Tradução
Marina Gomes
Entrelaçadas em todas as tristes notícias do dia estão as observações doces e persistentes sobre a felicidade em nossas vidas. Mesmo que no interesse atual haja certa dose de conselhos e pensamentos falsos e simplistas, em geral trata-se de algo bom. Ao menos ressalta o positivo e leva as pessoas a pensarem sobre suas vidas.
Richard Layard (2005, p.12) define a felicidade como o estado de bem-estar, desfrutando a vida. É um limite descritivo. Além disso, alguns pensadores veem a felicidade como momentânea: "é considerada mais como reflexo dos sentimentos afetivos temporários do momento presente da pessoa” (Mannell; Kleiber, 1997, p 208.). Exemplos incluem: "fiquei feliz com meu desempenho no teste”, “estou feliz que meu grupo tenha se saído tão bem", "fiquei muito feliz em receber esse prêmio outro dia". Vamos classificar essa felicidade como de curto prazo, assim denominada devido ao "momento presente" durar alguns minutos ou até mesmo alguns dias.
Por outro lado, outros veem a felicidade como a descrição de uma ampla faixa da vida, expressa em observações como: "eu era feliz quando criança”, “meus anos nesta comunidade foram felizes”, “serei feliz quando aposentar”. Nesse sentido, Diener (2000) afirma que a felicidade e o bem-estar subjetivo são os mesmos. Para ele, o bem-estar é uma combinação de afeto positivo e satisfação geral com a vida. Na mesma linha, Keyes (1998, p. 121) define bem-estar social como "a ausência de condições e sentimentos negativos, o resultado de ajuste e adaptação a um mundo perigoso". Para colocar o assunto de forma positiva, digamos que o bem-estar vem com boa saúde, prosperidade razoável, e, em geral, sendo rotineiramente feliz e contente. Essa é a felicidade de longo prazo.
Seja de curto ou longo prazo, a felicidade é resultado de enorme variedade de condições pessoais e sociais que levam a esse estado. Assim, é interessante determinar a felicidade (geralmente de longo prazo) das pessoas, saber quantos se dizem felizes, pensam que serão felizes ou foram felizes e assim por diante. A este respeito, atualmente é comum compilar avaliações de felicidade desde que o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, decidiu criar um índice de felicidade nacional. Trata-se de grandes projetos, mas que por sinal parecem ignorar a distinção entre curto/longo prazo.
Ainda mais complicado é a tentativa de explicar tais tendências, bem como explicar a condição da própria felicidade. Uma parte substancial da explicação tem sido direcionada a descobrir se o dinheiro faz as pessoas felizes. E, pelo que vou dizer no desenrolar deste artigo, será fácil concluir que na maior parte do tempo não existe ligação direta. Layard (2005) determinou, a partir da revisão de pesquisas sobre o assunto, que "a comparação de países confirma o que a história também mostra – acima de US$ 20 mil per capita, um rendimento médio mais alto não é garantia de maior felicidade" (p 34.). Uma vez que alimentação, roupas, moradia e outros desejos são garantidos, ter mais dinheiro não é necessariamente uma fonte de aumento do bem-estar (Franklin, 2010, p. 5).
Subjetivo ou social, o conceito de bem-estar baseia-se no pressuposto de que, para alcançá-lo, as pessoas devem ser proativas e exercer o livre arbítrio para atingir esse estado. Bem-estar é, portanto, também um objetivo, que quando alcançado irá revelar a felicidade geral da pessoa. O mesmo pode ser dito para a conquista de uma qualidade de vida digna. Ambos os conceitos abordam um processo de aperfeiçoamento pessoal, pois o indivíduo define esse estado. Felicidade é, assim, explicada por nossa vontade de trabalhar para nosso bem-estar e qualidade de vida.
Além disso, positividade psicológica e social são fontes de felicidade. As pessoas felizes são positivas a respeito de suas vidas, seja por um momento ou por um longo período. Essa observação descreve o resultado de uma vida positiva, da busca da positividade em uma vida vista como atrativa e bem vivida. Seja como for, a positividade é tanto uma condição quanto um objetivo. Como uma condição, deve ser vista como um aspecto da felicidade de longo prazo. Como meta, no entanto, ressalta encontrar integridade; enfatizando receber algo desejável da vida. A atuação pessoal também é um pré-requisito de positividade (Stebbins, 2009, p. 7), pois direciona buscar ativamente uma vida que seja uma combinação de recompensadora, satisfatória e gratificante. Deste modo, as pessoas dirigem seus próprios esforços para encontrar atividades que valham a pena, mesmo quando esses esforços são, inevitavelmente, concebidos e, por vezes, limitados pelas condições sociais, culturais e estruturais.
Os limites da ideia de felicidade
O lazer pode gerar felicidade, mas não é a própria felicidade. A felicidade é um estado de espírito; é afetada positivamente e um componente do bem-estar emocional (Snyder; Lopez, 2007, p. 71). Por outro lado, lazer é atividade; ou seja, o que fazemos no tempo livre para tornar a vida atrativa e interessante. Podemos nos descrever como "felizes", mas não podemos dizer que somos "lazer" (independentemente do quanto feliz seja).
