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Censo da Educação Superior 2010: números requerem análise cautelosa
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Reportagem
Censo da Educação Superior 2010: números requerem análise cautelosa
Por Cristiane Kämpf
10/02/2012

Através da publicação do Censo da Educação Superior, em novembro de 2011, o Ministério da Educação (MEC) informou que houve um aumento de 110% no número de estudantes matriculados em cursos de graduação entre os anos de 2001 a 2010 – o montante passou de 3 para 6,5 milhões de brasileiros nessa faixa de ensino. Além disso, os dados do Censo revelem que 390 mil estudantes se graduaram em 2001, enquanto em 2010 eles somaram 973,8 mil – informações que revelam, por sua vez, um aumento aproximado de 150% no número de estudantes brasileiros formados no ensino superior no mesmo período. “Os números relativos ao ensino superior no Brasil ainda são muito pequenos em relação à população do país e não vão conseguir se expandir muito nem melhorar sua qualidade enquanto o ensino médio continuar formando não mais que 50% a 60% dos jovens, em cursos que são, em sua grande maioria, de muito má qualidade”, pondera Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quando da publicação dos dados pelo Censo, o então ministro da educação, Fernando Haddad, que deixou a pasta no último dia 24 de janeiro, afirmou, em entrevista para o portal do MEC, que “talvez esta tenha sido a melhor década, do ponto de vista de acesso à educação superior, em todos os tempos, tanto em termos relativos como absolutos”, disse. Nessa mesma oportunidade, Haddad afirmou ainda que a promessa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de dobrar o ingresso de estudantes nas universidades federais nos oito anos de seu mandato (2003–2010) havia sido levemente superada, já que, em 2002, foram 148,8 mil ingressantes, contra 302,3 mil em 2010.

Os propalados 110% de aumento das matrículas nas instituições de ensino superior (IES) se deve, enfatiza Schwartzman, principalmente, ao setor privado (o qual conta, segundo o Censo, com 74% do total de estudantes universitários do país). A afirmação do pesquisador é corroborada pelos números do Censo Demográfico 2010: somente 48,1% dos estudantes de 18 a 24 anos frequentavam o ensino superior no ano de 2009, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais da população brasileira (SIS, dados do IBGE, 2010). É importante também perceber que do total de 6.379.299 matrículas efetuadas na graduação em 2010 somente 973.839 dos estudantes concluíram seus estudos, ou 15,2% do total.

“Muito embora desde a década de 1960 a política do governo federal para o setor tem sido a ampliação de vagas via privatização, a taxa de escolarização bruta na educação superior do país ainda é uma das mais baixas da América Latina, embora o grau de privatização seja um dos mais altos do mundo”, concluiu José Marcelino de Rezende Pinto, professor do Departamento de Psicologia e Educação da Universidade de São Paulo (USP) em artigo publicado na revista Educação & Sociedade em 2004. O trabalho, realizado com base nos indicadores da educação superior produzidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), IBGE e Unesco, analisou um período de 40 anos da situação do acesso à educação superior no Brasil, levando em consideração as diferenças nas matrículas e oferta de vagas entre as dependências administrativas e os cursos, o perfil dos concluintes e a qualificação dos docentes. Já naquela época, era sabido que a participação do setor privado nas matrículas no Brasil era quatro vezes maior que a da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Podemos concluir que o modelo de expansão de educação superior adotado no Brasil, em especial a partir da reforma universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68), em plena ditadura militar, e intensificado após a aprovação da LDB (Lei n. 9.394/96), no governo Fernando Henrique Cardoso, que teve como diretriz central a abertura do setor aos agentes do mercado, não logrou sequer resolver o problema do atendimento em níveis compatíveis com a riqueza do país, além de ter produzido uma privatização e mercantilização sem precedentes, com graves consequências sobre a qualidade do ensino oferecido e sobre a eqüidade”, constata Rezende.

O ponto de vista de Rezende em relação à crescente privatização do ensino superior no país guarda certa similaridade ao de Otaviano Helene, professor associado da USP e ex-presidente do Inep, que afirmou, em reportagem para a revista ComCiência em outubro de 2011, sobre as metas propostas pelo Plano Nacional de Educação 2010-2020, que atualmente apenas 25% dos estudantes de ensino superior estão em instituições públicas presenciais, o que reflete uma redução na participação no ensino público presencial e uma abertura demasiadamente grande para o ensino a distância e para o ensino privado. “São dois passos na direção errada”, disse.

