O
que é tecnologia social? É aquela tecnologia que possibilita a produção de bens
e serviços que atendam às necessidades dos arranjos produtivos chamados empreendimentos
solidários, que estão sendo organizados pelos e para os “excluídos”. São também
aquelas que devem ser satisfeitas pelo Estado para atender às necessidades de todos
os cidadãos e que devem ter sua produção viabilizada nesses empreendimentos,
mediante a utilização do poder de compra estatal.
Sendo,
portanto, a tecnologia social aquela tecnologia voltada à inclusão social,
esperaríamos que o seu desenvolvimento fosse uma das prioridades do governo,
não é mesmo? Então, vejamos qual a prioridade da tecnologia social.
No
gráfico abaixo estão os gastos do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) com
dois programas de seu Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI): Gastos com o PACTI, em R$ milhões/ano
Fonte: Ministério de Ciência e Tecnologia (2010).
O
MCT gastou com subvenção econômica à empresa (deu dinheiro às empresas para
elas fazerem pesquisa, sem que precisassem reembolsar o governo) R$ 1,6 bilhão
entre 2007 e 2010. Ao passo que foram gastos somente R$ 327 milhões com
pesquisas de alguma forma ligadas à inclusão social. Como demonstram as linhas
que contam as curvas do gráfico, há uma tendência de crescimento dos recursos
para subvenção econômica e de estagnação daqueles destinados à inclusão social.
Vejamos
também os gastos do governo com os programas Prime (Primeira Empresa Inovadora)
e Proninc (Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares):
Gastos com o Prime e Proninc
Fonte: (1) Financiadora de Estudos e Projetos (2008 e 2009);
(2) Ministério de Ciência e Tecnologia (2010).
O
Proninc, cujo objetivo é utilizar o conhecimento e a capacidade existentes nas
universidades para a constituição de empreendimentos solidários, recebeu 22
vezes menos recursos nesses três anos do que o Prime, que foi criado para
oferecer condições financeiras favoráveis para que empresas privadas de “alta
tecnologia” possam se consolidar no mercado.
Como
se observa, a tecnologia social não é uma prioridade para o governo. Mas, sendo
a tecnologia social fundamental para a inclusão social, por que ela não é
prioridade? Para tentar entender por que ela não é priorizada, vamos recorrer a
uma tipologia sobre “corações” e “mentes”, apresentada no diagrama abaixo.
Tipologia das “mentes” e “corações”
Na
parte superior do diagrama, o quadrante direito representa um conjunto
aparentemente vazio. É muito pouco provável que uma pessoa que se encontra
satisfeita com a sociedade em que vive possa vir a questionar o modo como nela
se produz a tecnologia.
No
quadrante superior esquerdo estão aqueles que têm “corações e mentes cinzas”.
São aqueles que se dedicam à formação de estudantes com a “mente cinza”. A cor
dos corações dos estudantes aparentemente não importa a eles. Para eles,
“corações” não podem entrar no “mundo da tecnologia”. E é até contrário às
normas do “bom desenvolvimento da tecnologia” deixar que considerações
relativas ao “coração” (ideologias, visões de mundo, interesses políticos ou
econômicos etc.) interfiram nele.
Na
parte inferior do diagrama estão aqueles que escolheram trabalhar com tecnologia
social, que possuem um “coração vermelho”, isto é, almejam uma sociedade mais
justa.
Mas
a maioria dos “corações vermelhos” tem uma “mente cinza”. Ou seja, não percebeu
ainda que o conhecimento que possui, utiliza e difunde não é capaz de produzir
a sociedade que deseja. Essas pessoas estão representadas no quadrante inferior
esquerdo.
São
os de “coração vermelho e mente cinza” aqueles que nos interessa melhor abordar
aqui. Eles podem ser subdivididos em dois grupos: os que acreditam na ética e
os que consideram que apenas uma revolução social pode fazer com que a
tecnologia convencional (produzida pela ou para a empresa, poupadora de mão de
obra, intensiva em capital e, na maioria das vezes, causadora de danos
ambientais) venha a beneficiar a sociedade.
Os
adeptos da ética crêem que a tecnologia convencional possa ser “usada para o
bem”. Consideram que o controle em relação ao uso da tecnologia, feito depois
dela ser produzida, é suficiente para que ela atenda aos interesses e necessidades
da sociedade.
Os
que acreditam no caminho da revolução dizem que “a tecnologia que hoje oprime a
sociedade, amanhã, quando ‘apropriada’ pelos trabalhadores, os liberará e os
conduzirá a uma vida melhor”.
Devido
a essas concepções sobre tecnologia, os de “coração vermelho e mente cinza” não
se mobilizam politicamente para neutralizar a influência dos “corações e mentes
cinzas” e tampouco se organizam para influenciar a formação dos estudantes numa
outra perspectiva. Contribuem, assim, para que “mentes cinzas ‘sem coração’
sejam formadas”. Isto é, para a formação de estudantes que consideram que
“assuntos do coração”, de natureza política e ideológica, não devam ser
misturados com o “mundo da tecnologia”.
Aqueles
de “coração vermelho e mente cinza” não se sentem responsáveis por atuar na
elaboração da política pública de ciência e tecnologia. Mesmo sabendo que é ela,
em última instância, que define o modo e o ritmo com que ocorre o
desenvolvimento da tecnologia social. Por não se dedicarem a intervir nessa
política, os “corações vermelhos e mentes cinzas” não conseguem fazer com que a
tecnologia social seja priorizada pelo governo.
“Avermelhar
mentes e corações” é fundamental para fazer com que o governo priorize a tecnologia
social. É atuando na elaboração da política pública de ciência e tecnologia e
na formação de estudantes com “mentes vermelhas” que se pode aumentar o ritmo
de desenvolvimento de tecnologia voltada à inclusão social.
Acreditamos
que a tecnologia social pode desempenhar um papel estratégico para a construção
de uma sociedade melhor, e é isso que justifica o tom provocativo, quase
militante, que marca este artigo.
Rogério Bezerra da Silva e Renato Dagnino
são pesquisadores do Grupo de Análise de Políticas de Inovação (Gapi) do Departamento
de Política Científica e Tecnológica da Unicamp.
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