Através
da publicação do Censo da Educação Superior, em novembro de 2011, o Ministério
da Educação (MEC) informou que houve um aumento de 110% no número de estudantes
matriculados em cursos de graduação entre os anos de 2001 a 2010 – o montante
passou de 3 para 6,5 milhões de brasileiros nessa faixa de ensino. Além disso, os
dados do Censo revelem que 390 mil estudantes se graduaram em 2001, enquanto em
2010 eles somaram 973,8 mil – informações que revelam, por sua vez, um aumento
aproximado de 150% no número de estudantes brasileiros formados no ensino
superior no mesmo período. “Os números
relativos ao ensino superior no Brasil ainda são muito pequenos em relação à
população do país e não vão conseguir se expandir muito nem melhorar sua
qualidade enquanto o ensino médio continuar formando não mais que 50% a 60% dos
jovens, em cursos que são, em sua grande maioria, de muito má qualidade”,
pondera Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e
Sociedade e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
Quando
da publicação dos dados pelo Censo, o então ministro da educação, Fernando
Haddad, que deixou a pasta no último dia 24 de janeiro, afirmou, em entrevista para o portal do MEC, que “talvez
esta tenha sido a melhor década, do ponto de vista de acesso à educação
superior, em todos os tempos, tanto em termos relativos como absolutos”, disse.
Nessa mesma oportunidade, Haddad afirmou ainda que a promessa do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva de dobrar o ingresso de estudantes nas universidades
federais nos oito anos de seu mandato (2003–2010) havia sido levemente
superada, já que, em 2002, foram 148,8 mil ingressantes, contra 302,3 mil em
2010.
Os propalados 110% de aumento das matrículas nas instituições de ensino superior (IES) se deve, enfatiza Schwartzman,
principalmente, ao setor privado (o qual conta, segundo o Censo, com 74% do
total de estudantes universitários do país). A afirmação do pesquisador é
corroborada pelos números do Censo Demográfico 2010: somente 48,1% dos
estudantes de 18 a
24 anos frequentavam o ensino superior no ano de 2009, segundo dados da Síntese
de Indicadores Sociais da população brasileira (SIS, dados do IBGE, 2010). É importante também perceber
que do total de 6.379.299 matrículas efetuadas na graduação em 2010 somente 973.839 dos estudantes concluíram seus estudos, ou 15,2%
do total.
“Muito embora desde a década de 1960 a política do governo
federal para o setor tem sido a ampliação de vagas via privatização, a taxa de
escolarização bruta na educação superior do país ainda é uma das mais baixas da
América Latina, embora o grau de privatização seja um dos mais altos do mundo”,
concluiu José Marcelino de Rezende Pinto, professor do Departamento de
Psicologia e Educação da Universidade de São Paulo (USP) em artigo publicado na
revista Educação & Sociedade em
2004. O trabalho, realizado com base nos indicadores da
educação superior produzidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), IBGE e Unesco, analisou um período de 40 anos da
situação do acesso à educação superior no Brasil, levando em consideração as
diferenças nas matrículas e oferta de vagas entre as dependências
administrativas e os cursos, o perfil dos concluintes e a qualificação dos
docentes. Já naquela época, era sabido que a participação do setor privado nas
matrículas no Brasil era quatro vezes maior que a da média dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Podemos
concluir que o modelo de expansão de educação superior adotado no Brasil, em
especial a partir da reforma universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68), em plena
ditadura militar, e intensificado após a aprovação da LDB (Lei n. 9.394/96), no
governo Fernando Henrique Cardoso, que teve como diretriz central a abertura do
setor aos agentes do mercado, não logrou sequer resolver o problema do
atendimento em níveis compatíveis com a riqueza do país, além de ter produzido
uma privatização e mercantilização sem precedentes, com graves consequências
sobre a qualidade do ensino oferecido e sobre a eqüidade”, constata Rezende.
O
ponto de vista de Rezende em relação à crescente privatização do ensino
superior no país guarda certa similaridade ao de Otaviano Helene, professor associado da USP e
ex-presidente do Inep, que afirmou, em reportagem para a revista ComCiência em outubro de 2011, sobre as metas propostas pelo Plano Nacional de Educação 2010-2020, que
atualmente apenas 25% dos estudantes de ensino superior estão em instituições
públicas presenciais, o que reflete uma redução na participação no ensino
público presencial e uma abertura demasiadamente grande para o ensino a
distância e para o ensino privado. “São dois passos na direção errada”, disse.
