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Reportagem
Mercado de tradução técnica vive momento de alta
Por Romulo Augusto Orlandini
10/07/2012

“Follow the money”, expressão que ganhou fama na década de 1970 nos Estados Unidos durante o esquema Watergate, agora está sendo utilizada em outro contexto: o crescente aumento de eventos internacionais sediados no Brasil ampliou um campo de trabalho influenciado diretamente pelos investimentos externos, o mercado de tradutores e intérpretes. De acordo com a Associação de Congressos e Convenções (ICCA, na sigla em inglês), o país teve 204 eventos internacionais em 2011, pulando de 9º para 7º colocado entre as nações que mais têm esse tipo de evento. O número mostra um crescimento de 10% em relação ao ano anterior.

Segundo a consultoria Common Sense Advisory, o mercado da tradução deve movimentar US$ 33,5 bilhões em todo mundo este ano. “As expectativas de crescimento da economia estão em contínuo avanço devido aos eventos que estão ocorrendo este ano e pelos eventos esportivos que o Brasil sediará nos próximos anos, que certamente irão gerar muito trabalho nessa área. Isso, mais uma vez, demonstrará a importância da indústria de serviços multilíngues para a economia brasileira, que tenciona movimentar-se em um mundo globalizado”, disse Maria Franca Zuccarello, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e presidente do Sindicato Nacional dos Tradutores (Sintra).

Para Zucarrello, os brasileiros têm a cultura de consumir literatura e filmes estrangeiros, o que torna o tradutor necessário, uma vez que grande parte da população não possui conhecimento suficiente de outras línguas. No entanto, com o recente aquecimento do mercado, a tradução com um perfil mais técnico vem ganhando espaço. Para prosseguir na rota da prosperidade, a economia também tem que “falar e entender” em português: “A tradução técnica está em contínuo aumento, pois as empresas estrangeiras no Brasil já são muitas e são tão importantes que precisam de tradutores em todas as línguas, principalmente as empresas estrangeiras ligadas à Petrobras”.

“Praticamente todos os nichos estão em ascensão: tradução de videogames, de manuais, de filmes etc. Não sei de nenhum que esteja em baixa”: observa Heloisa Martins-Costa, profissional com 32 anos de experiência na tradução e interpretação de francês, inglês e espanhol. A lista de possibilidades de trabalho é extensa: vai desde a clássica legendagem de filmes, passa por tradução de contratos, artigos científicos, áudios, interpretação de palestras, trabalhos nas áreas jurídica e tecnológica até a arena científica do campo médico e farmacêutico, como, por exemplo, fazer versão para o português de bulas de remédios.


Heloisa Costa e Christiano Sanches, da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência,
no Centro de Imprensa da Rio+20, no Rio Centro.

Para a tradutora Michelle de Abreu Aio, que escreveu um artigo sobre as armadilhas e desafios da tradução técnica (junto com a docente da Universidade Federal de Santa Catarina, Silvana Polchlopeck), enquanto a tradução literária aparece mais por ser uma atividade artística, a tradução técnica passa despercebida e só ganha destaque por eventuais deslizes. “O tradutor de textos fora do âmbito literário só é percebido quando há um erro notável o suficiente para causar problemas na execução de algo indicado pelo texto – na operação de um equipamento, em um procedimento cirúrgico, por exemplo. Do contrário, ele segue invisível como se a imensa quantidade de textos técnicos traduzidos presentes no nosso cotidiano já fosse redigida no idioma de chegada”, disse.

Formação prática ou acadêmica?

Não há dados sobre número de tradutores no país ou movimentação financeira do mercado, reflexo da profissão não ser regulamentada – o que a tira das estatísticas oficiais. Nelas, só é possível contabilizar os tradutores públicos (conhecidos como juramentados, com registro nas juntas comerciais dos estados). Em geral, o perfil do profissional encontrado no mercado de trabalho é misto. Existem graduações específicas para tradutores, mas não é incomum encontrar nativos ou pessoas que moraram no exterior traduzindo documentos. “Os cursos acadêmicos na área de tradução são relativamente recentes. Por isso, é comum encontrarmos o mercado de tradução com ótimos tradutores que tiveram formação em outras áreas, como engenharia, direito, medicina, história, psicologia etc.”, comenta Michelle Aio.