Em geral, ser feliz com uma atividade de lazer é, ao menos em parte, se satisfazer com ela. Mannell e Kleiber (1997, p. 208) observam, seguindo Campbell (1980), que a satisfação implica um juízo, uma comparação do resultado entre, por exemplo, a atividade de lazer vivenciada com a expectativa do participante. Assim, baixa satisfação com a atividade não é suficiente para gerar felicidade naquele momento.
Nem todas as atividade de lazer resultam em um estado de felicidade. Não estou falando sobre tédio, que não é lazer (Stebbins, 2003). Considerando que as pessoas evitam se aborrecer, alguns acham que certas atividades de lazer têm apelo mínimo, de tal forma que são apenas um pouco melhores do que o tédio. Bruno Frey (2008) encontrou em seus estudos realizados na Universidade de Zurique sobre a felicidade resultados mistos sobre se assistir televisão faz as pessoas felizes. Mas fica claro, a partir de pesquisa de seu grupo e da literatura concernente, que essa atividade, se leva à felicidade, geralmente leva à baixa satisfação e, consequentemente, a um baixo nível desse estado de espírito. Além disso, eles encontraram evidências indiretas para apoiar a hipótese de que: "o hábito de ver televisão reduz significativamente a satisfação com a vida de indivíduos com elevado custo de oportunidade de tempo, ao passo que não teve nenhum efeito perceptível sobre a satisfação com a vida de indivíduos com baixos custos de oportunidade do tempo". Na economia, o conceito de "custo de oportunidade do tempo" refere-se ao tempo perdido em uma atividade que poderia ter sido usado para obter algo mais satisfatório, como o emprego próprio ou trabalho de alto nível (por exemplo, trabalhos profissionais, cargos burocráticos de alto escalão). É preciso uma boa dose de auto-controle para evitar os altos custos de oportunidade de tempo presentes no consumo excessivo de televisão.
O que tem sido referido em outros lugares como "abandono volitivo" (Stebbins, 2008) constitui uma outra situação de tempo livre, na qual o lazer não promove felicidade. O abandono volitivo surge quando uma pessoa conscientemente decide não mais participar de uma atividade. Eu abordei esse antecedente em minha comparação de trabalho entusiasta (devotee work) e lazer sério (Stebbins, 2004/2014, pp. 88-89). Foi observado que algumas pessoas eventualmente percebem que seu trabalho ou lazer já não é mais tão agradável e gratificante quanto foi um dia. Tornou-se monótono e, possivelmente, não oferece desafio suficiente, novidade ou ganhos sociais (atração social, realização de grupo, contribuição para o desenvolvimento de uma coletividade maior). Talvez os participantes se desencorajaram com uma ou mais das tarefas fundamentais da atividade, tão desanimados que acreditam que nunca mais encontrarão profunda satisfação nela.
No entanto algumas pessoas se apegam por um período de tempo participando da atividade de forma infeliz enquanto encontram dificuldades para se livrar dela. Esse é um destino comum entre os voluntários que serviram bem em posições de responsabilidade, porque muitas vezes estabeleceram um padrão de desempenho que poucos estão dispostos ou capazes de atender. Amadores e entusiastas em atividades de equipe podem, relutantemente, permanecer quando outros no grupo se queixam de que, se o primeiro sair, a orquestra, o time, o clube de bridge ou o quarteto de barbearia, por exemplo, irá se deteriorar, caso não pare de funcionar. É de se questionar quantos desses participantes estão verdadeiramente em um momento de lazer; talvez para eles a atividade tenha se convertido em uma desagradável obrigação.
O lazer casual, pelo seu hedonismo passageiro, está sujeito a perder seu apelo e ficar à deriva em direção aos baixos níveis de satisfação e insatisfação de curto prazo (isso se estiver completamente fora da zona do tédio). Os dados de Frey com seu estudo sobre televisão cabem aqui. Além disso, é certamente possível que alguns tipos de conversação social perdem o encanto após um período prolongado. E a maioria de nós gosta de comer e dormir, mas pode tornar-se saciado com o excesso de ambos. Os participantes do lazer sério e do lazer baseado em projetos podem ficar insatisfeitos ou infelizes com o que suas atividades ou projetos se tornaram. Os parentes entram em uma discussão rancorosa em um piquenique em família; o solista no concerto da orquestra da comunidade, dominado pelo medo do palco, canta fora do tom; o membro do conselho de uma organização sem fins lucrativos tem em todas as reuniões trocas amargas com o diretor executivo da organização. Alguns destes exemplos mostram apenas a infelicidade de curto prazo, permitindo ainda a possibilidade de que a alegria de longo prazo com a atividade permaneça intocada.