Tendências
mundiais e o possível futuro do ensino superior no Brasil
De
acordo com Simon Schwartzman, existiria, não só no Brasil, mas em todo o mundo,
uma tendência a ampliar o ensino superior. Segundo ele, trata-se de um fenômeno
cultural relacionado ao aumento da duração da juventude, ao adiamento do início
da vida profissional e do casamento, além das demandas crescentes do mercado por
profissionais bem formados. “Em muitos países a taxa de escolarização no ensino
superior já chega a mais de 70%. O Brasil está longe disso, em grande parte
porque muita gente ainda não consegue terminar o ensino médio, mas a tendência
ao crescimento é clara, embora ainda não se possa falar em universalização”,
conclui.
O
pesquisador acredita que o modelo “clássico" de ensino superior, “com
estudantes recém saídos do ensino médio, matriculados em tempo integral em
universidades e com professores pesquisadores também em tempo integral”, é cada
vez mais minoritário em todo o mundo. Haveria duas razões para tal fenômeno:
nem todos podem ou têm condições de seguir o curso superior e o alto custo do ensino
superior no Brasil para que o mesmo possa ser universalizado. “A tendência, em quase
todo mundo, é que o ensino público se diversifique, que o setor privado entre
como provedor de educação ao lado do setor público e que o ensino a distância
também se amplie. Nesta perspectiva, a maneira pela qual o ensino superior
brasileiro está crescendo, com a participação do setor privado e a expansão do
ensino a distância, é exatamente o que se espera”.
Segundo
Schwartzman, o movimento feito pelo governo federal através do programa Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (Reuni) para ampliar o número de alunos
por professor nas universidades federais e criar mais vagas, inclusive em
cursos noturnos, ainda não foi suficiente para alterar o quadro geral do ensino
superior no país. Em sua opinião, esse gargalo exige uma política mais
consistente para o setor público que deveria concentrar mais recursos e cobrar mais
resultados das instituições para oferecerem cursos de alto nível e desenvolver
pesquisas, consideradas de alto custo para o setor privado. Além disso, seria
preciso “desenvolver outras modalidades de ensino superior de massa (como os
'"community colleges" e cursos profissionalizantes em outros países),
de tal forma que o número de alunos pudesse ser aumentado a custos menores e os
alunos pudessem receber uma educação adequada às suas necessidades e condições
de estudo”.
“Se o
setor público não assumir um papel mais claro de liderar tanto o
desenvolvimento da excelência quanto a diversificação, limitando-se somente a
investir na expansão do que temos no momento, o mais provável é que tenda a perder a qualidade que ainda tem em muitas instituições e
segmentos, criando um espaço que o setor privado tenderá naturalmente a
ocupar”, prevê Schwartzman.
A
relação entre o ensino superior e a educação básica
Gustavo
Balduino, secretário executivo da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes
das Instituições Federais de Ensino Superior), acredita que o principal
problema da educação no Brasil está nos níveis anteriores ao ensino superior.
“O acesso universalizado, a permanência e o êxito na educação básica são os
principais desafios ao desenvolvimento do país e à meta de 10 milhões de alunos
no ensino superior”, comentou em seminário da Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) realizado em Brasília em
2011, referindo-se ao desafio proposto pelo PNE 2010-2020, de colocar 10 milhões de
estudantes no ensino superior até o final desta década, frente aos 6 milhões já
existentes.
Em
sua apresentação, Balduino também destacou as vagas ociosas no ensino superior –
são 39.551 no setor público e 1.613.074 no privado. Ou seja, é possível
concluir que faltam alunos com as mínimas condições necessárias para ingressar
no ensino superior, seja por falta de condições econômicas ou mesmo porque não
concluíram o ensino médio ou tiveram uma formação deficiente que não os permite
ingressar em universidades públicas.
Há
necessidade contínua, enfatiza o secretário executivo, de expansão do setor
público para servir de referência na qualidade do ensino, para a produção de
ciência e tecnologia e formação de mestres e doutores. Parece urgente a
implementação de políticas de acesso ao ensino superior com novas modalidades e a intensificação do uso de novas tecnologias que são de importância vital para o
cumprimento das metas propostas pelo governo federal para a educação superior
no país (leia reportagem sobre informatização das escolas).
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