na edição de 2015 em todo o país, sendo 52% de escolas públicas, considerando as duas modalidades, prática e teórica. Porém, esta porcentagem muda se for considerada apenas a modalidade prática: 60% dos participantes são de escolas privadas. O estado que mais tem se destacado na modalidade teórica é o Ceará, com 16.135 alunos inscritos em 2014, contra 12.553 de São Paulo, o segundo colocado. Mas o placar muda quando analisamos a modalidade prática: o primeiro lugar ficou com São Paulo, que teve 354 equipes inscritas, seguido por 289 da Paraíba.

Apesar desses dados, os organizadores da OBR, criada em 2007, preferem não fazer ranking com as unidades que se destacam mais. Isso porque o objetivo não é o de reforçar o clima de rivalidade pela competição. “Essa é a política definida pela OBR desde seu início. Evitamos montar ranking de escolas e professores, para que a OBR não seja usada para a promoção dessas instituições, e o objetivo de fomentar e disseminar a robótica pelo país fique em segundo plano. Sendo uma olimpíada de inscrição gratuita, onde todos os professores que nela trabalham, em todo o país, são voluntários, não podemos deixar que uma instituição de ensino faça seu nome em cima do trabalho gratuito das pessoas”, explica Tonidandel.

A etapa nacional da modalidade prática é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), via edital de olimpíadas científicas. A verba é utilizada para a realização da etapa nacional e isso permite que a inscrição dos alunos não seja cobrada para nenhuma das etapas. Os coordenadores, juízes e professores que acompanham os eventos fazem tudo de forma voluntária, já que a OBR não tem nenhum outro patrocínio contínuo.

Esse é o caso da professora Cíntia Aihara, do Cotuca. Ela faz parte da organização de uma das regionais do interior São Paulo. Na lista de trabalhos está criar a trajetória das arenas para os robôs, encontrar espaço adequado para o evento, procurar patrocínio e resolver questões administrativas. “É o que eu faço. Em São Carlos, somos quatro pessoas na regional. Neste ano, conseguimos alguns patrocínios para subsidiar as arenas, o custo de locação”, conta.

Uma informação talvez preocupe a realização da OBR no próximo ano: de acordo com o professor Tonidandel, o montante do edital de olimpíadas científicas para 2016 será reduzido em 20%. “Não sabemos se a OBR será afetada, mas com certeza alguma olimpíada, ou todas, podem ser afetadas no montante do próximo ano”, declarou.

Divulgando a robótica pelo país

“Participar da olimpíada tem um reflexo na nossa formação. Ela ajuda nas matérias. Às vezes o professor passa algo em sala e a gente já pega rápido, porque a robótica usa um pouco de tudo o que a gente aprende, principalmente no (ensino) técnico”, declara João Victor. A colega Milena endossa: “Um dos motivos que levou a gente a participar foi aprender um pouco mais fora da escola. Por mais que tenha uma parte prática (na escola), num evento como a OBR, a gente aprofunda nossos conhecimentos. Treinamos principalmente a parte de programação, que é algo que não vemos muito na sala de aula”.

A professora Cintia Aihara pensa de forma semelhante. Para ela, que já viu diversas turmas participarem da competição, é possível perceber uma mudança de postura do próprio estudante, comparando o antes e o depois. “Eles ficam mais questionadores em relação às disciplinas. Isso é bom. Outra coisa é a questão da integração das áreas de conhecimento. Quando eles participam de um evento como esse, conseguem visualizar a necessidade de integrar. Percebem que os conteúdos não são isolados e concluem que as tecnologias se conversam”, declara.

A preocupação principal de uma olimpíada científica é essa: divulgar o conhecimento. No caso da OBR não é diferente. Ela não é um espaço para criar tecnologias, mas para plantar uma semente nas crianças e jovens brasileiros. “Se você pensar que foram quase 10 mil alunos construindo seu próprio robô autônomo, programando desde criança, isso vira uma coisa natural. Robótica será igual mexer no celular, ver televisão. E depois esses estudantes vão para a universidade, para o mercado de trabalho. É bem possível que um dia a gente transforme esse país em protagonista dessa tecnologia. Em vez de consumir robôs, vamos prover robôs para o mundo”, encerra o professor da FEI.