Tendências mundiais e o possível futuro do ensino superior no Brasil

De acordo com Simon Schwartzman, existiria, não só no Brasil, mas em todo o mundo, uma tendência a ampliar o ensino superior. Segundo ele, trata-se de um fenômeno cultural relacionado ao aumento da duração da juventude, ao adiamento do início da vida profissional e do casamento, além das demandas crescentes do mercado por profissionais bem formados. “Em muitos países a taxa de escolarização no ensino superior já chega a mais de 70%. O Brasil está longe disso, em grande parte porque muita gente ainda não consegue terminar o ensino médio, mas a tendência ao crescimento é clara, embora ainda não se possa falar em universalização”, conclui.

O pesquisador acredita que o modelo “clássico" de ensino superior, “com estudantes recém saídos do ensino médio, matriculados em tempo integral em universidades e com professores pesquisadores também em tempo integral”, é cada vez mais minoritário em todo o mundo. Haveria duas razões para tal fenômeno: nem todos podem ou têm condições de seguir o curso superior e o alto custo do ensino superior no Brasil para que o mesmo possa ser universalizado. “A tendência, em quase todo mundo, é que o ensino público se diversifique, que o setor privado entre como provedor de educação ao lado do setor público e que o ensino a distância também se amplie. Nesta perspectiva, a maneira pela qual o ensino superior brasileiro está crescendo, com a participação do setor privado e a expansão do ensino a distância, é exatamente o que se espera”.

Segundo Schwartzman, o movimento feito pelo governo federal através do programa Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) para ampliar o número de alunos por professor nas universidades federais e criar mais vagas, inclusive em cursos noturnos, ainda não foi suficiente para alterar o quadro geral do ensino superior no país. Em sua opinião, esse gargalo exige uma política mais consistente para o setor público que deveria concentrar mais recursos e cobrar mais resultados das instituições para oferecerem cursos de alto nível e desenvolver pesquisas, consideradas de alto custo para o setor privado. Além disso, seria preciso “desenvolver outras modalidades de ensino superior de massa (como os '"community colleges" e cursos profissionalizantes em outros países), de tal forma que o número de alunos pudesse ser aumentado a custos menores e os alunos pudessem receber uma educação adequada às suas necessidades e condições de estudo”.

“Se o setor público não assumir um papel mais claro de liderar tanto o desenvolvimento da excelência quanto a diversificação, limitando-se somente a investir na expansão do que temos no momento, o mais provável é que tenda a perder a qualidade que ainda tem em muitas instituições e segmentos, criando um espaço que o setor privado tenderá naturalmente a ocupar”, prevê Schwartzman.

A relação entre o ensino superior e a educação básica

Gustavo Balduino, secretário executivo da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), acredita que o principal problema da educação no Brasil está nos níveis anteriores ao ensino superior. “O acesso universalizado, a permanência e o êxito na educação básica são os principais desafios ao desenvolvimento do país e à meta de 10 milhões de alunos no ensino superior”, comentou em seminário da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) realizado em Brasília em 2011, referindo-se ao desafio proposto pelo PNE 2010-2020, de colocar 10 milhões de estudantes no ensino superior até o final desta década, frente aos 6 milhões já existentes.

Em sua apresentação, Balduino também destacou as vagas ociosas no ensino superior – são 39.551 no setor público e 1.613.074 no privado. Ou seja, é possível concluir que faltam alunos com as mínimas condições necessárias para ingressar no ensino superior, seja por falta de condições econômicas ou mesmo porque não concluíram o ensino médio ou tiveram uma formação deficiente que não os permite ingressar em universidades públicas.

Há necessidade contínua, enfatiza o secretário executivo, de expansão do setor público para servir de referência na qualidade do ensino, para a produção de ciência e tecnologia e formação de mestres e doutores. Parece urgente a implementação de políticas de acesso ao ensino superior com novas modalidades e a intensificação do uso de novas tecnologias que são de importância vital para o cumprimento das metas propostas pelo governo federal para a educação superior no país (leia reportagem sobre informatização das escolas).