Ela ainda acrescenta que o tradutor com formação acadêmica está mais bem preparado para enfrentar desafios, porque a faculdade agrega discussões sobre língua, sociedade e cultura. “Sem dúvida, o tradutor com formação acadêmica sai na frente, pois já entra no mercado com uma bagagem indiscutivelmente mais ampla do que o tradutor que só possui o conhecimento da língua estrangeira e cujo domínio de todas as técnicas e ferramentas, além da muito necessária consciência linguístico-cultural, corre o risco de ser adquirido em um tempo consideravelmente maior”, diz.

A formação acadêmica pode ser feita de diversas maneiras: ao cursar graduação em letras com habilitação em língua estrangeira, ao cursar diretamente a licenciatura ou bacharelado em tradução e intérprete, bacharelado somente em tradução ou por meio de cursos específicos, como os disponibilizados em escolas de idiomas. Heloisa Martins-Costa, que tem formação nos Estados Unidos, na França e na Bélgica, aponta que somente o fato de alguém falar uma língua estrangeira não significa que possa traduzir ou interpretar em conferências. “Quanto à técnica, é melhor procurar um curso sério, como o que é oferecido pelas universidades, em nível de pós-graduação”, afirma.

Qualidade da tradução

Para ser um bom tradutor, é preciso dominar duas ou mais línguas, além de conhecer novas expressões e vocabulários que vão surgindo no dia a dia. “A pessoa deve entender, falar e escrever no idioma com o qual pretende trabalhar. O ideal é que essa pessoa tenha passado algum tempo no país do idioma escolhido, pois a tradução não trata apenas de palavras. Inclui também a cultura”, esclarece Heloisa Martins-Costa. A tradutora dá a dica de aproveitar o preço baixo das passagens internacionais quando o dólar cai, para conhecer o país e a língua com que se trabalha. Se a viagem não for viável, uma saída é com a ajuda da internet, onde é possível assistir a discursos de políticos, ler jornais e ver programas televisivos – além de poder conhecer as piadas e chistes mais atuais. Os valores praticados para tradução e interpretação são distintos, de acordo com cada tipo e tempo de trabalho (ver tabela abaixo). Porém, uma coisa é certa: quanto mais especializada a área, como, por exemplo, a jurídica e de petróleo, mais bem pago o tradutor será.

Tipo de trabalho

Valor

Tradução de texto do idioma estrangeiro para o português

R$ 26,00/lauda (cerca de 2.100 caracteres por página, com espaços)

6 horas de tradução simultânea

média de R$ 1.300,00

Tradução com roteiro original completo

R$ 180,00 por 10 minutos

Transcrição de 1 hora de áudio em português

R$ 423,00

Fonte: Sintra. Esta é uma tabela meramente de referência. O Sintra apenas veicula
o que é estabelecido pelos próprios filiados e praticado pelo mercado.

Não existem estudos específicos sobre a qualidade das traduções. Em geral, os livros abordam somente as técnicas e maneiras de deixar o trabalho mais fidedigno ao original. “São pouquíssimas as publicações que se ocupam da tradução técnica de modo geral. Sobre técnicas de tradução, há muitas, bem como sobre a qualidade de traduções literárias. Mas muito pouco, de fato, é dedicado ao panorama atual da tradução técnica no Brasil”, avalia a pesquisadora Michelle Aio.

A professora Zuccarello diz que existe um credenciamento feito pela Associação Brasileira de Tradutores (Abrates) – o que daria uma certa garantia ao cliente. No entanto, ela afirma que a livre concorrência ainda é o melhor selo de competência. “O verdadeiro controle de qualidade é feito pelo mercado, que reconhece a qualidade do tradutor independentemente de ele ser formado ou não por cursos universitários na área ou em outras. A qualidade do tradutor passa pela prática, pelo cuidado no uso da linguagem, pela capacidade de transmitir com clareza em uma língua as ideias e conceitos que foram originariamente apresentados em outra”, avalia.