Felicidade no lazer: autêntica ou profunda
Martin Seligman (2003) nos leva ao ponto de salto ao relacionar lazer e felicidade de longo prazo quando afirma que "a autêntica felicidade" vem ao concretizar o nosso potencial para a auto realização duradoura. Essa observação abre a porta para a relação central entre lazer e felicidade. Colocando os pensamentos dele em uma estrutura de estudos de lazer, podemos dizer que a auto realização duradoura advém principalmente das atividades de lazer sério e atividades de devotee work, em que normalmente levam-se vários anos para adquirir as habilidades, conhecimentos e experiência necessários para realizar essa manifestação pessoal. Projetos de lazer são muitas vezes capazes de produzir algum senso de auto realização, mas não ao nível visto nas "carreiras sérias" ("serious pursuits", Stebbins, 2012). O lazer casual é incapaz de produzir auto realização e, portanto, a felicidade de longo prazo baseia-se, na maior parte, na habilidade e conhecimentos mínimos.
Mas aqui há uma razão para questionar o uso do adjetivo "autêntico" por Seligman. Seria a felicidade alcançada por meio de serious pursuits mais reais ou genuínas do que a alcançada pelo lazer casual? Certamente a felicidade do lazer casual é bastante real, como na emoção de um passeio de montanha-russa, uma noite de entretenimento em um clube de comédia, uma conversa social agradável ou um passeio de ônibus por paisagens naturais deslumbrantes. Antes, a questão central é quanto tempo essa felicidade dura e quão profundamente relacionada é à história pessoal, habilidades e conhecimentos adquiridos, e dons e talentos especiais? Na maior parte das vezes o lazer leva a uma verdadeira e autêntica felicidade, mas apenas parte dela é profunda, enquanto a maior parte é superficial, caindo assim em um ponto intermediário na dimensão felicidade-infelicidade.
Seligman, por sinal, não menciona lazer em sua discussão. Em vez disso, eu é que estendi a observação dele sobre tempo livre e coloquei em questão a adequação do "autêntico" aplicado à felicidade nas atividades. Isso traz uma observação central mais geral para esta discussão, a saber, que fora os vários indicadores descritivos de felicidade associados ao lazer, este está longe de ser um tema de destaque na literatura sobre o assunto. No entanto, o economista Layard (2005, p.74-75) reconhece o lazer do tipo sério (mas não usa o termo serious leisure) no ponto em que cita Csikszentmihalyi e os estudos de flow.
Samuel S. Franklin (2010), psicólogo, aborda a relação de felicidade e realização do ponto de vista de sua disciplina. Iniciando com o conceito de felicidade de Aristóteles, ele reúne teoria e pesquisa da psicologia, filosofia e fisiologia como uma segunda opinião de apoio a esse estado psicológico. A principal premissa de Franklin é que a felicidade é a realização do potencial humano e não uma série de prazeres passageiros, riqueza acumulada ou resultado de crença religiosa. Para ele, a felicidade é, a longo prazo, uma forma de viver que caracteriza tal realização. Dito isto, há algumas palavras em seu livro sobre o lazer.
Conclusões
Embora lazer não seja felicidade ele claramente desempenha papel fundamental na geração desse estado. Nunca devemos perder de vista essa relação como uma das esferas mais vibrantes da vida atual, pois fazê-lo seria perder uma oportunidade de promover a relevância do lazer para as questões científicas e para o público em geral. Mesmo que o lazer (até o eventual) leve apenas à felicidade de curto prazo, superficial, não deixa de ser um tipo de felicidade que muitos gostem. Lazer sério e lazer baseado em projetos são muito mais propensos a levar à felicidade de longo prazo, especialmente quando, em sua forma casual, todos os três são integrados em um estilo de vida ideal.
Robert A. Stebbins é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Calgary, no Canadá, e membro da Royal Society of Canada.
Referências
Campbell, A. The sense of well-being in America. New York: McGraw-Hill, 1980. Diener, E. "Subjective well-being: the science of happiness and a proposal for a national index". In American Psychologist, 55: 34-43, 2000.
Franklin, S.S. The psychology of happiness: a good human life. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
Frey, B.S. Happiness: a revolution in economics. Cambridge: MIT Press, 2008.
Haworth, J.T. "Life, work, leisure, and enjoyment: the role of social institutions". In Leisure Studies Association Newsletter, 88: 72-80, 2011.
Keyes, C.L.M. "Social well-being". In Social Psychology Quarterly, 61: 121-140, 1998.
Layard, R. Happiness: lessons from a New Science. New York: Penguin, 2005.
Mannell, R.C., Kleiber, D.A. A social psychology of leisure. State College: Venture, 1997.
Snyder, C.R.; Lopez, J. Positive psychology: the scientific and practical explorations of human strengths. Thousand Oaks: Sage, 2007.
Stebbins, R.A. "Boredom in free time", In Leisure Studies Association Newsletter, 64: 29-31, 2003. Disponível em: www.seriousleisure.net.
Stebbins, R.A. Between work and leisure: the common ground of two separate worlds. New Brunswick: Transaction Publishers, 2014.
Stebbins, R.A. "Leisure abandonment: quitting free time activity that we love". In Leisure Studies Association Newsletter, 81: 14-19, 2008. Disponível em www.seriousleisure.net
Stebbins, R. A. Personal decisions in the public square: beyond problem solving into a positive sociology. New Brunswick: Transaction, 2008.
Stebbins, R.A. (2012) The Idea of Leisure: First Principles, New Brunswick, NJ: Transaction.
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